TEM VISTO O PESSOAL?
(publicada no Estadão)
Reconheci assim que bati o olho: Felipe Francini, 4ª B, usava aparelho com cabresto, tinha cabelo tigela e quebrou os óculos do Júlio Cabeção no último dia de aula. Descontando o cabresto e a mudança do cabelo, agora curto, o Felipe ali sentado na ponta do balcão não era muito diferente daquele de 1987.
Pensei em ir até lá, mas algo me segurou. Dizer o que? “Felipe Francini! 4ª B! Usava aparelho com cabresto, tinha cabelo tigela e quebrou os óculos do Júlio Cabeção no último dia de aula!”? Caso se lembrasse de mim, ele responderia algo na mesma linha: “Antonio Prata, 4ª A! Era goleiro e usava umas calças de moletom com couro no joelho!”.
Ficaríamos nos olhando, os sorrisos minguando ao nos darmos conta de que eu não sou mais goleiro, ele não usa aparelho – quem sabe o Julio Cabeção até operou da miopia – e não há nenhuma relação entre nós, salvo termos freqüentado a mesma escola e, agora, dividirmos o balcão de um bar.
O silêncio advindo dessa melancólica constatação não duraria muito -- nós, brasileiros, somos muito ruins de silêncio -- e seria logo preenchido por “Tem visto o pessoal?”. O outro saberia que a frase era uma fraude, um tampão colocado às pressas para que a breve felicidade do encontro não escoasse pelo ralo. “Uns mais, outros menos...”. “E o Julio Cabeção?”, eu talvez perguntasse, fazendo a indução absurda de que se ele quebrou os óculos do cara, em 1987, saberia de sua vida em 2008. Caso soubesse, no entanto, teríamos um rumo: “Parece que ganhou muito dinheiro e abriu uma pousada em Jericoacoara”. “Jericoacoara”, eu repetiria, com vergonha de emendar com um óbvio “dizem que é lindo”, mas não me ocorrendo nada mais inteligente e ouvindo o tic tac do relógio, renderia-me: “dizem que é lindo”.
Breves currículos desfraldados, ele comentaria que leu alguma coisa minha, alguma vez, em algum lugar, mas não saberia dizer o que, nem onde, nem quando e diria que não pode reclamar da área de recursos humanos. Com algum esforço eu lembraria de alguém que trabalhou na empresa em que ele trabalha, “O Augusto?! Um loiro, gordo? Não acredito!”, ele comemoraria, abriríamos sorrisos novamente, como se termos estudado juntos, nos encontrado no bar e ainda conhecermos o Augusto fosse um sinal inequívoco de que por trás da confusão das aparências só pode haver uma ordem a reger o mundo. Ele me convidaria para sentar, eu diria que estava esperando alguém e voltaria ao meu lugar.
Talvez nos encontremos em 2037, em Araçatuba, comentemos sobre esse dia, no bar e nos perguntemos outra vez sobre os destinos de Júlio Cabeção e do Augusto, um loiro, gordo (será o mesmo?), ou quem sabe morramos sem nunca mais cruzarmos nossos caminhos -- o que pode soar mui filosófico, mas é apenas a mais prosaica das constatações. Que coisa, né?
Reconheci assim que bati o olho: Felipe Francini, 4ª B, usava aparelho com cabresto, tinha cabelo tigela e quebrou os óculos do Júlio Cabeção no último dia de aula. Descontando o cabresto e a mudança do cabelo, agora curto, o Felipe ali sentado na ponta do balcão não era muito diferente daquele de 1987.
Pensei em ir até lá, mas algo me segurou. Dizer o que? “Felipe Francini! 4ª B! Usava aparelho com cabresto, tinha cabelo tigela e quebrou os óculos do Júlio Cabeção no último dia de aula!”? Caso se lembrasse de mim, ele responderia algo na mesma linha: “Antonio Prata, 4ª A! Era goleiro e usava umas calças de moletom com couro no joelho!”.
Ficaríamos nos olhando, os sorrisos minguando ao nos darmos conta de que eu não sou mais goleiro, ele não usa aparelho – quem sabe o Julio Cabeção até operou da miopia – e não há nenhuma relação entre nós, salvo termos freqüentado a mesma escola e, agora, dividirmos o balcão de um bar.
O silêncio advindo dessa melancólica constatação não duraria muito -- nós, brasileiros, somos muito ruins de silêncio -- e seria logo preenchido por “Tem visto o pessoal?”. O outro saberia que a frase era uma fraude, um tampão colocado às pressas para que a breve felicidade do encontro não escoasse pelo ralo. “Uns mais, outros menos...”. “E o Julio Cabeção?”, eu talvez perguntasse, fazendo a indução absurda de que se ele quebrou os óculos do cara, em 1987, saberia de sua vida em 2008. Caso soubesse, no entanto, teríamos um rumo: “Parece que ganhou muito dinheiro e abriu uma pousada em Jericoacoara”. “Jericoacoara”, eu repetiria, com vergonha de emendar com um óbvio “dizem que é lindo”, mas não me ocorrendo nada mais inteligente e ouvindo o tic tac do relógio, renderia-me: “dizem que é lindo”.
Breves currículos desfraldados, ele comentaria que leu alguma coisa minha, alguma vez, em algum lugar, mas não saberia dizer o que, nem onde, nem quando e diria que não pode reclamar da área de recursos humanos. Com algum esforço eu lembraria de alguém que trabalhou na empresa em que ele trabalha, “O Augusto?! Um loiro, gordo? Não acredito!”, ele comemoraria, abriríamos sorrisos novamente, como se termos estudado juntos, nos encontrado no bar e ainda conhecermos o Augusto fosse um sinal inequívoco de que por trás da confusão das aparências só pode haver uma ordem a reger o mundo. Ele me convidaria para sentar, eu diria que estava esperando alguém e voltaria ao meu lugar.
Talvez nos encontremos em 2037, em Araçatuba, comentemos sobre esse dia, no bar e nos perguntemos outra vez sobre os destinos de Júlio Cabeção e do Augusto, um loiro, gordo (será o mesmo?), ou quem sabe morramos sem nunca mais cruzarmos nossos caminhos -- o que pode soar mui filosófico, mas é apenas a mais prosaica das constatações. Que coisa, né?
33 Comments:
Entre o verbo e a ação, um infinito de mas...
E acabou que vc não falou com ele? hahaha...
realmente, esses fantasmas de "silêncios mal tecidos e palavras inábeis" paralisam a gente.
"E se..." É sensacional o poder de despertar a imaginação que essas poucas sílabas têm.
Hey Antonio, quando estiver de pernas para o ar, passa lá na Sala de Psicanálise. Será muito bem vindo! E parabéns! Seus textos são adoráveis de ler.
O novo podcast esta na rede, escute, comente, mande piadas que iremos falar de vc no ar e do seu blog tbm... nao perca o novo programa q vai fazer seus dias mais felizes.
http://wikiwaste.blogspot.com/
É estranho como as pessoas se separam, não é? Muitas vezes eu encontro pessoas que estudaram comigo, que foram meus melhores amigos... E nós passamos um pelo outro e dizemos "oi", e vamos embora como se nem nos conhecêssemos.
Adorei o texto.
bjs =)
Você não falou com ele?Te entendo eu também não teria falado.
E ah fiquei super feliz com a fenalba eu imaginei que iam ser stands e você estaria só autografando e tirando fotos mas achei muito legal a sessão de perguntas eu fiquei com vergonha de perguntar mas nem minha professora de literatura soube me responder. você tem algum palpite sobre como a mulher do médico é a única que não cegou??
beijos
Maior legal o texto, assim como todos os outros... Mas creio que seria legal ter "um dedinho de prosa" com ele. (risos)Sou sua fã, sempre comento com minhas amigas sobre seus textos... obrigada por compartilhar eles com a gente.
Bjo grande...
Hahha!
Isso me acontece muito...depois me sinto culpada e me acho uma sociopata...
Vi uma cena parecida com essa hoje e lembrei na hora do seu texto!
Ahh obrigada mais uma vez por passar no meu blog, com certeza um elogio do "Antonio Prata 4ªA..." vale mais do que mil palavras :]
Beijão
Quantas vezes vejo alguém e penso tudo isso...sua descrição foi sensacional... as vezes falar com a pessoa acaba sendo divertido mas a vida nos distância novamente..... Reign Over Me (Reine sobre mim)... Já Assistiu?.. lembra um pouco isso, só que com final feliz.
Pois contrariando a sua lógica, te digo que numa dessas resgatei minhas melhores amigas da escola e não desgrudamos mais!
É um tipo de amizade tão diferente das outras.... amigos de infância nos conhecem até do avesso. Vc não precisa explicar nada, o cara te conhece desde os 7 anos! Foi um tesouro redescoberto!
Cruzei com voce na Paulista hoje. Estava voltando do almoço (no Gopala) e vc caminhando com 2 amigos, entretido em conversa. Segui... Ao chegar no escritorio, antes de comprar uma passagem para a India (assunto urgente) googuei vc (pela primeira vez na vida), achei este blog e esta cronica estava na capa. Achei tudo muito curioso... Parabes meu antigo melhor amigo... (agora de volta a minha passagem) Muitos abraços. Felipe Bindo 1a ou 1b?
Olha só... Eu jamais resistiria à abordagem se encontrasse algum de vcs dois na rua... Tenho uma necessidade quase incontrolável de falar com quem era do Gávea... Falei até com a sua irmã, Bindo, num follow up de um release que eu estava divulgando (sim, pq estamos cada uma de um lado do balcão do jornalismo). Mas a sensação é sempre essa, Antonio, a felicidade do encontro e, na sequência, os sorrisos minguando pq as vidas invariavelmente seguiram rumos distintos...
Beijos pra vcs,
Luana (6ªA)
Bindo e Luana: 1ªA, 2ªB, 3ªC, 4ªA, 5ªC (acho) e 6ªA. Bindo, deixa seu e-mail! E fala comigo na Paulista da próxima vez! Ou vai esperar até nos encontrarmos em araçatuba??? Grandes abraços aos dois. (A crônica é mentira, não encontrei ninguém!)
kkkkkk!
Amei seu post!
Acho que você deveria ter falado com ele...
Acabei de ver seu comentário falando que a crônica é mentira! Nesse caso , otimo texto!!!
Amei.
Vai no meu blog?
www.cabelocorderosa.blogspot.com
Você não tem noção como isso me acontece...
Direto eu encontro algum colega de escola/curso q não via há anos... uns q judiavam de mim (como muitos outros) e outros que nem sabiam que eu existia... Geralmente esses últimos me olham e dizem, meio reticentes: 'Estudamos juntos, não? Você é a...' e o nome não sai.
Eu completo e digo a biografia escolar inteira da pessoa, em menos de 1 minuto: 'Você é o Renato, andava com o Adriano, sentava lá atrás, no meu lugar, colava de mim e copiava meus trabalhos. Te ajudei em matemática e português, você copiava minha lição de história e eu copiava seus desenhos de artes. Você namorou a Aline e a Marina Peituda - aliás, tem notícias delas? - e espalhou que eu ficava com o Bruno. Às vezes eu te emprestava dinheiro no intervalo e te salvava da inspetora. Faltou alguma coisa?'
Geralmente as pessoas ficam com vergonha: 'Puxa... você tem uma memória ótima! Não lembrava de nada disso...', e a minha vontade é responder, com um grito hisérico: 'Óbvio que eu me lembro, dava pra esquecer as pessoas que fizeram os meus 10 anos escolares virarem um inferno???'. Obviamente que me calo e agradeço o elogio, pergunto da vida, emprego, estudos... os poucos que se lembram de mim perguntam porque não estou trabalhando, já que fiz curso, pq não continuei a faculdade e tudo que eu respondo é um simples: 'Fazer o quê, né? É a vida... Simplesmente a vida...'
Isso tudo só pra te dizer q achei o máximo o seu texto (xD)
Ahh, o nome é devido ao fato de eu estar planejando fazer um blog com esse nome... xD²
Querido, eu nasci em Descoberto, lá do ladinho de Juiz de Fora, interior de Minas. A coisa mais assustadora que já vi na vida era fim de semana no sítio e os barulhos de bichos. Lembro- me bem que não conseguia dormir e saia sozinha para olhar os olhos arregalados e assustadores das corujas. Depois disso, pensei que sobreviveria a qualquer coisa nesse mundão grande. E foi mais ou menos assim: a menina Bianca saiu de lá e ganhou o mundo, mas o olhar da coruja sempre levei comigo para os momentos de urgência e emergência. Não temo muita coisa nessa vida, não. Suporto o encontro e o desencontro que acontece na linguagem, mas tem uma coisa que me deixa abismada ainda hoje- é o reconhecimento da alteridade que nos retira da mesmice e do olhar plano. O meu encontro desencontrado com Antônio Prata é bonito, porque ao ler aquilo que transborda do menino antônio, algo em mim também é derramamento. Eu de fato, tive vontade de conhecer vc e conheci. Sào dessas coisas inexplicáveis aí: eu não poderia morrer sem conhecer Antônio Prata! O meu medo é só um: não suportar a delicadeza dos encontros enigmáticos; no mais a gente vive e não teme nada, porque o que é certo, é bonito!
Desde o olhar das corujas lá atrás, só me encantam sutilezas...Um beijo grande meu e do Maurício: Bianca ( Ribeirão Preto)
Acredite, acabei de terminar o meu ensino médio e já passo por situações como essa com colegas de sala. Que coisa, né? Abraços!
Antonio, minha 1a vez aqui e eu to rolando de rir com o post Blowing in the wind!!!! um beijo!
kkkkkk!
É estranho ver como a amizade de hoje pode ser o desconforto de amanha né, como duas pessoas proximas podem se esquecer e virar duas entranhas assim...
Mas eu sei que é a ordem natural das coisas, uns saem dando lugares a outros e assim a vida segue, selecionando apenas alguns que ficam pra sempre gravados na gente.
Adorei tudo que eu li, abrigado por me vazer refletir, rir, lembrar, enfim, obrigado por me dar a oportunidade de gastar meu tempo com algo que valha a pena ;D
Esses encontros casuais me deixam nervosa, nem saberia o que dizer, fugiria.
Muito boa, essa crônica!
É quase a relação entre o blegueiro famoso e os expectadores ansiosos. Com a diferença que ninguem se conhece e pelo menos da margem pra se começar uma relação do zero!
ótimo texto!
Mentira ou não só posso dizer: É bem verdade!!!
No silêncio a gente fica bobo e faz bobagem, quando não faz diz (rs)
Eu tenho até medo de encontrar gente do passado, porq eu só fiz engordar nos ultimos anos, mudei de religião um milhão de vezes e de evangelica antes, sou quase atéia (???) hj, de menina estudiosa, virei blogueira...
Não da pra ter assunto, quando não somos mais as mesmas pessoas, só se reconectando a essa pessoa, e isso é pra lá de dificil.
Oi Antônio!
Nesta sexta e sábado, dias 28 e 29, a Livraria Cultura preparou um projeto bem bacana chamado Vira Cultura. A loja do Conjunto Nacional, em São Paulo, vai “virar a noite” e ficará aberta durante 37 horas. Será possível assistir a vários eventos literários, de arte, teatro e música, o dia e a noite, tudo gratuito.
Dentre os eventos, teremos leitura de trechos do clássico de Dostoiévski, Os irmãos Karamazov, em comemoração à nova edição, entre outros lançamentos e encontros com autores.
Será um prazer ter você conosco! Se puder ajudar a divulgar aos seus leitores, também agradeço! É uma super dica para quem gosta de literatura!
Se precisar de mais informações, só falar!
um abração e obrigado!
www.riuston.com.br
Antonio!!!
Tive a felicidade de conhecer seu blog por meio de um amigo e, desde então, acompanho as deliciosas e apaixonantes histórias.
Convido você a dar uma espiadinha em meu blog. Adoraria receber sua ilustre visita rs.
Grande beijo
http://sandraalvess.blogspot.com/
Ow Prta mt bom seu blog. que estória banaca e bem contada.
Espero voltar sempre.
Posso linká-lo?
Tãão legal ficar paralisado pelas atormentadas lembranças do passado né?
Acontece comigo sempre, muito.
Sinto sua falta na capricho, eu só comprava ela por sua causa =(
hahahahahahahahahahahahahaha
Oi Antônio!
Sabe, aquelas pessoas que conviveram com a gente tanto tempo numa sala de aula serão nossos velhos desconhecidos depois. Não querendo generalizar, tem gente que a gente leva (com a gente) pra sempre; vira padrinho ou madrinha dos nossos filhos, ou seja, 'entra pra família'!
Adoro suas crônicas!
Adorei um dia quase vc respondeu um recado meu no orkut (rsrsrsr!), mostrei até pra minha mãe! rsrsr! Fazer o que né, a gente sempre divide com a mãe as coisas relevantes!
Sucesso e paz!
Errei, um dia quando e não quase! rsrs
coisa hein?
Este é um testemunho que eu direi a cada um que ouça. Eu tenho casado quatro anos e no quinto ano do meu casamento, outra mulher teve que levar meu amante longe de mim e meu marido me deixou e as crianças e nós sofremos por dois anos até que eu encontrei um post onde este homem Dr.Wealthy ter ajudado alguém e eu decidi dar-lhe uma tentativa de me ajudar a trazer o meu amante de volta para casa e acreditar em mim eu só enviar minha foto para ele e do meu marido e depois de 48 horas como ele me disse, eu vi um carro dirigiu para o casa e eis que era meu marido e ele veio para mim e para as crianças e é por isso que eu estou feliz em fazer com que cada um de vocês pareça conhecer este homem e ter seu amante de volta para o seu eu. Seu email: wealthylovespell@gmail.com .OU VOCÊ TAMBÉM PODE ADICIONAR ELE SOBRE O WHATSAPP USANDO ESTE NÚMERO DE CELULAR 2348164728160.
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