amores expresos, blog do ANTÔNIO

Friday, August 17, 2007

O funk da pashmina. (Ou: da vulgaridade)

Segundo a pesquisa que li outro dia, os homens preferem loiras falsas às verdadeiras. A matéria tratava o resultado com assombro. Confesso que achei muito natural: afinal, loira falsa tem algo que a verdadeira, ao menos à primeira vista, não tem: vulgaridade. Nós, homens, apreciamos essa virtude.
Posso ouvir, daqui, o grito de horror de uma leitora. Compreendo. No dicionário hierárquico feminino, vulgaridade é uma das últimas palavras, embolada, na zona de rabaixamento, com “celulites”, “pochete” e “torresminho”.
Por que é que as moças odeiam tanto essa, digamos, postura diante da vida? Por que, meus caros, minhas caras, ela é o ponto central de uma contradição feminina. Para quem se emperiquitam as mulheres? Quem querem impressionar indo à academia, ao cabeleireiro, fazendo os pés e as mãos, usando vestidos, brincos, batons, ziriguiduns e balangandãs? Nós, homens, e as outras mulheres. Não necessariamente nessa ordem. E aí é que elas se estrepam, pois é impossível servir a dois deuses tão distintos.
Homem gosta de barriga de fora, de calça apertada na bunda, de decotão. De fritura, açúcar, carne, cachaça. Somos explícitos. Essa pashmina é mesmo linda, meu bem, mas deixa ela de lado e se espraia aqui, toda center folder, no meu sofá. Esse negócio de ficar fantasiando, imaginando, isso é feminino. Não é à toa que, numa mentalidade masculina média, de arquibancada, esse papo de arte é coisa de veado. (E todo homem, não importa quantas vezes ler Drummond ou assistir Antonioni, sempre terá uma mentalidade masculina média, de arquibancada, dentro de si).
Se as mulheres quisessem apenas nos impressionar, sem se importar com as outras, o mundo seria um baile funk. Só ia dar calça da Gang e top pelas calçadas. Acontece que elas também competem entre si. E, na competição feminina, ganha quem consegue seu homem dentro do regulamento: ou seja, sem a tal da vulgaridade. Pois mulher valoriza elegância. Discrição. Sutileza. Existe um acordo tácito: ok, meninas, nós queremos esses homens, mas não vamos baixar o nível. Não vamos trair nossos valores. Vamos trazê-los até nós pelo que nós acreditamos ter de bom, não pelo que eles acham. É quase uma atitude política. Pedagógica, sem dúvida. E o que faz a mulher vulgar, que deixa as outras tremendo igual panela de pressão, chamando-a pelos mais baixos nomes de que dispõe a última flor do Lácio? Ela simplesmente ignora a batalha intra-gênero e parte para o ataque colocando na bandeja o que Deus lhe deu -- ou conseguindo na chapinha, no blondor, no bisturi ou na maquiagem o que Deus não deu. Ela trai a classe, vem jogar no nosso campo, segundo as nossas regras. Vulgaridade é o carrinho por trás do futebol feminino. É gol de mão.
É roubo, mas não é blefe. E nesse ponto entra a loira falsa. A cor do cabelo não é verdadeira, mas ao imaginário masculino ela oferece algo extremamente genuíno e valioso: a expressa vontade de dar – that’s what vulgaridade is all about.
Afinal, se os homens preferem as loiras e uma morena tornou-se uma delas, foi para agradar o gosto masculino. E assim que a tintura toca suas melenas, a moça imediatamente sai do time da pashmina e começa a rebolar “tô ficando atoladinha, tô ficando atoladinha”, no meio do salão.
Evidente que não existe nenhuma ligação empírica entre tinturas capilares e desejo sexual. Mas nós, homens, somos toscos. Não pescamos sutilezas, detalhes, entrelinhas. Precisamos de sinais claros e nesse caso, assim como no trânsito, o amarelo significa: preste atenção. Imagem essa, aliás, de péssimo gosto. Bem masculina. Média. De arquibancada. Vulgar, sem nenhuma virtude. Perfeita para terminar o texto.

Wednesday, August 15, 2007

Dois e Dois

(crônica para o Guia do Estadão)

Ficar maduro talvez signifique deixar de lado as coisas para as quais a gente não leva jeito e dedicar-se àquelas em que há realmente alguma possibilidade de sucesso. Foi seguindo essa toada que desisti de ser astronauta aos oito, percebi que o futuro não estava no futebol lá pelos doze e perdi as baquetas e a ambição de ser baterista em alguma festa lá pelo terceiro colegial.
Ficar mais maduro talvez signifique retomar essas atividades quando chegamos perto dos trinta -- e nos damos conta de que há muito mais coisas entre o céu e a Terra do que “possibilidade de sucesso”. Foi seguindo essa toada que, na última quarta, com as pernas bambas de alegria e um sorriso juvenil no rosto, contei um, dois, três, quatro e, cercado de outros seis ex-futuros músicos, deixei todas as frustrações explodirem nos pratos, nos três primeiros acordes de Don’t let me down, dos Beatles.
A banda havia surgido uma semana antes, numa mesa de bar: uma dessas idéias que nos ocorrem depois da uma da manhã, quando o superego já está cantando a Jardineira, vestido de Pierrô, lá pros lados do Mandaqui e o saci começa a nos assoprar no ouvido desejos imprudentemente ambiciosos, como a morena da mesa ao lado ou a profissão de Ringo Starr. Como ficar mais maduro também significa perceber que a vida é curta e começar a levar a sério a imprudência, alugamos um estúdio, juntamos o punhado de alegres diletantes que há anos trocaram a alegria das cifras pela busca dos cifrões e, por algumas horas, fomos feliz para sempre.
Quinta-feira próxima virá o segundo ensaio. Nesse exato momento, enquanto ouve a entrevista de um deputado, um repórter de política repassa mentalmente os acordes de Like a rolling stone. Um editor deixa de lado um autor russo do século XIX e assovia Amada Amante. Um poeta abandona a busca pelo oxímoro perfeito que defina o Brasil para decorar a letra de Último Romântico. Uma jornalista de economia interrompe a nota sobre a fusão de dois gigantes do etanol e imagina os movimentos de seu violino em Eleonor Rigby. Uma produtora fecha o Excel e ouve, pela sexta vez no dia, Não vou ficar, em seu I-pod. Um escritor em Santa Cecília confunde as teclas do teclado com as do piano e outro, aqui em Perdizes, julga ouvir um prato toda vez que aperta o enter.
Ficar maduro talvez signifique, entre outras coisas, cantar a sério o que anos atrás só encararíamos sob as grosas malhas da ironia. Tocamos mal, mas somos felizes. Tudo certo – como dois e dois são cinco.