amores expresos, blog do ANTÔNIO

Friday, January 14, 2011

Novo endereço

Caros, este blog está desativado desde 2007. Meu blog atual é o http://antonioprata.folha.blog.uol.com.br
Apareçam!

Monday, December 22, 2008

Mudo-me

Caros leitores e leitoras que freqüentam esse blog: estamos de mudança. À partir de já, você pode me ler no http://blog.estadao.com.br/blog/antonioprata

Estávamos vivendo aqui provisoriamente. Vim para passar um mês, em abril de 2007 e nunca mais saí. Como vocês estão vendo aí em cima, esse blog está hospedado no site do projeto Amores Expressos, um incrível projeto literário e cinematográfico que me mandou para Xangai e para o qual estou terminando meu romance. Depois da China, passei a publicar aqui minhas crônicas da Capricho, do Guia do Estado e outros textos. Agora escrevo domingo sim domingo não no caderno Metrópole e, por isso, mudo-me lá pro portal do Estadão. Esse blog aqui vai continuar no ar (ou onde quer que fiquem os blogs), contendo toda a experiência da China, mas não será mais atualizado.

A todos e todas que me têm linkado a seus blogs: em primeiro lugar, obrigado. Em segundo, peço a gentileza de trocar o endereço. Em terceiro, apareçam. Tentarei ser mais freqüente. Isso não é uma promessa, mas uma esperança ou, vá lá, um bom voto para o ano que vai nascer. Boas festas a todos, muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender.

Saturday, December 13, 2008

A Gaveta

(publicado no Estadão)
O ano vai chegando ao fim e decido arrumar a gaveta. Há várias gavetas em minha casa, evidentemente, mas refiro-me a uma em especial, onde há um tempo eu guardo os documentos, recibos, comprovantes de carta registrada, esses papéis fugidios que, como toda pessoa desorganizada, temo precisar um dia e não encontrar: “a geladeira pegou fogo no dia que instalaram, mas pergunta se ele tinha recibo?”. “Fraudaram um cheque de treze reais e agora tá devendo cento e trinta mil ao banco. Tivesse guardado os canhotos...”. “Lembra do Antonio? A Receita apareceu com o exército, perguntando pela página dois da declaração de 1998. Não achou. Parece que tá lá em Guantánamo, aguardando julgamento”. Agora, quando surgem esses pensamentos, lembro-me que em meio à barafunda que é minha casa, ao caos cartorial e burocrático que é minha vida, há esse cercadinho de juízo e precaução, zelando por meu sono: a gaveta.
Acontece que com os anos os papéis foram se acumulando e a gaveta tornou-se, ela também, um inferninho. Quase não fecha de tão abarrotada, na última eleição levei meia hora para achar o título de eleitor e começo a temer que se os homens de preto interfonarem, não encontrarei a página dois da declaração de 1998 antes que subam as escadas e derrubem a porta. O ano termina e, num ato de fé e otimismo, digno do mês de dezembro, decido arrumá-la.
De início não encontro dificuldades: contratos aqui, recibos ali, essas pragas azuis e amarelas do redeshop vão pro lixo... Vou fazendo pilhas temáticas, imagino pastas coloridas e etiquetadas, em 2009 cada coisa terá seu lugar, tudo será facilmente localizável, a vida parece simples, penso até em começar uma natação.
Aos poucos, no entanto, surgem os problemas -- se os armários escondem esqueletos, caro leitor, as gavetas também guardam seus ossinhos: esse cartão postal, eu respondi? Tenho que mandar a cópia do PIS para o SESC. O IPVA... Céus, não paguei o IPVA. A pilha das pendências vai crescendo, crescendo, então desaba sobre mim. Pastas não darão conta do recado: não é a gaveta que precisa ser organizada, é a vida. Preciso ganhar mais dinheiro. Preciso acabar meu romance. Ver mais os amigos e pagar a conta de luz. Preciso estabelecer prioridades, metas. E cumpri-las, claro. Preciso de uma secretária. Não, não, de uma analista. Perder uns quilos não seria má idéia. E se eu fizesse abdominais? Preciso ler Proust. Do alto da pirâmide de papel, trinta e um anos me contemplam: afinal, Antonio, o que você quer da vida?
Desisto. Não adianta. A gente faz o que pode. É tarde. Sou isso aí, o conteúdo da gaveta e o que está fora dela. Paciência. Guardo tudo de volta. Dois mil e nove que venha. Semana que vem compro um baú. E fim de papo.

Wednesday, December 3, 2008

TORÓ

(publicado no Estadão)

A descarga elétrica é um chicote de 27.700 graus -- quatro vezes a temperatura na superfície do sol. O ar em torno desloca-se causando o estrondo, que viaja por entre os prédios a 340 metros por segundo. O homem por trás dos óculos e do bigode volta os olhos para cima. A nuvem preta começa a seiscentos metros de suas pupilas e só termina catorze quilômetros depois, mas de onde ele está tudo o que vê é o céu tão preto que é como se a Terra tivesse sido engolida por um cachorro. As três moças de salto-alto e crachá dão uns gritinhos, excitadas com o próprio susto. O velho da banca guarda o display da mulher pelada. Os dois frentistas correm para estacionar os carros recém-lavados sob a parte coberta do posto. O vendedor de abacaxis recolhe as fatias dispostas sobre a barraquinha e as põe no isopor envolto por fita marrom. No ponto de ônibus coberto há uma discreta migração da periferia para o centro. Os estudantes de uniforme e i-pod passam correndo e gritando pela calçada – mas talvez corressem e gritassem do mesmo modo sem trovão ou com chuva de canivetes. O vira-lata solta o osso, fareja o ar espesso com pompa de especialista e sai trotando. O homem por trás dos óculos e do bigode atormenta-se com a lembrança de uma janela longe dali: fechou? Não fechou? Agora é tarde, pois a primeira gota cai sobre o teto do posto, a segunda em cima do ponto de ônibus, a terceira na testa de uma das moças, a quarta estatela-se no asfalto e a chuva começa como no pior pesadelo de Asterix: o céu desabando sobre nossas cabeças. As moças correm a toda velocidade que os saltos permitem. O homem por trás dos óculos e do bigode, convencido de que não fechou a janela, arrasta seu arrependimento para debaixo do ponto, onde umas quinze pessoas se acotovelam -- embalde, pois a água vem de tudo quanto é canto: de cima pra baixo, de baixo para cima, de um lado pro outro; jorra de dentro dos bueiros entupidos, desce em cachoeiras pelas calhas; sacos de lixo e garrafas pet competem no rafting do meio fio. Em cinco minutos não haverá mais ninguém sob o ponto. Em quinze, o vendedor de abacaxis, com água pelo joelho, abandonará o isopor. Em vinte, os frentistas desistirão da trincheira de panos e pneus, a água já entrando pelos escapamentos. Em vinte e nove minutos a chuva haverá terminado. As moças de crachá se secarão com os guardanapos de uma padaria e o vira-lata tremerá dentro de um fogão abandonado no terreno baldio. Em duas horas o homem ajeitará os óculos e torcerá a ponta do bigode ao contemplar sua sala. O toró será a principal notícia do Jornal Nacional, mas quem mora por aqui prescindirá das estatísticas, bastará olhar pela janela para se dar conta do estrago: é como se a cidade tivesse sido roída por um cachorro.

Friday, November 28, 2008

Teatro e debate

Dia 05 de dezembro, sexta, às dez horas da noite, a grande atriz Iara Jamra vai representar um texto que escrevi. É uma cena curta, menos de dez minutos, meu primeiro trabalho para teatro. Faz parte de um projeto incrível chamado Teatro para alguém, que a Renata Jesion, outra atriz maravilhosa, está fazendo na internet. São mini-peças, mini-séries, pequenas cenas e outras milongas filmadas em planos seqüência e colocadas na rede. A primeira fornada trará uma peça do Mario Bortolotto, uma mini-série do Lourenço Muterelli e a supracitada ceninha deste neófito que vos escreve. Não precisa ir até a praça Roosevelt, nem até o SESC Belenzinho, nem até o controle remoto: basta clicar aí no computador. Quem não vir ao vivo, veja depois. Vai ficar lá no site. Abaixo uma prévia, com este autor meio tímido e de língua presa explicando do que se trata. Veja também as chamadas da mini-série e da peça.

http://www.teatroparaalguem.com.br/casa/index.php?option=com_content&view=article&id=3&Itemid=3

Monday, November 17, 2008

TEM VISTO O PESSOAL?

(publicada no Estadão)


Reconheci assim que bati o olho: Felipe Francini, 4ª B, usava aparelho com cabresto, tinha cabelo tigela e quebrou os óculos do Júlio Cabeção no último dia de aula. Descontando o cabresto e a mudança do cabelo, agora curto, o Felipe ali sentado na ponta do balcão não era muito diferente daquele de 1987.
Pensei em ir até lá, mas algo me segurou. Dizer o que? “Felipe Francini! 4ª B! Usava aparelho com cabresto, tinha cabelo tigela e quebrou os óculos do Júlio Cabeção no último dia de aula!”? Caso se lembrasse de mim, ele responderia algo na mesma linha: “Antonio Prata, 4ª A! Era goleiro e usava umas calças de moletom com couro no joelho!”.
Ficaríamos nos olhando, os sorrisos minguando ao nos darmos conta de que eu não sou mais goleiro, ele não usa aparelho – quem sabe o Julio Cabeção até operou da miopia – e não há nenhuma relação entre nós, salvo termos freqüentado a mesma escola e, agora, dividirmos o balcão de um bar.
O silêncio advindo dessa melancólica constatação não duraria muito -- nós, brasileiros, somos muito ruins de silêncio -- e seria logo preenchido por “Tem visto o pessoal?”. O outro saberia que a frase era uma fraude, um tampão colocado às pressas para que a breve felicidade do encontro não escoasse pelo ralo. “Uns mais, outros menos...”. “E o Julio Cabeção?”, eu talvez perguntasse, fazendo a indução absurda de que se ele quebrou os óculos do cara, em 1987, saberia de sua vida em 2008. Caso soubesse, no entanto, teríamos um rumo: “Parece que ganhou muito dinheiro e abriu uma pousada em Jericoacoara”. “Jericoacoara”, eu repetiria, com vergonha de emendar com um óbvio “dizem que é lindo”, mas não me ocorrendo nada mais inteligente e ouvindo o tic tac do relógio, renderia-me: “dizem que é lindo”.
Breves currículos desfraldados, ele comentaria que leu alguma coisa minha, alguma vez, em algum lugar, mas não saberia dizer o que, nem onde, nem quando e diria que não pode reclamar da área de recursos humanos. Com algum esforço eu lembraria de alguém que trabalhou na empresa em que ele trabalha, “O Augusto?! Um loiro, gordo? Não acredito!”, ele comemoraria, abriríamos sorrisos novamente, como se termos estudado juntos, nos encontrado no bar e ainda conhecermos o Augusto fosse um sinal inequívoco de que por trás da confusão das aparências só pode haver uma ordem a reger o mundo. Ele me convidaria para sentar, eu diria que estava esperando alguém e voltaria ao meu lugar.
Talvez nos encontremos em 2037, em Araçatuba, comentemos sobre esse dia, no bar e nos perguntemos outra vez sobre os destinos de Júlio Cabeção e do Augusto, um loiro, gordo (será o mesmo?), ou quem sabe morramos sem nunca mais cruzarmos nossos caminhos -- o que pode soar mui filosófico, mas é apenas a mais prosaica das constatações. Que coisa, né?

Monday, November 10, 2008

Blowing in the wind

Meu pai nunca entendeu que eu e minha irmã não tínhamos a mesma idade que ele. Isso não se restringia a nós nem mudou com o tempo: até hoje ele conversa com uma criança de três anos de igual para igual, o que faz com que elas o adorem, como se o tom as promovesse a outro patamar. Quando você é filho, no entanto, a coisa é um pouco mais complicada.
Era domingo e não sei por que cargas d’água meu pai resolveu nos levar ao Pico do Jaraguá. Não era o tipo de programa que fazíamos nos fins de semana -- um sim, um não -- que passávamos com ele. Íamos a restaurantes, bares, às casas de amigos dele, ao cinema ou ao teatro. Aquele, contudo, era um domingo atípico, tanto é que a Julia, minha meia irmã (filha do meu padrasto), também estava conosco.
Lembro-me de estar deitado no banco de trás da Brasília, com as pernas esticadas por cima do encosto e a cabeça pendendo entre os bancos da frente, próxima à base do freio de mão. Hoje em dia, se a polícia pára um carro e flagra uma criança nessa posição, o motorista deve perder a carta, talvez até guarda dos filhos, mas estávamos em 1984 e o mundo era outro, não se usava cinto de segurança nem protetor solar, as pessoas não andavam por aí com garrafinhas d’água, como se fosse o elixir da vida eterna, fazíamos cinzeiros de argila para os pais nas aulas de artes e o colesterol era apenas uma vaga ameaça de gente paranóica, como a CIA ou a KGB, dependendo da sua visão de mundo; de modo que eu seguia feliz, estrada acima, vendo as árvores passarem de cabeça para baixo, lá fora.
Foi a Maria, minha irmã mais nova, sentada próxima a janela da esquerda, quem deu o alarme: “Ó lá ela chupando o pinto dele!!!”. A Julia pisou na minha barriga, passou por cima de mim e também grudou a cara na janela, eu levantei correndo mas só cheguei a tempo de ver uns vultos dentro da Variante bege parada no acostamento. A Maria jurava ter visto direitinho: o cara pelado, uma mulher chupando-lhe o pinto. Nós três começamos a pular e gritar no banco de trás, como chipanzés amotinados. “Chupando o pinto!”, “Hahahaha!”, “Chupando o pinto dele!”, repetíamos, sem acreditar que havíamos passado tão próximos daquele evento inencaixável na ordem geral das coisas. A gritaria estancou de imediato quando meu pai, com a naturalidade de quem discute a situação com senhores de cinqüenta anos, perguntou: “o que é que tem?”.
Até aquele segundo, em minha vida, chupar pinto não tinha nenhuma relação com a sexualidade humana, o prazer, o afeto. A frase “chupa meu pinto!” pertencia ao terreno das ofensas, ao jargão do futebol, como “prensada é da defesa”, “gol só dentro da área”, e “vou te encher de porrada” – essa sim uma ameaça que poderia ser cumprida. Chupar o pinto era metafórico, como “cospe e sai nadando” ou “vai ver se eu estou na esquina” e jamais tinha passado por nossas cabeças (eu devia ter uns nove, a Julia oito e a Maria, sete) que alguém de fato fizesse aquilo -- e por que faria?!
“Não sei do que vocês tão rindo tanto”, continuou meu pai, sério. Eu só consegui gritar o óbvio, de pé no assento de trás, metendo o corpo entre os bancos da frente: “pai! Ela tava chupando o pinto dele!”. Meu pai abanou a cabeça. “Antonio, chupar pinto é uma coisa muito normal. E saudável. Todo casal faz isso” – ele disse, e acreditem: era só o começo. O pior, o que subverteu todo o arcabouço conceitual construído até meus nove anos, o que provavelmente faria com que fogos de artifícios fossem vistos nos dois hemisférios do meu cérebro, caso estivesse num desses aparelhos de ressonância magnética, o que, dada a intensidade, provavelmente fixou toda a história em minha cabeça, desde a posição em que me encontrava no banco da Brasília até a cor do céu, quando chegamos ao mirante, lá no alto, viria a seguir: “Normal, sim. A Juliana chupa meu pinto. A sua mãe chupa o pinto do marido dela. Sua avó chupa o pinto do seu avô. A tia Lurdes chupa o pinto do Augusto, a professora Carla chupa o pinto do Josué, ah!, os homens que namoram homens então, como o Pedrinho e o Ivan, chupam muito o pinto um do outro. Todo mundo que namora faz isso. E é muito gostoso. Não tem porque rir.”
Chegamos ao Pico do Jaraguá, descemos do carro e vimos o pôr do sol. Eu olhava a cidade lá longe e só conseguia pensar que por trás de cada janela, dentro de cada carro, debaixo de cada teto, atrás de cada porta havia pessoas que chupavam ou eram chupadas, meus pés pisavam sob um planeta onde dois bilhões e meio de seres humanos colocavam os pintos dos ouros dois bilhões e meio na boca. Talvez fosse o vento, ou a memória tenha inserido o áudio mais tarde sobre a imagem, mas o som que eu ainda ouço, lá no alto, é equivalente ao de um canudo do tamanho de um prédio puxando o último gole de um copo gigante de milk-shake: sssrrrrrrrlllllllllllluuuuuuuuurrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrp!
Na volta, ninguém falava nada. Entramos em casa correndo, com os olhos arregalados. Não tão arregalados quanto ficaram os de minha mãe, meu padrasto e mais uns dois casais de amigos, que tomavam vinho e comiam alguma coisa, quando desandamos a falar: “Mãe! Mãe! É verdade que você chupa o pinto dele?!”. “A vovó chupa o pinto do vovô?!”, “A minha avó também, pai?! A minha avó também chupa pinto?!!”, “Todo mundo?! Todo mundo chupa pinto?!”. “Mãe, mãe, quando eu crescer eu também vou ter que chupar pinto?!”. “Com que idade?! Com que idade começa a chupar pinto, pai?!”.
A última cena de que me lembro nesse dia é vista do alto da escada, de onde eu estava bisbilhotando, já de pijama. Havia taças vazias e pratos sujos na mesa, os casais tinham ido embora. “Mas será que você não entende? Eles são crianças!”, dizia minha mãe ao meu pai, pelo telefone, aparentando mais cansaço do que raiva na voz. Não lembro com que sonhei naquela noite.

Sunday, November 2, 2008

SORVETE DE CHEESECAKE

(PUBLICADO NO ESTADÃO)

Diz a lenda que Joe Kennedy, pai do presidente, pressentiu o crash de 29 ao receber dicas de investimento do garoto que lustrava seus sapatos. Se até o engraxate estava especulando -- especulou o especulador -- era porque a especulação já tinha ido muito mais longe do que qualquer especulador poderia ter especulado.
Eu, modéstia à parte, também farejei que algo ia mal na economia alguns meses atrás, ao entrar numa grande vídeo-locadora e dar de cara com um jogo de panelas (linha Firenze, revestimento de teflon), seis pares de meias brancas (made in China, dez reais) e uma seção inteira dedicada às lingeries. Quando você acha calcinhas onde buscava Hitchcock, só pode concluir que o mercado está completamente desregulado, não?
Na verdade, eu suspeitava que as coisas andavam confusas desde uma remota tarde no século XX em que a banca do seu Arlindo passou a vender água de coco. Em pouco tempo o jornaleiro comprou um freezer vertical e começou a oferecer também cervejas, refrigerantes e bebidas isotônicas, onde antes havia apenas jornais e revistas, abalando assim um dos pilares de meu pensamento infantil -- a crença de que uma coisa era uma coisa, outra coisa era outra coisa.
Preocupado com a quebra de meus paradigmas, comecei a buscar alguma explicação no papo dos adultos. Falavam sobre a globalização, o fim das fronteiras e a abertura dos mercados. Era isso: seu Arlindo estava abrindo um mercado. E não só ele, percebi, ao reparar no que acontecia com os postos de gasolina: ali, naquela casinha onde antes funcionava uma borracharia, com uma banheira de água imunda e um pôster da Maria Zilda arrancado de uma Playboy de 85, passaram a vender lasanhas congeladas, papel higiênico, canetas hidrocor e outros itens de primeira, segunda ou terceira necessidade.
O que era o tal fim das fronteiras só entendi nos anos 90, não com desmantelo da Iugoslávia, mas ao deparar-me com um saco de batatas-fritas sabor churrasco. Depois vieram o sorvete de cheesecake, o chocolate de cookies e a pizza de cachorro-quente (e ainda crêem que o mercado se regula?!), mas nem me abalei: já estava claro que uma coisa poderia ser outra coisa e, como vimos nos últimos meses, era possível todas as coisas transformarem-se em coisa nenhuma.
Quando entrei na locadora, portanto, e deparei-me com panelas, meias e calcinhas, entendi que aquele era o apogeu do movimento iniciado lá atrás com os cocos do seu Arlindo e que logo viria a débâcle. O pai do Kennedy, em 29, vendeu as ações e comprou terras e imóveis. Eu, dentro de minhas limitações, apenas aluguei um filme e levei um daqueles pacotes com seis meias, pela incrível bagatela de dez reais. Meias brancas, médias e lisas, como convém. Afinal, em momentos de incerteza, temos que nos refugiar na tradição.

Monday, October 20, 2008

ZONA DO AGRIÃO

(Publicado no estadão)

Parado, com a colher suspensa sobre a bancada de aço inox, o sujeito atravancava minha passagem. Ia enfiá-la no pote de ervilhas, arremeteu, pousou-a na bandeja de beterrabas, levantou uma rodela, soltou-a, duas gotas vermelhas respingaram no talo de uma couve-flor.
Fosse mais para trás, lá pela travessa do agrião, eu poderia ultrapassá-lo e chegar aos molhos a tempo de colocar azeite e vinagre antes que ele se aproximasse, mas da beterraba aos temperos é um passo e então seria eu a atrapalhar sua cadência. (Segundo a etiqueta não escrita dos restaurantes por quilo, a ultrapassagem só é permitida se não for reduzir a velocidade do ultrapassado -- o que seria equivalente a furar a fila).
Tudo é movimento, dizia Heráclito; o mundo gira, a lusitana roda, anunciava a televisão: só eu não me mexia, preso diante da cumbuca de grãos de bico com atum. Fiquei irritado. Aquele homem hesitante estava travando o fluxo de minha vida, dali para frente todos os eventos estariam quinze segundos atrasados: da entrega desta crônica ao meu último suspiro.
Limpei a garganta, o sujeito olhou para mim e foi então que o inusitado se deu: ele sorriu. Meu mau-humor foi expulso pela vergonha. Ali estava eu, buzinando mentalmente, ultrajado pela subtração de um punhado de segundos.
Qual a pressa? Só mandaria a crônica no dia seguinte, o último suspiro, quanto mais distante, melhor, esse foi um ano bom, construí uma churrasqueira, terminei um livro, passeei por aí com meu amor, já estamos quase em novembro, logo começam a ligar os amigos para nos encontrarmos antes que o ano acabe, ou que o mundo acabe, dependendo do que acontecer com a economia -- e mesmo que venha a hecatombe, não seria mais uma razão para trabalharmos em paz na composição de nossa salada? Lá fora havia chefes e planilhas Excel, carretas viradas e possibilidade de pancadas isoladas à tardinha; talvez haja recessão em 2009 e há uma chance em 50 milhões de que a Terra seja engolida por um buraco negro quando ligarem o acelerador de partículas na Europa, mas ali estávamos nós, dois homens em horário de almoço, decidindo entre dezenas de possibilidades de agraciar nossas papilas gustativas nos próximos minutos. No fim das contas a vida é isso aí, escolher entre ervilhas e beterrabas, antes que chegue o último suspiro e sejamos nós o alimento de outras criaturas. Qual a pressa?
O sujeito serviu-se de três rodelas de beterraba e passou-me a colher. Eu sorri, ele sorriu de volta. Pensei em desejar-lhe feliz natal, mas era cedo, dizer bom apetite, mas era tarde: a mulher atrás de mim limpou a garganta, dando a entender que se eu não fosse me servir de nada era melhor sair da frente, em vez de ficar ali, com a colher suspensa sobre a bancada de aço inox, a contemplar os legumes e atravancar sua passagem.

Monday, October 6, 2008

O leito no pleito

(Publicada no Estadão, no caderno Metrópole, onde aliás escrevo agora, um domingo sim, um domingo não. Meu domingo não é domingo sim da Vanessa Bárbara, gênia da raça, que pode ser lida no www.hortifruti.org)

Dizem que num dos pergaminhos do Mar Morto, escrito em aramaico no século II A.C. e só recentemente decifrado, encontraram um versículo perdido do Gênesis. Depois de expulsar Adão e Eva do paraíso e condená-los aos castigos já conhecidos, Deus teria acrescentado: “E mais! Ireis para a cama dispostos, mas acordareis um caco” – numa livre tradução.
Não sei quanto a Adão, Eva e você, leitor, mas em mim a pena ainda vigora, forte como nos tempos pré-diluvianos. Um minuto antes de deitar-me tenho ganas de ler toda a obra de Machado, pegar a Sessão Corujão do comecinho, arrumar a gaveta onde cartas da primeira namorada misturam-se às últimas declarações do imposto de renda. Já ao abrir os olhos pela manhã, tudo o que eu queria era poder dormir de novo, para sempre. Depois de atravessar esse lusco-fusco existencial em que a vida, pendurada nas pálpebras, faz todos os projetos parecerem impossíveis, ganhar o pão com o suor do próprio rosto é fichinha.
Assombra-me que o direito ao sono não tenha surgido na pauta de nenhuma vanguarda do século XX. Liberaram o sexo, acusaram a família, o Estado, a Igreja; queimaram fumo, a bandeira americana, sutiãs: por que raios não foram às praças pisotear despertadores? Por que os mesmos que conseguiram fazer “samba e amor até mais tarde” não tiveram coragem de dormir mais um pouquinho, evitando “muito sono de manhã”? (Alarme, do italiano, às armas! Pode haver etimologia mais nefasta para trazer-nos dos sonhos à labuta?).
O honrado leitor, que acorda com os galos ou as primeiras buzinas, talvez ache o assunto por demais comezinho para uma passeata. Não deve ter compreendido, ainda, as repercussões políticas da auto-gestão do sono. Se cada um acordasse quando quisesse as pessoas sairiam de casa aos poucos, não haveria rush, o transporte público daria conta do recado, as emissões de carbono despencariam, a Islândia pararia de derreter, a Björk estaria salva, assim como os ursos polares, Ilhabela, o futevôlei, Veneza, os pingüins e Ubatuba, sem contar que teríamos tempo para ler, ver TV, arrumar a gaveta, fazer samba e amor até mais tarde e não ter muito sono de manhã.
Embora o tema seja urgente, não o vi ser discutido em nenhum debate pelos candidatos que hoje disputam nosso voto. Sequer um nanico ou aspirante a vereador, desses que encampam as bandeiras mais disparatadas, levantou a voz (abaixou, talvez, seja o termo correto) para defender o sono de 10 milhões de habitantes.
Podem alegar que, dada a grandeza do problema, não caiba ao município resolvê-lo, mas ao governo federal ou talvez à ONU. De acordo, mas em algum lugar a revolução tem que começar. Ou nos levantamos imediatamente pela auto-gestão de nosso sono, ou daqui a pouco a água estará batendo em nossas olheiras. Ou vice-versa. Às armas!

Monday, September 1, 2008

CENTRAL PARK

(Publicada no Guia do Estado)

Para nossa sorte, o Museu da Língua Portuguesa não aceitava cartão nem cheque e o caixa automático mais perto ficava do outro lado do Parque da Luz. Quando digo sorte, não ponho nem uma gota de ironia.
Pertenço à primeira geração privatizada do Brasil. Na infância, ainda aproveitei aquele antigo espaço público chamado rua. Cresci numa vila, gritando um-dois-três-Antonio-salvo embaixo de goiabeiras e chapéus de sol, desenterrando moedas do vão entre os paralelepípedos, com interesse arqueológico e acreditando que o mundo era um lugar assim, por onde a gente podia correr, gritar e cavucar sem maiores problemas.
Quando cheguei à adolescência, contudo, a violência -- ou o medo da violência, que não deixa de ser, também, uma violência – já havia transformado a rua em mera passagem entre um lugar e outro. Adolesci em casas, escolas, shoppings, restaurantes, cinemas e outras instituições intra-muros, num pedaço da cidade que raramente excedia os limites da Zona Oeste. De modo que, aos 30 anos, vergonhosamente, não conhecia o Parque da Luz.
No portão, uma senhora vendia maçãs do amor, ao lado de dois repentistas cantando uma embolada. Um boliviano de calça camuflada, chapéu de cowboy e barrigão para fora da camisa passou por nós fumando um charuto e cantando um rap em castelhano. Lá dentro, crianças brincavam no tanque de areia e corriam entre enormes esculturas de metal. A dois metros do tanquinho, senhoras de programa exibiam um despudor cheio de pudores – um discreto exagero no batom e nos decotes insinuava que não estavam ali a passeio.
Tímidos, garotos e garotas exalando hormônios e desodorante faziam o footing na alameda central, como antigamente, com uma ingenuidade que combinava com o chafariz e os bancos de madeira, mas não com a cidade em torno das grades de ferro. Por toda parte, imigrantes falavam castelhano e pensei que já era hora de parar de comemorar a chegada dos japoneses e começar a entender a entrada dos bolivianos.
Tiramos dinheiro do outro lado do parque e refizemos o mesmo caminho, reparando nas esculturas, nos chapéus de cowboy, nos decotes e sotaques tão distintos que, reunidos pela curadoria do acaso, faziam daquele quadrilátero verde uma província cosmopolita, avesso de São Paulo e, ao mesmo tempo, a sua cara. Pagamos o museu com uma nota de cinqüenta. Uma pena que o moço tivesse troco.

Tuesday, August 12, 2008

DOGMA NA BRASA

(publicado no Guia do Estado)

Quando eu vi o sujeito pegar a picanha crua e fatia-la, invocando “a escola argentina”, apertei o braço da Julia e disse, baixinho: “vamos embora”. Segundo os mandamentos sagrados do churrasco, que recebi de meu pai, meu pai recebeu do pai dele e o pai dele do pai do pai dele, a integridade da picanha era um dogma e, como todo dogma, absoluto e inviolável.
Erram os que crêem que, se Deus está morto, tudo é permitido. Muito pelo contrário. Num mundo dessacralizado, a gente tem que se agarrar ao nosso quinhãozinho de absoluto. Eu acreditava na ortodoxia do churrasco: picanha você grelha inteira, longe da brasa, só com sal grosso -- “sal moura é coisa de bárbaros”, também dizia papai, “quem faz isso deve pedir perdão, em público, ou ser banido da cidade”.
Eram esses e mais dois ou três preceitos simples que, se não garantiriam nossa entrada no céu, ao menos aplacavam um pouco a angústia de nos sabermos finitos e confusos, num universo gigante e que se expande, a despeito de nossos medos, sonhos ou opiniões sobre a taxa de juros do COPOM.
Viver é impreciso, pensava eu, mas grelhar, felizmente, era preciso -- até aquele churrasco. Pois quando o sujeito serviu os bifes de picanha, meu mundo ruiu. Estavam melhores do que a peça inteira, que minha família vinha assando, desde a aurora dos tempos.
Foi um momento de crise, confesso, mas não perdi a cabeça. Talvez nós estivéssemos errados, pensei, com uma humildade que me encheu de orgulho. Talvez o Deus deles fosse mais poderoso que o nosso. Respirei fundo, comi mais um pedaço e fui conversar com o churrasqueiro. Saí de lá com o rabo entre as pernas, a barriga cheia e o livro “Churrasco Patagônico” embaixo do braço.
Por alguns dias estudei o compêndio, com a volúpia de quem folheia uma obra subversiva. Refleti bastante. Ponderei. Tive sonhos intranqüilos e suores noturnos, mas ao fim da leitura, tive de dar o braço a torcer: os argentinos estavam certos.
Ainda não tive coragem de informar meu pai, mas no próximo fim de semana fatiarei uma picanha. Os bifes, grossos, colocados bem perto da brasa, só serão salgados depois de “selados” dos dois lados. Se o céu não cair sobre minha cabeça, nem chover fogo e enxofre, talvez eu corte o cabelo moicano, entre num curso de rumba ou comece a praticar alpinismo. Afinal, se o churrasco não é mais sagrado, tudo é permitido. (Só o salmoura, pelo amor de Deus, é que não).

Saturday, August 2, 2008

Varol Bermelho

(Publicado na Vogue Homem)

Do bafômetro I

Está em vigor, desde o dia 20 de junho, a nova lei 11.705, que pune com cadeia quem for pego dirigindo com mais de 6 dg/L de álcool no sangue.
“Você pode ser preso por ter comido um bombom de licor!”. Eis o que bradam, pelas bombonieres do Brasil, os indignados chocólatras. Eles, minha gente, que ajudaram a fazer de nosso país, como você bem sabe, a “a pátria da trufa com Frangélico”.
“Vai em cana por bochechar com Listerine!”. É o que gritam os neocons da higiene bucal, provavelmente receosos de que a lei vá disseminar em nossa terra, já tão cheia de mazelas, as pragas do tártaro e da placa bacteriana.
Estou realmente admirado que a minha turma do bar esteja se unindo em torno de duas causas tão nobres: bombons e cáries. Claro. Afinal, exigir o direito de dirigir bêbado ninguém tem coragem. Ou tem?
Do bafômetro II
“Um chopinho! Uma tacinha!”, sussurram os mais ousados, olhando para os lados, conferindo se não estão mesmo sendo ouvidos. Tá certo, eu também acho que uma taça de vinho e um chope poderiam ser liberados. Se fizerem abaixo assinado para mudarem a lei, me mandem por e-mail, eu assino – como, aliás, tenho assinado todos os que me mandam contra o desmatamento da Amazônia, a guerra do Iraque, o relatório de Kyoto, os ursos chineses que são amarrados nas jaulas e cuja bílis é cruelmente extraída para fazer já não me lembro mais o que.
A que quantidade de álcool permitida, no entanto é um detalhe ínfimo, diante da boa notícia de que, finalmente, beber e dirigir vai se tornar um crime de verdade e que milhares de vidas serão poupadas. (Milhares, aqui, não é força de expressão. São mais de trinta mil mortos por ano, no trânsito. Boa parte dos acidentes, causados por motoristas bêbados).
Acho estranho tanto fervor na defesa de um chopinho e uma tacinha. E na vidinha, não vai nada?

Da jaca

Antes de mais nada, preciso dizer: não comemoro a cruzada puritana que assola o globo. A tentativa de impor ao corpo os valores de eficiência e produtividade – as barrigas de tanquinho ISO 12000 expostas como propagandas de nosso superávit muscular e superegóico; o troféu pela dominação de nossas panças e nossos instintos.
Todo poder ao telecoteco, ao ziriguidum, à picanha, ao vinho, à cerveja e ao doce de leite argentino. Viva Dionísio, Zé Celso, o Saci Pererê e essa coisa toda. (Se não fosse o álcool, aliás, acho que seria virgem até hoje – no meio da adolescência, só um psicopata pode ter a frieza de ficar pelado, na frente de uma garota, em pleno domínio de suas faculdades mentais). Mas, como dizia Confúcio, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa: assim como quem vier explicar a origem da tabela de logarítimos no meio de um bloco de carnaval deve ser mandado para a Sibéria, não dá pra conduzir uma máquina de uma tonelada a cinqüenta quilômetros por hora, depois de beber.
Porém, ah, porém...

Do bafômetro III

Sexta-feira, agora, um cara me dizia, furibundo, já no quarto uísque com red bull:
-- E se eu quiser tomar um chope saindo do trabalho? Vou preso!
-- E desde quando você toma um chope? Você enche a lata!
-- Eu sei, mas suponhamos que eu queira, é um absurdo não poder!
Eu, que já estava na terceira long-neck (and rising...), enchi o peito de virtude e passei um sabão no sujeito. Disse que era egoísta da parte dele. Que se a suposta ruína do happy hour viesse a salvar cinco mil vidas, que fosse, já estava valendo.
Fiquei até arrepiado com minhas próprias palavras. Depois, peguei o carro e fui-me embora para casa. Veja bem: eu, quando como bombom recheado, bochecho com Listerine ou bebo cerveja, dirijo com muito cuidado. Como todo o Brasileiro, aliás.

Do bafômetro IV ou: da lei (I)

Nós, brasileiros, temos um individualismo natural. Não aquela papagaiada dos americanos, que enchem a boca para citar a primeira emenda e o direito do Ser Humano viver como quer e longe dos tentáculos do Estado. Nosso individualismo é menos triunfal, mais íntimo. Entendemos que a lei exista, afinal, o ser humano faz um monte de besteiras por aí. O ser humano precisa de leis. O ser humano é um vacilão. Mas eu? Veja bem: eu tenho “as manha”.
No sábado, enquanto bebíamos vinho, num jantar, um cara argumentava que a lei era “muito autoritária. Uma coisa de cima pra baixo, muito radical”. Aí me lembrei de uma mulher que, na época da campanha pelo desarmamento, disse-me que votaria contra a proibição das armas porque, desde os anos 70, seguia um princípio: “é proibido proibir”. Não era uma velha hiponga, mas alta executiva (CEO, como dizem agora) de uma Multinacional (corporação?). Síntese curiosa entre libertários e liberais. Alguma coisa entre Caetano Veloso e Thomas Friedman.
No Brasil, toda vez que se discute uma nova lei, não é somente o conteúdo da mesma que está em pauta, mas o próprio conceito de lei, Estado, contrato social. “Como assim?!”, dizemos. “Alguém quer me proibir de fazer uma coisa?!”. Mais ainda: “vale para mim e todo mundo?! Estão me igualando à patuléia?! Nananina! Qual é mesmo a emenda lá que os caras sempre citam no final do filme, amor?! Aquela lá que eles falam na hora do tribunal, antes de beijar a loira?! É isso aí! Isso aí que eu acho dessa lei nova!”.

Tolerância zero

Na minha primeira aula da disciplina Ética I, na faculdade de filosofia, o professor Renato Janine Ribeiro informou que seríamos avaliados por um trabalho, cujo limite eram 4 mil caracteres. Levantei a mão e perguntei, já quase afirmando: “mas se passar um pouco de 4 mil não tem problema, né?”. Janine começou a rir. Limite é aquilo que não se pode transpor. É o fim da linha, certo?Não no Brasil! No Brasil tudo tem um chorinho. A dose não é a dose, nem no copo, nem no tempo, nem na lei.
A lei anterior, que permitia uma taça de vinho ou dois chopes, não era um retumbante NÃO ao álcool. Ela permitia um pouquinho. Então preferíamos, em vez de nos apegarmos ao texto da lei, nos focar em seu princípio – não sei se por nossa grande capacidade de abstração ou se simplesmente por preguiça –: “pode beber, mas não muito”. Ou seja, pegávamos o limite de dois chopes ou uma taça, adicionávamos o chorinho que acreditávamos caber a cada um de nós e lá se iam 30 mil vidas, a cada ano.
Agora, não tem mais chorinho nem vela. Bebeu um chope, adeus carro. Que país é esse, minha gente?!


Do bafômetro V ou: da lei (II)

Desde que eu me entendo por gente, a 11.507 é primeira lei que surge ameaçando levar todo mundo pra cadeia. Rico, pobre, peão, deputado, acrobata amador ou poeta neo-concretista: dirigiu e bebeu, o pau comeu. Claro, todas as outras leis também deveriam ser para todos. Mas não são. A 11.507, a julgar pelas fotos dos motoristas assoprando o bafômetro, é ampla, geral e irrestrita.
Uma associação de bares e restaurantes está ameaçando entrar com ação na justiça, para garantir o direito inalienável de seus clientes atropelarem pedestres e chocarem-se contra Kombis escolares na contra-mão. Maravilha. A Kopenhagen e a Johsons, quem sabe, também vão fazer a mesma coisa.
Enquanto isso não acontece, no entanto, sugiro outra alteração na 11.705, para que ela não seja assim tão contrária à nossa natureza, à nossa cultura: cadeia diferenciada, dependendo da bebida que tiver sido ingerida pelo motorista.

Da penalidade

Uísque doze anos - O doutor vai para aquela casona bonita da Polícia Federal, no bairro paulistano de Higienópolis, que já hospedou Lalau e Rocha Matos. (Vão precisar comprar mais algumas mansões decadentes se a coisa começar a ficar preta pra turma do Black Label, mas tudo bem, para essas coisas nunca falta $$$).
Chope em bar carioca - A galera vai para celas especiais nas delegacias comuns. (Vão precisar fazer mais celas especiais pra acomodar todo o pessoal de óculos com armação de acrílico preto, mas tudo bem, algumas ONGs vão pressionar, a imprensa apoiará e o governo vai acabar cedendo).
Serra Malte, Original e Boêmia de garrafa – Os amantes da tradição são mandados para Ilha Grande, a masmorra mais cool de nossa história, que abrigou até Graciliano Ramos. (O presídio precisa de uma reforma, mas o pessoal da cerveja de garrafa pode trabalhar nisso, com materiais recicláveis e energia solar).
Schincariol de garrafa ou pinga 51 -- Mete o vagabundo no xilindró e acabou. (Vão precisar fazer mais xilindrós, porque os que existem hoje já estão superlotados, mas isso pode esperar, como sempre, porque ninguém que a gente conhece vai pra lá, mesmo).
Campari, Sangue de Boi e Smirnoff Ice, campo de concentração no Acre, pra aprender a beber direito. Não tem conversa. (Nem piadinha entre parênteses).

Friday, July 18, 2008

UM INSTANTE, SR.

(publicada no Guia do Estado)

É mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha e um rico entrar no reino dos céus do que cancelar a TV à cabo. Sei o que digo: perdi uma tarde no telefone até a atendente Carla aceitar o fim de nossa relação – não sem antes levar-me à beira da loucura com as infinitas artimanhas que deve ter aprendido em gincanas Tropa de Elite de Vendas e outras aberrações oriundas do fascinante mundo do RH.
“Não, Carla! Não quero outro pacote! Quero cancelar a assinatura! Escuta: se você me oferecer mais uma promoção eu vou ligar pro PROCON, vou escrever carta pro jornal, vou mandar um gato bomba aí pra central, tá entendendo?!”.
A guerrilheira Carla nem perdia o rebolado. Pedia um instantinho, me deixava ouvindo aquela música new age de videogame e, cinco minutos depois, com se nada tivesse acontecido, oferecia-me o “Combo Deluxe” pelo preço do “Combo Master”, o “Combo Master” pelo preço do “Combo Confort -- mais a família Cineblix!, senhor Antonio, é um excelente negócio!”.
“Que raio de língua é essa? Família Cineblix? Combo?! Comboio! Kombi! Colombo! Camboja! Cumbuca! Eu já disse, senhora Carla, só quero que desliguem essa joça!!!”.
“Vamos fazer assim: o senhor suspende a assinatura temporariamente.” Sei. Jogo essa meia hora no lixo e marcamos, para 2013, uma nova DR corporativa? Serei incapaz de dormir sabendo o que me espera no futuro. “Cancela!”.
“Vamos fazer assim: o senhor passa a assinatura para algum conhecido: um parente, amigo?”. Que tipo de pessoa você imagina que eu sou, jihadista Carla? Não desejo essa Via Crucis ao meu pior inimigo. “Cancela!”.
Uma hora depois, desidratado e rouco, atirei-me no sofá, mas nem pude comemorar o cancelamento, pois da bonança veio a tormenta: o que acontecerá com a atendente Carla? E se, ao ouvirem nossa conversa -- que foi gravada para minha “maior segurança” -- os demiurgos do RH decidirem que ela não presta pra coisa? E se ela estiver pra casar? Ou grávida? Noiva, grávida, abandonada pelo futuro marido, aí vem o senhor Antonio e, só porque fechou com o concorrente pela metade do preço, a joga na rua.
Pude ver a parturiente Carla voltando de ônibus para casa, chorando. Pior: vislumbrei a reunião dos gerentes de marketing, analisando a nossa conversa e chegando à conclusão inexorável: “precisamos ser mais agressivos!”. Descancela, atendente Carla! Descancela!

Friday, June 27, 2008

Pensamento Único

A calabresa está com os dias contados. É a próxima vítima na cruzada puritana que assola o Globo. Quando a última bituca for apagada no fundo do derradeiro copo de chope, pode anotar: eles virão atrás da lingüiça.
A caçada, na verdade, já começou. Ontem à noite, num bar, uma garota em minha mesa resolveu desafiar o espírito do tempo e pedir ao garçom, sob olhares atônitos dos outros comensais, um sanduíche de calabresa. O resto da turma a olhou, incrédulo. Diante de suflês de abobrinha, saladas verdes e outros corolários anódinos do auto-controle, pareciam dizer, cheios de orgulho e inveja: você não sabe que não se pede mais esse tipo de coisa?!
Por enquanto, a repressão é apenas cultural, mas é assim que começa. Em breve os carnívoros começarão a ser hostilizados em restaurantes. Depois, quem sabe, serão obrigados a usar estrelas vermelhas costuradas à roupa. Daí para os cercarem em guetos e você-sabe-bem-como-essa-história-termina é apenas um passo.
A moda agora é das comidas funcionais. Suco de berinjela, salada de alfafa, meia uva com três grãos de gergelim... Tudo pelo bom funcionamento do sistema digestivo, como se fôssemos meras máquinas a serem reguladas. Daqui a pouco o garçom vai perguntar, enquanto toma nosso pedido: “quer que dê uma olhada no óleo e na água?”.
Podem dizer que é para o nosso próprio bem. Que a gordura mata e o agrião salva. Amém. Acredito, no entanto, que a opção preferencial pelas fibras nada tem a ver com a saúde do corpo mas, sim, com uma doença da alma: o sabor está ficando démodé. Há uma espécie de ascetismo religioso nessa austeridade dietética. Um júbilo penitente pelo auto-controle. Segundo o novo moralismo alimentar, os gordos são preguiçosos, os carnívoros são lascivos e quem pede uma calabresa, de noite, na frente dos outros, só pode estar completamente fora de sintonia com a própria época.
A questão é séria e requer uma atitude. Glutões de todo o mundo, discípulos de Baco, cultores do bom, do belo e do supérfluo, uni-vos: o prazer subiu no telhado. Ponham as carnes na grelha, aumentem o som, abram um vinho, reajam! Antes que seja tarde e o mundo se transforme numa barra de cereal. Light.

Thursday, June 5, 2008

FIAT LUX

(Guia do Estado)

Houve uma época em que a noite era dos gatos e dos gatunos. 24 H eram três caracteres lidos apenas em luminosos de hospitais, clínicas dentárias em sobrelojas e uma ou outra borracharia – geralmente, bem distante de nosso pneu furado.
Não sei bem porquê, mas não passava pela cabeça de ninguém, até o final da década de oitenta, vender máquinas de lavar, vatapá ou livros de administração muito depois do horário comercial.
Tudo mudou na noite em que o Rodolfo, um amigo do meu pai, chegou tarde à nossa casa, cheio de sacolas. Entusiasmado, nos explicou de onde vinha: “chama loja de conveniência! Vende tudo, a qualquer hora! Se você tá voltando de uma festa, por exemplo, três da manhã, e lembra que tem que comprar sabão em pó...”. “E quem vai querer comprar sabão em pó às três da manhã, Rodolfo?!”, cortou meu pai, mostrando muita sensatez e nenhum tino comercial.
Foi mais ou menos nessa época que começaram a vender produtos pela TV, de madrugada. Didi Seven, um alvejante capaz de transformar carvão em marfim; Facas Guinsu, a melhor maneira de serrar pregos e sapatos; meias-calça Vivarina -- se um maníaco te atacasse com um garfo, as meias ficariam intactas. Os anúncios passavam entre pornochanchadas e programas evangélicos, sugerindo que Deus, sexo e bugigangas estavam competindo pelo monopólio de nosso tédio, nossa solidão.
Dali para a frente, tudo mudou. Fogão, rabada, samambaias, golden retrievers, Proust completo: não há quase nada que se compre ao meio dia que não possa ser encontrado a meia-noite. Acho ótimo. Vira e mexe, faço compras lá pelas duas da manhã. A salsinha costuma estar meio murcha, é verdade, mas só de você poder escolher os tomates sem ter que ficar encolhendo a bunda para os outros carrinhos passarem, já vale a pena.
Não consigo, contudo, deixar de sentir um incômodo ao carregar produtos de limpeza pela madrugada, como se fizesse alguma coisa profana, imoral. (Mais ou menos como beber pela manhã, ou ir a um casamento de chinelos). Nada que não desapareça, é verdade, assim que me lembro que, se o pneu furar, posso achar um borracheiro aberto em qualquer canto da cidade. Poderia, ainda, encomendar Facas Guinsu, um terço bizantino ou um vatapá pernambucano, pelo celular, sem nem sair do meu carro. Mas é claro, quem é que iria fazer uma coisa dessas, não é mesmo, Rodolfo?

Saturday, May 17, 2008

TUBO DE VENTILAÇÃO

(Guia do Estado)

Num mundo ideal, as janelas dariam sempre para árvores frondosas, crepúsculos de calendário ou vizinhas distraídas. Aqui neste vale de lágrimas, no entanto, tenho que aceitar como vista do meu banheiro um vão de concreto onde a luz do sol jamais penetrou. Segundo o Jurandir, zelador zeloso e profundo conhecedor das questões condominiais, o nome técnico da anti-paisagem é “tubo de ventilação”.
Se a tal garganta que perpassa treze andares não brinda os moradores do Edifício Maria Eulália com visões do paraíso, ao menos distribui, para deleite do cronista, a trilha sonora de algumas vidas empilhadas acima e abaixo do meu banheiro.
Tem o garoto que ouve música sertaneja e canta junto. Tem a moça que passa a vida ao telefone, repetindo sempre a mesma conversa: “E ele? Não! E você? Sei. E ele? Não! E você? Sei.” Tem um senhor que tosse toda manhã, com uma força capaz de enviar seus perdigotos à Dinamarca, caso para lá sua janela estivesse virada -- e não, como já foi dito, para o “tubo de ventilação”. Tem os namorados adolescentes que tomam banho juntos, descobrindo as artimanhas e agruras do asseio a dois: “deixa eu, tá frio!”. “Calma, tem xampu no meu olho!”. “Lindoco, posso lavar?!”. “O que?”. “Ele...”. “Ele não, Gatucha! Tenho vergonha...”. “Ah, deixa, vai?!”. Tem alguém que passa as madrugadas no messenger. Triste... A noite toda aquele brrrrlump, brrrrlump -- um sapo eletrônico, a coaxar pelo prédio nossas solidões compartilhadas.
Semana passada, chegou pelo tubo uma coisa diferente. Não era som, era um cheiro. Cheiro de.... De que, meu deus?! Senti meu cérebro formigando, como se as memórias lá do fundo borbulhassem, confusas, querendo saber qual deveria emergir. Seria o desodorante da enfermeira que primeiro me pegou no colo? O xampu da minha mãe, na infância? O perfume de uma namoradinha da quinta série, que estava submerso há anos em algum rincão, ao lado do gosto do Halls de cereja e da música tema de Top Gun?
Fiquei ali parado, no box do chuveiro, de olhos fechados, com a sensação de estar muito próximo de uma coisa enorme e íntima, mas que ia se esvaindo, enquanto o cheiro sumia e se acalmava o alvoroço nas galés da memória. Então alguém deu a descarga, outro ligou o rádio e fui pegar uma coca na cozinha.

Monday, April 28, 2008

Minha amiga Vera Magalhães, jornalista, trinta e poucos, me mandou o e-mail abaixo, sobre o artigo "Marry Him". Ela tem toda razão. Abaixo Lori! Abaixo, Vera.

"Quem é a bruxa detestável que escreveu esse artigo sobre como as mulheres devem se agarrar ao primeiro tronco de árvore que passar e se casar? Credo!! Eu, como representante das mulheres casadas, nunca li algo tão detestável.
Deve ser uma nega muito infeliz, mesmo, porque não é possível achar que qualquer arranjo que vc conseguir quando estiver no limiar dos 40 é melhor que ficar solteira.
Conseguiu irritar não só as solteiras como alguém que se casou aos 22, é super feliz mas não acha de jeito nenhum que possa haver uma regra geral sobre o assunto".

Thursday, April 24, 2008

Terremoto

(Guia do Estado)

Não é que eu não soubesse que de 2008 a gente não passava, mas esperava a hecatombe só lá para julho, quando uns cientistas colidirão mini-partículas num bambolê de 27 km, enterrado entre a França e a Suíça, criando um buraco negro que reduzirá a mim, a você, ao Kilimanjaro e a tudo o que existe no planeta a uma bolota do tamanho de uma azeitona. Contava com os meses restantes para ler Proust, conhecer as cataratas do Iguaçu e fazer um curso rápido de danças de salão – um antigo desejo de minha senhora. Então a tela do computador tremeu, o quadro atrás da tela também, minha bunda chacoalhou sobre a poltrona, a poltrona deslizou uns dois centímetros sobre a crosta terrester, a crosta sambou sobre a enorme camada de gelatina, também conhecida como magma, com a qual Deus imprudentemente recheou a Terra e pensei: danou-se. Enquanto corria para baixo do batente da porta -- precaução aprendida num desses documentários da TV e que jamais achei que me fosse ser útil, pelo menos não aqui nas Perdizes – pensei nas duas hipóteses mais prováveis: terremoto ou loucura. Contemplando o lustre a tremelicar no teto, torci egoisticamente pela primeira opção. Afinal, se o céu finalmente caísse sobre nossas cabeças, como temia Obelix, eu não estaria só em meu sofrimento. (Desculpem, camaradas, mas foi assim mesmo). A idéia de um terremoto no Brasil é tão absurda que logo abriu uma fenda no centro de meu bom senso, fazendo-me considerar outras possibilidades não menos estranhas. Geroge Bush apertou o botão vermelho, sem querer, iniciando a guerra atômica? Os marcianos estão atacando? (O tremor seria, provavelmente, causado pelo pouso da nave mãe no Memorial da América Latina). Deus, conforme prometido, havia iniciado o juízo final? Depois de mais ou menos cinco segundos, quando eu já havia me conformado com o fim do mundo e até encontrado algum consolo ao perceber que, se tudo acabasse, ao menos estaria livre de fazer o imposto de renda, o chão voltou a se comportar como antes. Peguei uma coca-zero, sentei-me novamente sobre a poltrona e o terremoto apareceu na internet, embaixo da manchete sobre as noventa e duas mortes causadas por dengue no Rio de Janeiro e acima do padre que saiu voando, agarrado a umas bexigas, na costa de Santa Catarina. A vida seguia seu rumo, como sempre, na mais perfeita normalidade.

Contraponto ao Bazar

O jornalista Gustavo Chacra me mandou o texto abaixo. Foi publicado na revista Atlantic e é o exato antípoda do meu Bazar & Casar.

A idéia da mulher é mais ou menos a seguinte: eu adoraria encontrar um grande amor, com quem me desse bem na cama, na mesa e no banho, casasse e fosse feliz para sempre. Acontece que a chance de isso acontecer é muito pequena e, se você ficar muito crica na escolha, vai acabar sozinha. Portanto, minha amiga, se aparecer um cara jeitoso e agradável, agarra firme, mesmo que o chão não trema, casai e multiplicai-vos.

Depois de lê-lo, fiquei me achando meio ingênuo. É muito fácil cagar regra sobre o que as mulheres devem fazer quando se é homem e acabou de entrar nos 30 anos...
Vale a pena ler.

Marry Him!

BY LORI GOTTLIEB



About six months after my son was born, he and I were sitting on a blanket at the park with a close friend and her daughter. It was a sunny summer weekend, and other parents and their kids picnicked nearby—mothers munching berries and lounging on the grass, fathers tossing balls with their giddy toddlers. My friend and I, who, in fits of self-empowerment, had conceived our babies with donor sperm because we hadn't met Mr. Right yet, surveyed the idyllic scene.

"Ah, this is the dream," I said, and we nodded in silence for a minute, then burst out laughing. In some ways, I meant it: we'd both dreamed of motherhood, and here we were, picnicking in the park with our children. But it was also decidedly notthe dream. The dream, like that of our mothers and their mothers from time immemorial, was to fall in love, get married, and live happily ever after. Of course, we'd be loath to admit it in this day and age, but ask any soul-baring 40-year-old single heterosexual woman what she most longs for in life, and she probably won't tell you it's a better career or a smaller waistline or a bigger apartment. Most likely, she'll say that what she really wants is a husband (and, by extension, a child).
To the outside world, of course, we still call ourselves feminists and insist—vehemently, even—that we're independent and self-sufficient and don't believe in any of that damsel-in-distress stuff, but in reality, we aren't fish who can do without a bicycle, we're women who want a traditional family. And despite growing up in an era when the centuries-old mantra to get married young was finally (and, it seemed, refreshingly) replaced by encouragement to postpone that milestone in pursuit of high ideals (education! career! but also true love!), every woman I know—no matter how successful and ambitious, how financially and emotionally secure—feels panic, occasionally coupled with desperation, if she hits 30 and finds herself unmarried.
Oh, I know—I'm guessing there are single 30-year-old women reading this right now who will be writing letters to the editor to say that the women I know aren't widely representative, that I've been co-opted by the cult of the feminist backlash, and basically, that I have no idea what I'm talking about. And all I can say is, if you say you're not worried, either you're in denial or you're lying. In fact, take a good look in the mirror and try to convince yourself that you're not worried, because you'll see how silly your face looks when you're being disingenuous.
Whether you acknowledge it or not, there's good reason to worry. By the time 35th-birthday-brunch celebrations roll around for still-single women, serious, irreversible life issues masquerading as "jokes" creep into public conversation: Well, I don't feel old, but my eggs sure do! or Maybe this year I'll marry Todd. I'm not getting any younger! The birthday girl smiles a bit too widely as she delivers these lines, and everyone laughs a little too hard for a little too long, not because we find these sentiments funny, but because we're awkwardly acknowledging how unfunny they are. At their core, they pose one of the most complicated, painful, and pervasive dilemmas many single women are forced to grapple with nowadays: Is it better to be alone, or to settle?
My advice is this: Settle! That's right. Don't worry about passion or intense connection. Don't nix a guy based on his annoying habit of yelling "Bravo!" in movie theaters. Overlook his halitosis or abysmal sense of aesthetics. Because if you want to have the infrastructure in place to have a family, settling is the way to go. Based on my observations, in fact, settling will probably make you happier in the long run, since many of those who marry with great expectations become more disillusioned with each passing year. (It's hard to maintain that level of zing when the conversation morphs into discussions about who's changing the diapers or balancing the checkbook.)
Obviously, I wasn't always an advocate of settling. In fact, it took not settling to make me realize that settling is the better option, and even though settling is a rampant phenomenon, talking about it in a positive light makes people profoundly uncomfortable. Whenever I make the case for settling, people look at me with creased brows of disapproval or frowns of disappointment, the way a child might look at an older sibling who just informed her that Jerry's Kids aren't going to walk, even if you send them money. It's not only politically incorrect to get behind settling, it's downright un-American. Our culture tells us to keep our eyes on the prize (while our mothers, who know better, tell us not to be so picky), and the theme of holding out for true love (whatever that is—look at the divorce rate) permeates our collective mentality.
Even situation comedies, starting in the 1970s with The Mary Tyler Moore Show and going all the way to Friends, feature endearing single women in the dating trenches, and there's supposed to be something romantic and even heroic about their search for true love. Of course, the crucial difference is that, whereas the earlier series begins after Mary has been jilted by her fiancé, the more modern-day Friends opens as Rachel Green leaves her nice-guy orthodontist fiancé at the altar simply because she isn't feeling it. But either way, in episode after episode, as both women continue to be unlucky in love, settling starts to look pretty darn appealing. Mary is supposed to be contentedly independent and fulfilled by her newsroom family, but in fact her life seems lonely. Are we to assume that at the end of the series, Mary, by then in her late 30s, found her soul mate after the lights in the newsroom went out and her work family was disbanded? If her experience was anything like mine or that of my single friends, it's unlikely.
And while Rachel and her supposed soul mate, Ross, finally get together (for the umpteenth time) in the finale of Friends, do we feel confident that she'll be happier with Ross than she would have been had she settled down with Barry, the orthodontist, 10 years earlier? She and Ross have passion but have never had long-term stability, and the fireworks she experiences with him but not with Barry might actually turn out to be a liability, given how many times their relationship has already gone up in flames. It's equally questionable whether Sex and the City's Carrie Bradshaw, who cheated on her kindhearted and generous boyfriend, Aidan, only to end up with the more exciting but self-absorbed Mr. Big, will be better off in the framework of marriage and family. (Some time after the breakup, when Carrie ran into Aidan on the street, he was carrying his infant in a Baby Björn. Can anyone imagine Mr. Big walking around with a Björn?)
When we're holding out for deep romantic love, we have the fantasy that this level of passionate intensity will make us happier. But marrying Mr. Good Enough might be an equally viable option, especially if you're looking for a stable, reliable life companion. Madame Bovary might not see it that way, but if she'd remained single, I'll bet she would have been even more depressed than she was while living with her tedious but caring husband.
What I didn't realize when I decided, in my 30s, to break up with boyfriends I might otherwise have ended up marrying, is that while settling seems like an enormous act of resignation when you're looking at it from the vantage point of a single person, once you take the plunge and do it, you'll probably be relatively content. It sounds obvious now, but I didn't fully appreciate back then that what makes for a good marriage isn't necessarily what makes for a good romantic relationship. Once you're married, it's not about whom you want to go on vacation with; it's about whom you want to run a household with. Marriage isn't a passion-fest; it's more like a partnership formed to run a very small, mundane, and often boring nonprofit business. And I mean this in a good way.
I don't mean to say that settling is ideal. I'm simply saying that it might have gotten an undeservedly bad rap. As the only single woman in my son's mommy-and-me group, I used to listen each week to a litany of unrelenting complaints about people's husbands and feel pretty good about my decision to hold out for the right guy, only to realize that these women wouldn't trade places with me for a second, no matter how dull their marriages might be or how desperately they might long for a different husband. They, like me, would rather feel alone in a marriage than actually be alone, because they, like me, realize that marriage ultimately isn't about cosmic connection—it's about how having a teammate, even if he's not the love of your life, is better than not having one at all.
The couples my friend and I saw at the park that summer were enviable but not because they seemed so in love—they were enviable because the husbands played with the kids for 20 minutes so their wives could eat lunch. In practice, my married friends with kids don't spend that much time with their husbands anyway (between work and child care), and in many cases, their biggest complaint seems to be that they never see each other. So if you rarely see your husband—but he's a decent guy who takes out the trash and sets up the baby gear, and he provides a second income that allows you to spend time with your child instead of working 60 hours a week to support a family on your own—how much does it matter whether the guy you marry is The One?
It's not that I've become jaded to the point that I don't believe in, or even crave, romantic connection. It's that my understanding of it has changed. In my formative years, romance was John Cusack and Ione Skye in Say Anything. But when I think about marriage nowadays, my role models are the television characters Will and Grace, who, though Will was gay and his relationship with Grace was platonic, were one of the most romantic couples I can think of. What I long for in a marriage is that sense of having a partner in crime. Someone who knows your day-to-day trivia. Someone who both calls you on your bullshit and puts up with your quirks. So what if Will and Grace weren't having sex with each other? How many long- married couples are having much sex anyway?
"I just want someone who's willing to be in the trenches with me," my single friend Jennifer told me, "and I never thought of marriage that way before." Two of Jennifer's friends married men who Jennifer believes aren't even straight, and while Jennifer wouldn't have made that choice a few years back, she wonders whether she might be capable of it in the future. "Maybe they understood something that I didn't," she said.
What they understood is this: as your priorities change from romance to family, the so-called "deal breakers" change. Some guys aren't worldly, but they'd make great dads. Or you walk into a room and start talking to this person who is 5'4" and has an unfortunate nose, but he "gets" you. My long-married friend Renée offered this dating advice to me in an e-mail:
I would say even if he's not the love of your life, make sure he's someone you respect intellectually, makes you laugh, appreciates you … I bet there are plenty of these men in the older, overweight, and bald category (which they all eventually become anyway).
She wasn't joking.
A number of my single women friends admit (in hushed voices and after I swear I won't use their real names here) that they'd readily settle now but wouldn't have 10 years ago. They believe that part of the problem is that we grew up idealizing marriage—and that if we'd had a more realistic understanding of its cold, hard benefits, we might have done things differently. Instead, we grew up thinking that marriage meant feeling some kind of divine spark, and so we walked away from uninspiring relationships that might have made us happy in the context of a family.
All marriages, of course, involve compromise, but where's the cutoff? Where's the line between compromising and settling, and at what age does that line seem to fade away? Choosing to spend your life with a guy who doesn't delight in the small things in life might be considered settling at 30, but not at 35. By 40, if you get a cold shiver down your spine at the thought of embracing a certain guy, but you enjoy his company more than anyone else's, is that settling or making an adult compromise?
Take the date I went on last night. The guy was substantially older. He had a long history of major depression and said, in reference to the movies he was writing, "I'm fascinated by comas" and "I have a strong interest in terrorists." He'd never been married. He was rude to the waiter. But he very much wanted a family, and he was successful, handsome, and smart. As I looked at him from across the table, I thought, Yeah, I'll see him again. Maybe I can settle for that. But my very next thought was, Maybe I can settle for better. It's like musical chairs—when do you take a seat, any seat, just so you're not left standing alone?
Back when I was still convinced I'd find my soul mate, I did, although I never articulated this, have certain requirements. I thought that the person I married would have to have a sense of wonderment about the world, would be both spontaneous and grounded, and would acknowledge that life is hard but also be able to navigate its ups and downs with humor. Many of the guys I dated possessed these qualities, but if one of them lacked a certain degree of kindness, another didn't seem emotionally stable enough, and another's values clashed with mine. Others were sweet but so boring that I preferred reading during dinner to sitting through another tedious conversation. I also dated someone who appeared to be highly compatible with me—we had much in common, and strong physical chemistry—but while our sensibilities were similar, they proved to be a half-note off, so we never quite felt in harmony, or never viewed the world through quite the same lens.
Now, though, I realize that if I don't want to be alone for the rest of my life, I'm at the age where I'll likely need to settle for someone who is settling for me. What I and many women who hold out for true love forget is that we won't always have the same appeal that we may have had in our 20s and early 30s. Having turned 40, I now have wrinkles, bags under my eyes, and hair in places I didn't know hair could grow on women. With my nonworking life consumed by thoughts of potty training and playdates, I've become a far less interesting person than the one who went on hiking adventures and performed at comedy clubs. But when I chose to have a baby on my own, the plan was that I would continue to search for true connection afterward; it certainly wasn't that I would have a baby alone only to settle later. After all, wouldn't it have been wiser to settle for a higher caliber of "not Mr. Right" while my marital value was at its peak?
Those of us who choose not to settle in hopes of finding a soul mate later are almost like teenagers who believe they're invulnerable to dying in a drunk-driving accident. We lose sight of our mortality. We forget that we, too, will age and become less alluring. And even if some men do find us engaging, and they're ready to have a family, they'll likely decide to marry someone younger with whom they can have their own biological children. Which is all the more reason to settle before settling is no longer an option.
I'll be the first to admit that there's something objectionable about making the case for settling, because it's based on the premise that women's biological clocks place them at the mercy of men, and that therefore a power dynamic dictates what should be an affair solely of the heart (not the heart and the ovaries). But I'm not the only woman who accepts settling as a valid choice—apparently so do the millions who buy bestselling relationship books that advocate settling but that, so as not to offend, simply spin the concept as a form of female empowerment.
Take, for instance, books like Men Are Like Fish: What Every Woman Needs to Know About Catching a Man or Find a Husband After 35 Using What I Learned at Harvard Business School, whose titles alone make it clear that today's supposedly progressive bachelorettes aren't waiting for old-fashioned true love to strike before they can get married. Instead, they're buying dozens of proactive coaching manuals to learn how to strategically land a man. The actual man in question, though, seems so irrelevant that, to my mind, these women might as well grab a well-dressed guy off the street, drag him into the nearest bar, buy him a drink, and ask him to marry her. (Or, to retain her "power," she should manipulatehim into asking her.)
The approaches in these books may differ, but the message is the same: more important than love is marriage. To achieve that goal, women across the country are poring over guidebooks that all boil down to determining, "Does he like me?," while completely overlooking the equally essential question, "Do I like him?" In other words, whatever compromises you have to make—including, but not limited to, pretending to be or actually becoming an entirely different person—make sure that you get some schmo to propose to you before you turn into a spinster.
Last year's Why Smart Men Marry Smart Women makes the most blatant case for settling: if women were more willing to "think outside the box," as one of the book's married sources advises, many of them would be married. The author then trots out tales of professional, accomplished women happily dating a plumber, a park ranger, and an Army helicopter nurse. The moral is supposed to be "Don't be too picky" but many of the anecdotes quote women who seem to be trying to convince not just the reader, but themselves, that they haven't settled.
"I should be with some guy with a vast vocabulary who is very smart," said Heather, a 30-year-old lawyer turned journalist. Instead, she's dating an actor who didn't finish college. "My boyfriend is fun, he's smart, but he hasn't gone through years of school. He wanted to pursue acting. And you can tell—he doesn't have that background, and it never ever once bothered me. But for everyone else, [his lack of education] is what they see." Another woman says she dates "the 'secrets' … guys other women don't recognize as great." How's that for damning praise?
Meanwhile, in sugarcoating this message, the authors often resort to flattery, telling the reader to remember how fabulous, attractive, charming, and intelligent she is, in the hopes that she'll project a more confident vibe on dates. In my case, though, the flattery backfired. I read these books thinking, Wait, if I'm such a great catch, why should I settle for anyone less than my equal? If I'm so fabulous, don't I deserve true romantic connection?
Only one popular book that I can think of in the vast "find a man" genre (like most single women confounded by their singleness, I'm embarrassingly well versed) takes the opposite approach. In He's Just Not That Into You, written by the happily married Greg Behrendt and the unhappily single Liz Tuccillo, the duo exhorts women not to settle. But the book's format is telling: Behrendt gives perky pep talks to women unable to find a worthy match, while Tuccillo repeatedly comments on how hard it is to take her co-author's advice, because while being with a partner who is "beneath you" (Behrendt's term) is problematic, being single just plain "sucks" (Tuccillo's term).
Before I got pregnant, though, I also read single-mom books such as Choosing Single Motherhood: The Thinking Woman's Guide, whose chapter titles "Can I Afford It?" and "Dealing With the Stress" seemed like realistic antidotes to the faux-empowering man-hunting manual headings like "A Little Lingerie Can Go a Long Way." But the book's author, Mikki Morrissette, held out a tantalizing carrot. In her introduction, she describes having a daughter on her own; then, she writes, a few years later and five months pregnant with her son, "I met a guy I fell in love with. He and my daughter were in the delivery room when my son was born in January 2004." Each time I read about single women having babies on their own and thriving instead of settling for Mr. Wrong and hiring a divorce lawyer, I felt all jazzed and ready to go. At the time, I truly believed, "I can have it all—a baby now, my soul mate later!"
Well … ha! Hahahaha. And ha.
Just as the relationship books fail to mention what happens after you triumphantly land a husband (you actually have to live with each other), these single-mom books fail to mention that once you have a baby alone, not only do you age about 10 years in the first 10 months, but if you don't have time to shower, eat, urinate in a timely manner, or even leave the house except for work, where you spend every waking moment that your child is at day care, there's very little chance that a man—much less The One—is going to knock on your door and join that party.
They also gloss over the cost of dating as a single mom: the time and money spent on online dating (because there are no single men at toddler birthday parties); the babysitter tab for all those boring blind dates; and, most frustrating, hours spent away from your beloved child. Even women who settle but end up divorced might be in a better position than those of us who became mothers on our own, because many ex-wives get both child-support payments and a free night off when the kids go to Dad's house for a sleepover. Never-married moms don't get the night off. At the end of the evening, we rush home to pay the babysitter, make any houseguest tiptoe around and speak in a hushed voice, then wake up at 6 a.m. at the first cries of "Mommy!"
Try bringing a guy home to that.
Settling is mostly a women's game. Men settle far less often and, when they do, they don't seem the least bit bothered by the fact that they're settling.
My friend Alan, for instance, justified his choice of a "bland" wife who's a good mom but with whom he shares little connection this way: "I think one-stop shopping is overrated. I get passion at my office with my work, or with my friends that I sometimes call or chat with—it's not the same, and, boy, it would be exciting to have it with my spouse. But I spend more time with people at my office than I do with my spouse."
Then there's my friend Chris, a single 35-year-old marketing consultant who for three years dated someone he calls "the perfect woman"—a kind and beautiful surgeon. She broke off the relationship several times because, she told him with regret, she didn't think she wanted to spend her life with him. Each time, Chris would persuade her to reconsider, until finally she called it off for good, saying that she just couldn't marry somebody she wasn't in love with. Chris was devastated, but now that his ex-girlfriend has reached 35, he's suddenly hopeful about their future.
"By the time she turns 37," Chris said confidently, "she'll come back. And I'll bet she'll marry me then. I know she wants to have kids." I asked Chris why he would want to be with a woman who wasn't in love with him. Wouldn't he be settling, too, by marrying someone who would be using him to have a family? Chris didn't see it that way at all. "She'll be settling," Chris said cheerfully. "But not me. I get to marry the woman of my dreams. That's not settling. That's the fantasy."
Chris believes that women are far too picky: everyone knows, he says, that a single middle-aged man still has appealing prospects; a single middle-aged woman likely doesn't. And he's right. Single women are painfully aware of this. I hear far more women than men talk about getting married as a goal to be met by a certain deadline. My friend Gabe points out that this allows men to be the true romantics; when a man breaks up with a perfectly acceptable woman because he's "just not feeling it," there's none of the ambivalence a woman with a deadline feels. "Women are the least romantic," Gabe said. "They think, 'I can do that.' For a lot of women, it becomes less about love and more about what they can live with."
Not long ago, Gabe, who is 43, dated a woman he liked very much one-on-one, but he broke up with her because "she couldn't be haimish"—comfortable—with his friends in a group setting. He has no regrets. A female friend who broke up with a guy because he "didn't like to read" and who is now, too, a single mom (with, ironically, no time to read herself) similarly felt no regrets—at first. At the time, she couldn't imagine settling, but here's the Catch-22: "If I'd settled at 39," she said, "I always would have had the fantasy that something better exists out there. Now I know better. Either way, I was screwed."
The paradox, of course, is that the more it behooves a woman to settle, the less willing she is to settle; a woman in her mid- to late 30s is more discriminating than one in her 20s. She has friends who have known her since childhood, friends who will know her more intimately and understand her more viscerally than any man she meets in midlife. Her tastes and sense of self are more solidly formed. She says things like "He wants me to move downtown, but I love my home at the beach," and, "But he's just not curious," and "Can I really spend my life with someone who's allergic to dogs?"
I've been told that the reason so many women end up alone is that we have too many choices. I think it's the opposite: we have no choice. If we could choose, we'd choose to be in a healthy marriage based on reciprocal passion and friendship. But the only choices on the table, it sometimes seems, are settle or risk being alone forever.That's not a whole lot of choice.
Remember the movie Broadcast News? Holly Hunter's dilemma—the choice between passion and friendship—is exactly the one many women over 30 are faced with. In the end, Holly Hunter's character decides to wait for the right guy, but he (of course) never materializes. Meanwhile, her emotional soul mate, the Albert Brooks character, gets married (of course) and has children.
And no matter what women decide—settle or don't settle—there's a price to be paid, because there's always going to be regret. Unless you meet the man of your dreams (who, by the way, doesn't exist, precisely because you dreamed him up), there's going to be a downside to getting married, but a possibly more profound downside to holding out for someone better.
My friend Jennifer summed it up this way: "When I used to hear women complaining bitterly about their husbands, I'd think, 'How sad, they settled.' Now it's like, 'God, that would be nice.'"
That's why mothers tell their daughters to "keep an open mind" about the guy who spends his weekends playing Internet poker or touches your back for two minutes while watching ESPN and calls that "a massage." The more-pertinent questions, to most concerned mothers of daughters in their 30s, have to do with whether the daughter's boyfriend will make a good father; or, if he's a workaholic, whether he can provide the environment for her to be a good mother. As my own mother once advised me, when I was dating a musician, "Everyone settles to some degree. You might as well settle pragmatically."
Iknow all this now, and yet—here's the problem—much as I'd like to settle, I can't seem to do it. It's not that I have to be dazzled by a guy anymore (though it would be nice). It's not even that I have to think about him when he's not around (though that would be nice, too). Nor is it that I'm unable to accept reality and make significant compromises because that's what grown-ups do (I can and have—I had a baby on my own).
No, the problem is that the very nature of dating leaves women my age to wrestle with a completely different level of settling. It's no longer a matter, as it was in my early 30s, of "just not feeling it," of wanting to be in love. Consider the men whom older women I know have married in varying degrees of desperation over the past few years: a recovering alcoholic who doesn't always go to his meetings; a trying-to-make-it-in-his-40s actor; a widower who has three nightmarish kids and who's still actively grieving for his dead wife; and a socially awkward engineer (so socially awkward that he declined to attend his wife's book party). It's not that these women are crazy; it's that the dating pool has dwindled dramatically and that, due to gender politics, the few available men tend to require far more of a concession than those who were single when we were younger. And while I have a much higher tolerance for settling than I did back then, now I have my son to consider. It's one thing to settle for a subpar mate; it's quite another to settle for a subpar father figure for my child. So while there's more incentive to settle now, there's less willingness to settle too much, because that would be a disservice to my son.
This doesn't undermine my case for settling. Instead, it supports my argument to do it young, when settling involves constructing a family environment with a perfectly acceptable man who may not trip your romantic trigger—as opposed to doing it older, when settling involves selling your very soul in exchange for damaged goods. Admittedly, it's a dicey case to make because, like the divorced women I know who claim they wouldn't have done anything differently, because then they wouldn't have Biff and Buffy, I, too, can't imagine life without my magical son. (Although, had I had children with a Mr. Good Enough, wouldn't I be as hopelessly in love with those children, too?) I also acknowledge the power of the grass-is-always-greener phenomenon, and allow for the possibility that my life alone is better (if far more difficult) than the life I would have in a comfortable but tepid marriage.
But then my married friends say things like, "Oh, you're so lucky, you don't have to negotiate with your husband about the cost of piano lessons" or "You're so lucky, you don't have anyone putting the kid in front of the TV and you can raise your son the way you want." I'll even hear things like, "You're so lucky, you don't have to have sex with someone you don't want to."
The lists go on, and each time, I say, "OK, if you're so unhappy, and if I'm so lucky, leave your husband! In fact, send him over here!"
Not one person has taken me up on this offer.

Friday, April 4, 2008

A casa do cara

(Publicado no Guia do Estadão)

A casa do cara era uma palmeira, no meio da calçada, ali no Pacaembu. Começou com um plástico amarrado ao tronco, mais nada. Bauhaus total, diria Caetano, se por ali passasse, em 1974 -- mas Caetano não passava: passávamos nós, motoristas de 2007, e recebíamos um olhar de reprovação, caso reparássemos muito. Tá certo: onde já se viu ficar assim, espiando a intimidade dos outros?
Um tempo depois, o cara colocou umas estacas do lado de lá e a coisa foi virando uma tendinha, como as que eu fazia quando era criança – mas ele não era criança. Ficava lendo um jornal, com uma naturalidade que era bater o olho e pensar: aí é a casa do cara.
Não era mendigo. Era bem vestido, limpo. Uma vez, um taxista me disse que na verdade o cara era rico e morava em Higienópolis, mas como era desses taxistas que acham que todo mendigo é rico e tá ali só para encher nosso saco, não acreditei.
Algumas semanas depois, o Bauhaus tinha tomado ares de Família Robinson. A casa era um caixote de uns dois metros de comprimento por um de largura, bem vedadinha. Até parecia um desses hotéis casulo de japonês – mas ele não era japonês.
Eu gostava de ver as melhorias. “Olha lá, ele fechou um lado com madeira”. “Plástico preto em cima, bom, deve proteger do sol”. O pé direito era baixo, é verdade, mas do jeito que estão esses apartamentos novos, o cara não estava muito pior do que nós, não.
Um dia, parei no farol, fui dar minha bisolhada e... cadê? Levaram a casa do cara, e o cara junto! “Tem abrigo pra sem teto” – dizem -- “eles não vão porque não querem”. Tá certo. Ele não devia mesmo querer. Tinha uma casa, pombas!, porque iria dormir com um monte de desconhecido, enrolado naqueles cobertores de proteger cristaleira em mudança, que parecem feitos da sujeira acumulada embaixo da cama?
Uma semana depois, na mesma praça, no mesmo jardim, lá estava ele, sob o plastiquinho, lendo sobre sinfonias, palestinos e MPs, de cabeça erguida, como quem diz: “no pasarán!”. Eu passava.
Derrubaram a casa do cara umas dez vezes, dez vezes ele reconstruiu, biblicamente. Até que, meses atrás, sumiu de vez. Talvez esteja num abrigo, embrulhado no cobertor de poeira. Quem sabe em Higienópolis, lendo Wall Street Journal com os outros mendigos de nossa grande cidade. Sei lá. Só sei é que toda vez que passo ali, vejo a sombra da palmeira na calçada e penso: aí era a casa do cara.

Monday, March 31, 2008

DESPEDIDA

(última coluna para a revista Capricho)

Não são vocês. Juro. Vocês são o máximo. Eu é que... Não, não vou me culpar, não vou dizer que “sou um idiota” ou “não sei o que está acontecendo”. Eu sou legal, vocês também e está tudo certo: é que tem uma hora que as coisas acabam. Ou continuam, só por preguiça ou falta de coragem de darmos um fim a elas, até irem murchando, embolorando. E isso eu não quero, nem vocês, certo?
Eu comecei aqui em 2001. Era um moleque de 23 anos, que ainda estranhava ter saído da escola, ter que ganhar a vida e pendurar os próprios quadros na parede. Não tinha me acostumado com o fato de que -- como escrevi numa das primeiras crônicas -- “se fizesse alguma coisa muito errada, iria para a cadeia, não para a sala do diretor”. Eu era um espião do lado de lá do terceiro colegial, dando (e procurando) uma piscadela cúmplice: ei, esses adultos são muito estranhos, né?
Durante todo esse tempo, eu disse tudo o que sabia (e o que não sabia, também) sobre escola, pais, primeira vez, namoros, drogas, anorexia e o sentido da vida. Opinei, com a maior cara de pau, sobre Deus e o mundo. Acontece que agora já estou com os dois pés fincados em território inimigo: tenho uns fios de barba brancos e -- confesso, envergonhado -- um multi-processador, não faço a menor idéia de quem seja Amy Winehouse e preocupa-me muito mais saber como vou criar meus filhos do que a relação com meus pais, entendem?
Vocês não sabem o quanto aprendi com vocês. Sério, não é demagogia de despedida. Para escrever aqui, semana sim, semana não, por sete anos, fui obrigado a olhar para trás, para frente, para os lados e, principalmente, para dentro. Escrevendo o Estive Pensando eu me tornei cronista e, de certa forma, adulto.
Sabe o que? Acho que pra vocês também vai ser muito legal. Nunca mais vão ter que me ouvir reclamando da adolescência, falando que o amor é lindo e a vida, apesar de difícil, é bela. Vão conhecer pessoas novas, descobrir maneiras diferentes de usar as frases e as crases, construir parágrafos e discursos, terão outros pontos de vista e pontos finais. Vão viver coisas que não viveriam, se continuassem comigo.
Quando começamos, éramos todos muito novos. Nós crescemos juntos, aprendemos juntos e nos entregamos, inteiros, por bastante tempo. Agora é hora de irmos cada um pra um lado, com os corações abertos e tentarmos ser felizes – não para sempre, porque isso não existe, mas sempre que possível. Muito obrigado por tudo. Mesmo.

Thursday, March 13, 2008

Bazar & casar: pegar ou largar

(publicado na Vogue)

“Olha o vestidinho wrap dress de jersey, galera! O vestidinho caiu de cem para oitenta e quatro e noventa!” – anunciava o locutor, com aquela animação de FM, no bazar de uma grife famosa. “Oitenta e quatro e noventa! Não dá pra perder, é pegar ou largar!”, ele insistia, e eu, que estava ali só para comprar uma calça jeans, que nem sabia que bazar tinha locutor ou o que diabos seria o tal wrap dress de jersey, me peguei andando, aflito, em direção à arara no fundo do galpão, com medo de estar perdendo aquela incrível oportunidade de compra.
Parei a uns dois metros da balbúrdia, assustado: uma dúzia de mulheres ofegantes arrancava os vestidos das araras e os viravam do avesso, atrás das etiquetas, como se encontrar a letra certa -- P, M ou G – lhes fosse abrir as portas do paraíso. Eu não sabia que esse negócio de bazar era tão sério.
Enquanto esperava na fila do caixa -- minha calça jeans pendurada no braço direito, como o pano de prato de um garçom -- me dei conta de que a cena dos vestidos não existia isolada, era uma dessas metonímias que a vida nos apresenta, pequenas amostras com as quais, fazendo uma simples regra de três, conseguimos vislumbrar o X de alguma questão superior. Pois se a balbúrdia dos vestidinhos – “caiu pra R$ 59,90! Loucuuura!” -- pouco me iluminou sobre os mistérios do wrap dress de jersey, acabou sendo muito elucidativa sobre o comportamento de uma parcela das mulheres da minha geração: as moças estão em busca de maridos com a ansiedade furiosa das compradoras do bazar. Mal encontram um homem solteiro, mais ou menos do tamanho e modelo que procuravam, já vão logo olhando a etiqueta, querendo saber se o tecido é de qualidade, se não vai desbotar assim que lavar ou soltar a costura no primeiro aperto.
O que faz com que, dos vinte e cinco para cima, as mulheres olhem os homens encostados no balcão do bar (ou da ponte-aérea, ou da Casa do Pão de Queijo, ou da, ou da, ou da...) como se fossem as últimas peças disponíveis na arara? E por que, mal disseram olá, elas já pensam se ele preferiria um labrador ou um border collie na casa que construirão juntos, depois do nascimento do segundo filho (uma menina)?
Em minhas imprecisas pesquisas, os hormônios aparecem como os maiores vilões, acusados de ser tão impertinentes quanto o cara do microfone, a gritar “os óvulos estão acabando! Os óvulos estão acabando!” nos ouvidos das pobres moças em flor. Minhas caras, culpem o tempo em seu devido tempo. Quem tem trinta anos hoje ainda tem óvulo pra dedéu. Não é preciso correr entre uma arara e outra, nem sofrer quando souber que uma boa peça, que estava dando sopa por aí, caiu nas mãos da concorrência. Mesmo porque, com os avanços da medicina, tem muita mulher com idade para ser avó dando entrada na maternidade.
Se a necessidade biológica não é a força motriz da ansiedade casadoira, o que seria? Carência, pura e simples, aparece em segundo lugar em minhas enquetes. As mulheres consultadas dizem ter síndrome de abstinência, às vezes com delirium tremens se, na tríade dominical DVD-Pipoca-Namorado, o terceiro elemento falta por mais de quatro semanas. Será que é isso? O medo de ficarem sozinhas as lança atrás de um projeto de longo prazo, envolvendo damas de honra, FGTS, babás no fim de semana, contrato judicial e idas freqüentes à Alô bebê?
Curioso é que essas mulheres são as filhas de 68, das mães que queimaram soutiens e de peito aberto, literalmente, foram atrás de suas independências. Então as meninas que nasceram supostamente libertas dos grilhões da falocracia chegam à maioridade e, em vez de se ajoelharem diante de uma foto de Simone de Beauvoir, acendem velas para Branca de Neve?
Não estou falando do desejo de se apaixonar, de viver uma história arrebatadora, de ter as pernas trêmulas e a voz gaga quando o cara surge. O que vejo, no fundo dos olhos de algumas mulheres, é muito mais o desejo de encontrar alguém para dividir um título familiar do Clube Pinheiros do que para tomar champanhe em Paris, e acho isso triste. Porque o título familiar, as idas à Alô bebê e a união dos FGTSs para comprarem uma casa juntos, onde crianças aprenderão a andar embaixo de uma jabuticabeira e ganharão um cachorrinho (labrador ou border collie?) só pode dar certo – na visão desse ignorante, que nem sabe o que é um vestidinho wrap dress de jersei, que também quer ser feliz com uma mulher e sofre quando está sozinho, não só aos domingos – se for a conseqüência inevitável do amor arrebatador, das pernas trêmulas, do desejo incontrolável e recorrente de tomar champanhe em Paris. (Ou Kaiser quente em Jundiaí, que seja, desde que com ele, desde que com ela).
O amor e o tesão são forças por demais poderosas – e, no entanto, delicadas – para serem trocadas pela serenidade de uma jabuticabeira. Viva Dionísio! Abaixo a planilha Excel! Eu vejo por aí os casais precocemente infelizes, que nasceram da fuga da solidão, e quase não acredito. Quando tivermos netos poderemos aceitar que o companheirismo tenha brotado ali onde antes crescia o desejo. Não agora. Esqueçam o locutor. Não comprem na promoção.

Jadeiltite

(Publicado no Guia do Estadão)

Quando quero criar um personagem estranho, descrevo um dos meus amigos. Quando quero criar um personagem mais estranho, recorro ao Guia de medicina ambulatorial e hospitalar da Unifesp/ Escola Paulista de Medicina -- Psiquiatria; um instrumento que todo escritor deveria ter. Síndromes, transtornos, psicoses, enfim, todos aqueles comportamentos que Nelson Rodrigues chamaria de “taras” ou “manias” aparecem ali, classificados e explicados pelos doutores.
O Guia é farto mas, infelizmente, incompleto. Não há, em suas 256 páginas, uma única menção à Síndrome de Jadeilton. Trata-se da “propensão a submeter-se ao jugo de pequenas autoridades; dificuldade de fazer valer seu ponto de vista em conflitos comezinhos, acarretando grande aflição e arrependimento”. Tanto eu quanto minha namorada – cujo nome não cito, para preserva-la – sofremos desse mal.
A moça em questão vem a ser uma talentosa e indômita jornalista. É capaz de inquirir, com o belo indicador em riste, chefes de Estado e generais, assassinos e empresários -- sua voz não treme, sua mão não sua e a verdade sempre aparece.
Eis que, outro dia, essa Lois Lane brasileira resolve dar uma festa. Lá pelos quarenta do segundo tempo, seu Jadeilton, o zelador, interfona, furioso, reclamando do barulho. Minha amada gelou. Era a síndrome atacando: a opinião que o zelador teria sobre ela era mais importante do que a do presidente da república. Nunca recuperou-se completamente.
Anteontem, levei uma camisa à alfaiataria aqui do bairro. Queria encurta-la. As duas senhorinhas que me receberam, no entanto, tinham planos mais ambiciosos. “Muita informação”, disse uma, desdenhando dos quatro bolsos de minha guayabera -- uma bela camisa caribenha, que García Márquez vestia ao receber o Nobel: um símbolo de nossa latinidad. “Eu tiraria três e ficava só com o da esquerda”, continuou a outra, num ataque orquestrado, visando atingir-me no cerne de minha jadeiltite. Com um fio de voz, tentei dissuadi-las, mas elas já não eram mais duas profissionais me prestando um serviço, eram senhoras do meu destino. Perdi a guayabera, mas não suas simpatias.
Espero que os autores do Guia de medicina incluam, na próxima edição, um capítulo sobre essa covardia das pequenas causas. Não agüento mais as broncas da faxineira, estou indo à falência com os aditivos que os frentistas me sugerem e, acima de tudo, nos esconder-mos de Jadeilton atrás do vaso da portaria está ficando cada dia mais difícil.

Thursday, February 21, 2008

Crônico

(publicado no Guia do Estadão)

O mundo não é sincrônico. Se fosse, como explicar que, nos últimos anos, as escovas de dentes tenham se transformado em algo próximo às naves de Star Wars, enquanto os botijões de gás continuam os mesmos desde muito antes de o homem pisar na lua?
Os extintores de incêndio, as BICs e os cinzeiros que ficam perto do elevador (tanto o cilíndrico quando o quadradinho, com areia), também são herança de outra era, em que uma coisa era uma coisa, outra coisa era outra coisa e todas as coisas continuavam a mesma coisa por pelo menos algum tempo.
Tenho uma simpatia por esses velhuscos. São como aquele japonês encontrado numa ilhota, muitos anos depois de finda a Segunda Guerra, que se recusava a aceitar a rendição do imperador Hiroito. Mas, se o soldado desinformado apareceu em jornais do mundo todo assustado, com uns olhos arregalados de mangá, os cinzeiros, botijões e BICs me parecem ostentar um orgulho nobiliárquico. Como se a BIC, do alto de seu sangue azul, dissesse às escovas, celulares e aparelhos de som: vocês podem estar sob os holofotes, mas passarão e não deixarão memória, enquanto eu continuo aqui, simples e longeva, como as amebas, as bactérias.
Meu apego pela permanência dos objetos não é só estética, mas de ordem prática. Lá pelos vinte anos, meu bisavô entrou numa loja de sapatos e comprou um par. Gostou tanto que voltou à sapataria nas próximas cinco décadas. Foi enterrado com aqueles sapatos.
Faz dois anos, comprei umas cuecas. (Desculpem-me a informação, assim, mundana -- nós nem nos conhecemos --, mas encontrar a cueca ideal é um dos pequenos prazeres da vida e a literatura – oh, a literatura! – não pode dobrar-se ao pudor). Mês passado fui à mesma loja, decidido a refazer o estoque e descobri que não existiam mais. “A cada ano o fabricante muda a coleção, senhor”. Até as cuecas?!
Sabem, eu gosto do mundo. E das coisas dentro do mundo. Apego-me a elas como a um livro, uma praia, uma música. Não quero que otimizem Cem Anos de Solidão, redesenhem Copacabana, remixem Blackbird. Ah, eficiência! Quanta beleza ainda tombará em seu nome?
Os fins não justificam os meios. Os fins, aliás, não existem: só os meios. Afinal: eu, você, os japoneses, as escovas de dentes, os botijões, as BICs e o Bispo de Botucatu voltaremos ao pó de que viemos, provando que, no fim das contas, o mundo talvez seja sincrônico. Eu, definitivamente, é que sou anacrônico.

Friday, February 1, 2008

Empadologia

(do Guia do Estado)

Talvez tenha a ver com a eleição de um operário para presidente. Talvez seja conseqüência do upgrade que os botecos tiveram nos últimos dez anos. Quem sabe, ainda, a causa seja a queda dos juros ou o Bolsa Família. Sei lá. O que importa é que, para minha felicidade, a empada está na moda.
Ela deixou aquele canto engordurado do balcão da padaria, ao lado de torresmos e ovos azuis, para cair na vida: está tanto nos lugares da moda, como o Sabiá – novo bar da Vila Madalena, onde saem em fornadas e são trazidas às mesas ainda fumegantes, nas mãos do simpaticíssimo Luis – quanto nas cadeias de fast-food. Só aqui no bairro tem duas: o Rancho da Empada e a Empada Brasil, que entregam em casa um produto de excelente qualidade. Eu fico feliz, não só porque gosto dessa mini-granada de colesterol, mas porque intuo que ela traga oculta, em meio aos camarões, algo além da bem-vinda azeitona.
Com a queda do muro de Berlim, a democracia liberal e a Colgate se espalharam pelos quatro cantos do mundo (a Colgate com muito mais eficiência, evidentemente) e falou-se bastante no fim das identidades locais. Como se, com a abertura dos mercados, tudo aquilo que fazia de nós, brasileiros, estivesse fadado ao desaparecimento, ou, quem sabe, condenado a reduzir-se a um novo sanduíche do McDonald’s – McSamba?
Oswald de Andrade, num poema chamado Erro de português, diz: “Quando o português chegou/ Debaixo de uma bruta chuva/ Vestiu o índio/ Que pena!/ Fosse uma manhã de sol/ O índio tinha despido o português”.
Sei que anda um pouco fora de moda acreditar em Antropofagia. Aliás, anda fora de moda acreditar em qualquer coisa, nesse mundo colgático-democrático, mas talvez a empada -- que até outro dia também era démodé – seja um raio de sol na manhã oswaldiana. Quem sabe, num possível futuro dominado pelos BRICs (Brasil, Russia, Índia e China), ela será encontrada nos quatro cantos do mundo, quase se desfazendo à cada mordida, encantando a todos com sua poderosa delicadeza?
(Talvez eu tenha me empolgado e recheado o texto com mais significados do que o tema pode comportar, caro leitor. Não peço desculpas. A crônica, como uma boa empada, é assim mesmo: um pequeno exagero).