Terremoto
(Guia do Estado)
Não é que eu não soubesse que de 2008 a gente não passava, mas esperava a hecatombe só lá para julho, quando uns cientistas colidirão mini-partículas num bambolê de 27 km, enterrado entre a França e a Suíça, criando um buraco negro que reduzirá a mim, a você, ao Kilimanjaro e a tudo o que existe no planeta a uma bolota do tamanho de uma azeitona. Contava com os meses restantes para ler Proust, conhecer as cataratas do Iguaçu e fazer um curso rápido de danças de salão – um antigo desejo de minha senhora. Então a tela do computador tremeu, o quadro atrás da tela também, minha bunda chacoalhou sobre a poltrona, a poltrona deslizou uns dois centímetros sobre a crosta terrester, a crosta sambou sobre a enorme camada de gelatina, também conhecida como magma, com a qual Deus imprudentemente recheou a Terra e pensei: danou-se. Enquanto corria para baixo do batente da porta -- precaução aprendida num desses documentários da TV e que jamais achei que me fosse ser útil, pelo menos não aqui nas Perdizes – pensei nas duas hipóteses mais prováveis: terremoto ou loucura. Contemplando o lustre a tremelicar no teto, torci egoisticamente pela primeira opção. Afinal, se o céu finalmente caísse sobre nossas cabeças, como temia Obelix, eu não estaria só em meu sofrimento. (Desculpem, camaradas, mas foi assim mesmo). A idéia de um terremoto no Brasil é tão absurda que logo abriu uma fenda no centro de meu bom senso, fazendo-me considerar outras possibilidades não menos estranhas. Geroge Bush apertou o botão vermelho, sem querer, iniciando a guerra atômica? Os marcianos estão atacando? (O tremor seria, provavelmente, causado pelo pouso da nave mãe no Memorial da América Latina). Deus, conforme prometido, havia iniciado o juízo final? Depois de mais ou menos cinco segundos, quando eu já havia me conformado com o fim do mundo e até encontrado algum consolo ao perceber que, se tudo acabasse, ao menos estaria livre de fazer o imposto de renda, o chão voltou a se comportar como antes. Peguei uma coca-zero, sentei-me novamente sobre a poltrona e o terremoto apareceu na internet, embaixo da manchete sobre as noventa e duas mortes causadas por dengue no Rio de Janeiro e acima do padre que saiu voando, agarrado a umas bexigas, na costa de Santa Catarina. A vida seguia seu rumo, como sempre, na mais perfeita normalidade.
Não é que eu não soubesse que de 2008 a gente não passava, mas esperava a hecatombe só lá para julho, quando uns cientistas colidirão mini-partículas num bambolê de 27 km, enterrado entre a França e a Suíça, criando um buraco negro que reduzirá a mim, a você, ao Kilimanjaro e a tudo o que existe no planeta a uma bolota do tamanho de uma azeitona. Contava com os meses restantes para ler Proust, conhecer as cataratas do Iguaçu e fazer um curso rápido de danças de salão – um antigo desejo de minha senhora. Então a tela do computador tremeu, o quadro atrás da tela também, minha bunda chacoalhou sobre a poltrona, a poltrona deslizou uns dois centímetros sobre a crosta terrester, a crosta sambou sobre a enorme camada de gelatina, também conhecida como magma, com a qual Deus imprudentemente recheou a Terra e pensei: danou-se. Enquanto corria para baixo do batente da porta -- precaução aprendida num desses documentários da TV e que jamais achei que me fosse ser útil, pelo menos não aqui nas Perdizes – pensei nas duas hipóteses mais prováveis: terremoto ou loucura. Contemplando o lustre a tremelicar no teto, torci egoisticamente pela primeira opção. Afinal, se o céu finalmente caísse sobre nossas cabeças, como temia Obelix, eu não estaria só em meu sofrimento. (Desculpem, camaradas, mas foi assim mesmo). A idéia de um terremoto no Brasil é tão absurda que logo abriu uma fenda no centro de meu bom senso, fazendo-me considerar outras possibilidades não menos estranhas. Geroge Bush apertou o botão vermelho, sem querer, iniciando a guerra atômica? Os marcianos estão atacando? (O tremor seria, provavelmente, causado pelo pouso da nave mãe no Memorial da América Latina). Deus, conforme prometido, havia iniciado o juízo final? Depois de mais ou menos cinco segundos, quando eu já havia me conformado com o fim do mundo e até encontrado algum consolo ao perceber que, se tudo acabasse, ao menos estaria livre de fazer o imposto de renda, o chão voltou a se comportar como antes. Peguei uma coca-zero, sentei-me novamente sobre a poltrona e o terremoto apareceu na internet, embaixo da manchete sobre as noventa e duas mortes causadas por dengue no Rio de Janeiro e acima do padre que saiu voando, agarrado a umas bexigas, na costa de Santa Catarina. A vida seguia seu rumo, como sempre, na mais perfeita normalidade.
18 Comments:
"eu já havia me conformado com o fim do mundo e até encontrado algum consolo ao perceber que, se tudo acabasse, ao menos estaria livre de fazer o imposto de renda"
Hahahah, boa boa :P
sabe, apesar de você dizer que não acredita em Deus, acho que o clímax das suas crônicas é quando você toca no nome Dele, seja questionando o Juízo Final ou dizendo que o nosso deus real é o Big-Bang...
como sempre, você me surpreende, Antonio!
Beijos e não esqueça do imposto de renda :)
hahaha :)
como sempre, muito bom.
é, eu nem senti o terremoto, estava na academia, em meio à uma aula de spinning, com tanto sacolejo normal, não tinha como sentir muito terremoto não!
beijos.
Adorei o post... Seu texto é ótimo, adoro ler. Sobre o tremor eu não senti nada.. a pobre Terra comemorando seu dia e eu nem percebi... rs
Ela está chamando nossa atenção para o que estamos fazendo com ela, pelo menos está tentando. Mas com o dia-a-dia que temos está difícil parar.
bjus
Se Jesus não vier logo, a Gaia ou o único animal parasitário "racional" na face da Terra dará conta do Apocalipse antes do Criador.
Teve gente, eu por exemplo, que pensou que o tremor fosse um golpe de misericórdia de Deus, pros jornais pararem de falar sobre a Isabela. Não deu certo, mas parabenizo Deus pela tentativa.
Brilhante como sempre!
Adooooorooooo³³³³³
Eba!!! Texto novo!
haha, alias, visitei o tal do bambole de 27 km ha poucas semanas (moro na alemanha, foi "excursao" da escola), mas nao tava ai pra sentir o terremoto :P
E o livro do Amores Expressos, quando sai? (se é que já não saiu)
Eu estava sem rir até a última frase, quando dei aquela gargalhada de gente estúpida. muito bom.
Eu estava sem rir até a última frase, quando dei aquela gargalhada de gente estúpida. muito bom.
É engraçado como nós encaramos tudo como "normal", nos adaptamos a todas as situações e ainda rimos da desgraça alheia (como o padre, que virou a piada do momento na internet).
Adorei o texto! Um dos melhores dos últimos tempos!
Adoro quando você comenta sobre Deus, nos seus textos. Você fala sobre Ele com uma naturalidade tão legal.
É diferente quando se lê de pessoas que, apesar de não acreditarem, falam sobre Ele sem nenhuma neura, entende?
naum senti o terremoto.
mas acho q ideia absurda tbm. e como naum senti.. acho q ainda naum acreditei!
Um bom escritor faz do nosso tremor um verdadeiro terremoto. Mas o abalo não chegou aos pés do estrondo causado pelo capetas do vizinho do apartamento de cima, então pensei: o mais novo acordou.
As mudanças geográficas já havia/vem acontecendo desde 2005, por isso não me causou estranheza. Mesmo assim, fiquei preocupado e interessado em saber mais sobre o assunto (informação nunca é demais).
Antonio, prazer. Meu nome é Jair Eduardo, mas pode me chamar de Eduardo. Nunca li seus artigos, mas tenho amigos q comentam coisas fascinantes sobre.
Então, pensei: “-não escrevo tão bem quanto tal, mas posso ser melhor ou ainda diferente do que tal”. É isso aí.
As mudanças geográficas já havia/vem acontecendo desde 2005, por isso não me causou estranheza. Mesmo assim, fiquei preocupado e interessado em saber mais sobre o assunto (informação nunca é demais).
Antonio, prazer. Meu nome é Jair Eduardo, mas pode me chamar de Eduardo. Nunca li seus artigos, mas tenho amigos q comentam coisas fascinantes sobre.
Então, pensei: “-não escrevo tão bem quanto tal, mas posso ser melhor ou ainda diferente do que tal”. É isso aí.
".... Geroge Bush apertou o botão vermelho, sem querer, iniciando a guerra atômica? Os marcianos estão atacando? (O tremor seria, provavelmente, causado pelo pouso da nave mãe no Memorial da América Latina). Deus, conforme prometido, havia iniciado o juízo final?..."
hauhauhahuhauhauhau
antonio vc é hilário , por isso que adoro suas crônicas !
Aqui não tremeu... eu nem tive a oportunidade de pensar por um momento que estava livre de padres-voadores, pais assassinos e uma vida amorosa que é um verdadeiro fiasco. Hunf.
E agora Antonio?
Agora que o "grande bambolê" vai começar a funcionar??
Quando você acha que seremos reduzidos a uma azeitona (tomara que das roxas, porque são mais saborosas)??
^^
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