Conveniência
(publicada no Guia do Estado)
Olhai, oh Senhor, os jovens nos postos de gasolina. Apiedai-Vos dessas pobres criaturas, a desperdiçar as mais belas noites de suas juventudes sentadas no chão, tomando Smirnoff Ice, entre bombas de combustível e pães de queijo adormecidos. Ajudai-os, meu Pai: eles não sabem o que fazem.
São Paulo não tem praças, eu sei. As ruas são violentas, é verdade, mas nem tudo está perdido. Mostrai a esses cordeiros desgarrados a graça dos amassos atrás do trepa-trepa, o esconderijo ofegante na casa das máquinas do elevador, as infinitas possibilidades da locadora da esquina, a alegria simplória da Sessão Corujão.
Encaminhai-os para um boliche, que seja, mas afastai suas bochechas rosadas dos vapores corrosivos dos metanóis. Pois nem toda a melancolia de um playground, nem todo o tédio de um salão de festas ou, vá lá, a pindaíba do espaço público simbolizada pelo churrasco na laje justifica a eleição de um posto de gasolina como ponto de encontro. Tudo, menos essa oficina dentária de automóveis, taba de plástico e alumínio, neon e graxa, túmulo do samba e impossível novo quilombo de Zumbi. Que futuro pode ter um amor que brota sob a placa “troca de óleo, ducha grátis acima de 100 reais”?
Dai a essa apascentada juventude o germe da revolta. Incitai-os a atirar pedras ou pintar muros, a tomar porres de Cynar com Fanta Uva, tal qual formicida, por amores impossíveis, ajudai-os a ouvir músicas horríveis, usar roupas rasgadas, a maldizer pai e mãe, a formar bandas punk ou fazer serenatas de amor. Eles têm todo o direito de errar, de perder-se, de ser ridículos. Só não podem, meu Pai, com as camisas para dentro das calças, pomada no cabelo e barbas bem feitinhas, amarelar a lira de seus vinte anos sob o totem luminoso das petroquímicas.
Salvai-me do preconceito e da tentação, oh Pai, de dizer que no meu tempo tudo era lindo, maravilhoso. Passei muitas horas molhando a bunda num ringue de patinação no gelo, ou vagando a esmo por shopping centers, aguardando a luz no fim do túnel de minha adolescência. Talvez fosse a mesma coisa. Talvez exista alguma poesia em passar noite após noite sentado na soleira de uma loja de conveniência, em desfilar com a chave do banheiro e sua tabuinha, em gastar a mesada em chicletes e palha italiana. Explicai-me o mistério, numa visão, ou arrancai-os dali. É só o que Vos peço, humildemente, no ano que acaba de nascer. Obrigado, Senhor.
Olhai, oh Senhor, os jovens nos postos de gasolina. Apiedai-Vos dessas pobres criaturas, a desperdiçar as mais belas noites de suas juventudes sentadas no chão, tomando Smirnoff Ice, entre bombas de combustível e pães de queijo adormecidos. Ajudai-os, meu Pai: eles não sabem o que fazem.
São Paulo não tem praças, eu sei. As ruas são violentas, é verdade, mas nem tudo está perdido. Mostrai a esses cordeiros desgarrados a graça dos amassos atrás do trepa-trepa, o esconderijo ofegante na casa das máquinas do elevador, as infinitas possibilidades da locadora da esquina, a alegria simplória da Sessão Corujão.
Encaminhai-os para um boliche, que seja, mas afastai suas bochechas rosadas dos vapores corrosivos dos metanóis. Pois nem toda a melancolia de um playground, nem todo o tédio de um salão de festas ou, vá lá, a pindaíba do espaço público simbolizada pelo churrasco na laje justifica a eleição de um posto de gasolina como ponto de encontro. Tudo, menos essa oficina dentária de automóveis, taba de plástico e alumínio, neon e graxa, túmulo do samba e impossível novo quilombo de Zumbi. Que futuro pode ter um amor que brota sob a placa “troca de óleo, ducha grátis acima de 100 reais”?
Dai a essa apascentada juventude o germe da revolta. Incitai-os a atirar pedras ou pintar muros, a tomar porres de Cynar com Fanta Uva, tal qual formicida, por amores impossíveis, ajudai-os a ouvir músicas horríveis, usar roupas rasgadas, a maldizer pai e mãe, a formar bandas punk ou fazer serenatas de amor. Eles têm todo o direito de errar, de perder-se, de ser ridículos. Só não podem, meu Pai, com as camisas para dentro das calças, pomada no cabelo e barbas bem feitinhas, amarelar a lira de seus vinte anos sob o totem luminoso das petroquímicas.
Salvai-me do preconceito e da tentação, oh Pai, de dizer que no meu tempo tudo era lindo, maravilhoso. Passei muitas horas molhando a bunda num ringue de patinação no gelo, ou vagando a esmo por shopping centers, aguardando a luz no fim do túnel de minha adolescência. Talvez fosse a mesma coisa. Talvez exista alguma poesia em passar noite após noite sentado na soleira de uma loja de conveniência, em desfilar com a chave do banheiro e sua tabuinha, em gastar a mesada em chicletes e palha italiana. Explicai-me o mistério, numa visão, ou arrancai-os dali. É só o que Vos peço, humildemente, no ano que acaba de nascer. Obrigado, Senhor.
49 Comments:
Deus te ouça...
o pior é depois de 10 horas de viagem dentro do estado do rio você ter que ouvir pussycat dolls no último volume com as goishtósaish dançando pra um porta malas de carro.
não acho digno.
Querido um dos meus novos autores preferidos, você é um 'must', mas vamos combinar que você, como yo, sofre é de nostalgia mesmo. Eles devem achar o máximo respirar essas coisas todas. Também, coitados, nem música brega decente como o 'The Winner Takes it All' (do Abba) eles têm pra chorar decentemente as dores de amor.
Ah, bons tempos que não voltam mais...
Bezzo, querido!
que suas preces sejam atendidas!
Amém!
ah..antes de mais nada...muito prazer..agora sou leitora assídua!
Ahh... Mas que bom é saber que eu não sou doida. Me chamaram para ir uma vez, eu fui, e não volto nunca mais lá, ai que coisa chataaa esse negócio de posto de gasolina.
Ah já ia me esquecendo:
Amém.
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Dê olho no movimento das "ovelhas desgarradas" nos postos de gasolina, as barraquinhas de cachorro quente abertas na madrugada não param de crescer. Daqui a algum tempo será a vez dos pipoqueiros, vendedores de maça do amor e algodão doce. Será o início da era das verdadeiras "Maria- gasolina" e seus companheiros "Diesel forever"? São até capazes de lançarem um CD - “Nos embalos do posto à noite”. Valei-me Nossa Senhora!!!
Parabéns pelo texto. Me fez rir em uma noite sem sono. Sua mais nova leitora e colega de profissão.
isso lembra a aldeia de onde nasci...
Oih!
Bom, eu não posso dizer como era isso há alguns anos atrás, mas que é uma coisa completamente sem sentido ficar em um posto de gasoilina horas e horas, ah é!
Eu amo tuas crônicas, já lia há um tempo na Capricho e agora que eu também criei um blog estou vindo aqui. E parabéns pór tudo que escreves.
Abraço. Luana.
Olá, rapaz.
Curto muito seus textos, o primeiro que li foi a "reportagem" sobre a Dutra que saiu na Piauí, ficou muito legal mesmo!
Bom, convido-te a ouvir o som na minha banda. São músicas para curtir e ficar de boa.
Áudio em:
www.tramavirtual.com.br/strange_music
Vídeos em:
www.youtube.com/bravodiego
Espero que gostem,
abraços!
Muito bom!
Só o que tenho a dizer..
até pensei em fazer uma crítica..
mas acho que não devo..
deixa assim..
admito está muito bom, só não ri muito porque estou no trabalho e sei lá pega mal ficar rindo feito louca na frente do pc.
Olha, eu acho que o mundo oferece tantas opções que a rebeldia é essa. Pra que frequentar bares com boa música ao vivo, ou clubes com bons DJs, ou assistir a filmes curtindo a companhia dos amigos, se os postos de gasolina oferecem uma paisagem muito mais desoladora, deprimente, urbana decadente? É o novo mal do século, mas dessa vez é do século 21, perfeitamente em harmonia com luminosos e cheiro de disel.
O que não entendo é a rebeldia aliada à pomada no cabelo e às calças pra dentro, mas deve haver alguma explicação.
Um dia, se Deus quiser, eles receberão uma intervenção dos céus e renunciarão a essa rebeldia em troca de um pouco mais de vida e encontrarão novamente o sentido da diversão. Amém.
Sensacional o texto.
Que Deus o ouça!
Antonio!
Caramba, você realmente decifra o que estamos pensando!!!
Sinceramente, eu também não sei o que as pessoas da minha idade vêm em postos de gasolina...
Eu prefiro ficar em casa dormindo...
Parabéns!
Mamãe dzi que sou arrogante pela forma "radical" de pensar, como ela mesma diz. Mas ainda acho que, o mal do brasil é o brasileiro.
Isso, acredito, é falta de cultura e claro, de senso. rs
Não tem muito a ver, mas lendo esse post,lembrei de um texto tolo que fiz chamado ''Urbanóides'' que cita bem algumas banalizações. Então, lembrei-me especificamente do trecho:
''... E as pequenas coisas, as mais importantes, são deixadas na cama de motéis junto ao gozo, ou em um telefonema, num bar, em palavras avulsas, mas nunca dentro de você. E tampouco dentro de mim."
Abraços.
humm...não sei, mas não acho que seja assim tão ruim.
deus diz: não, meu querido. voce viajou...relaxa, domingo que é meu dia de folga a gente conversa.
parabéns pelos textos, meu bem.
até. (:
Essa eu juro que não entendi... se ta pedindo pra Deus por que??? Tu nem acredita nele...
E deixa os caras no posto ué, é ridículo, mas quando tu tava lá molhando a bunda na pista de gelo, talvez tivesse um cara lá em cima pedindo pra Deus explicar o mistério dos babacas que achavam que sabiam patinar... é a vida. Assim como eu vivo querendo entender o motivo de eu sempre comentar nesse blog sendo que nem ao menos há reciprocidade.. aiai *suspiro* eu sou uma coitada mesmo... coitada e fã de um baixinho que calça 41 e escreve crônicas e contos lindos.
Que os anjos digam Amém!
Em meus 20 anos, nunca passei a noite num posto de gasolina, se lhe servir de consolo...Resisti bravamente perante as invetidas dos amigos...
beijo!
você é foda!
bjs
Camis
Poxa, mas tem tantos comentários aqui que fica até sem-graça opinar.
E também, acho tudo o que todo mundo que comentou acha... Que o texto está o máximo, vc é ótimo e tal.
A única diferença é que, pelo jeito, sou uma velha gagá entre essa meninada aqui...
bjs
Ana
O pior é você acordar cedo pra ir trabalhar na loja ao lado do tal posto, e ouvir gracinhas de bêbados-de-cachaça-e-gasolina.
Não, eu não pedi pra nascer nessa época. Onde está o Glamour de ir ao cinema e fazer nada nas pracinhas? Senhor, eu devo ser uma aberração, pq, aos 18 anos da minha vida eu leio livros e vou sozinha no cinema. E uso o posto de gasolina SÓ para colocar gasolina, ou alcool, que é mais barato.
É, tende piedade deles, senhor.
hahaha, muito boa observação...
É, adoro como você começa os textos e a forma como você muda de assunto sem perder a lógica. Adoro como você escolhe assuntos que passam despercebidos por mim. Adoro como você dá tanta importância a esses assuntos.
Sabe, Antonio. Só discordo de uma coisa: Talvez eles saibam o que estão fazendo. [A pomada acabou, odeio usar calça e não tem nenhum posto aqui perto]
Abraços!
certo dia eu passando na rua olhei uma capricho e resolvi comprar..num gosto de revistas gays de mininhas e etc...mas a força do destino me fez ocmprar...ai dei de cara com seu texto..falava sobre um menino que ia à casa da namorada e equanto isso conversava com o taxista...me apaixonei, pelo texto, pelas palavras, por vc[calma, pelo jeito como voce escreve]...que me faz sentir como se eu tivesse perto de saber algo mais sobre mim mesma...deu pra entender? naum neh...mas tudo bem....admiração se sente...não se entende..x)
quanto ao post...deus te ouça!!! ;*
"ajudai-os a ouvir músicas horríveis"
Mas já ouvem! Ficam com uma Smirnoff na mão, fazendo pose e ouvindo Chicretão...
Já fui num posto de gasolina e não vi graça. Nunca mais!
Nem Álvares de Azevedo com todo o pessimismo de sua geração, ficava em postos de gasolinas....1° porque nem existiam e 2° porque estava ocupado criando a lira dos vinte anos sobre alguma tumba - bem mais emocionante-....rsrs
Amém, é preciso! Arrependai-vos!
Antes de louvar suas palavras, gostaria de dizer que você é um de meus autores favoritos, e que essa prosa com Deus está sublime. Que Ele tome providências, por favor.
Oie
Eu tava procurando o seu texto 'O amor que choveu' e em meio a buscas no Google achei o seu blog que por sinal é ótimo. De agora em diante acompanharei sempre que possível, pois seus textos são incriveis!
Abraços
Ai!!QuE lEgaLqUe Eu AcHeI seU bLog SEmPRe veJO sEuS TExTos Na CAprICHO!!
adoREi!!
bjOo!
Que Deus, Alá, Amon Rá, o gênio da lâmpada ou quem quer que seja que está lá em cima nesse momento olhando pra baixo e dizendo "ai meus filhos, assim não dá!" te ouça, porque morar na frente de um posto de gasolina não é fácil.
vc é demaiis!
Não é só em São Paulo que isso ocorre, não. Testemunhei, há alguns anos atrás em Curitiba, uma balada num posto de gasolina em pleno réveillon. É desnecessário dizer que morri um pouco por dentro na ocasião e perdi o pouco de respeito que tinha para com a humanidade.
Parabéns pelo belo trabalho.
tenho sorte, ou pais maravilhosos, mas aproveitei, e aproveito muito os meus 20-e-alguns-anos.
parabéns pelos textos
Nossa Antônio é muito bom ver um "jovem escritor" (categoria por vezes ampla demais...) com uma literatura tão francamente em evolução como a sua!
Acompanhava teus textos na Capricho quando tinha uns 15, 16 anos e já achava a melhor coisa escrita na revista...Mas os deliciosos textos daquele tempo nem se comparam com os de hoje! Fiquei viciada nesse blog, espero que continue servindo à sua divindade e escreva grandes Romances! E que poste mais também!
Alguns comentários você deve ficar satisfeito ou rir muito , não?
Antônio, estou aqui pra dizer que há muito tempo te conheço, e há muito tempo te procuro. É, eu lia a coluna do seu pai no Estadão. Eu lembro quando ele contou que você passou no vestibular de filosofia, lembro quando ele disse que você havia se tornado escritor, e lembro quando ele comentou de uma uma revista que você fazia parte. Acáros, coisa assim. Procurei pelas bancas e nada, mas tudo, pois hoje finalmente eu encontrei você, e melhor, por acaso, visitando o blog do Marcelino Freire. Estou bem feliz! E melhor, valeu a pena, adorei o texto.
Eu sou mineira, e quando mudei para São Paulo estranhei aqueles surfistas tomando cerveja no posto. Achei que estavam de passagem para a praia, mas ai me contaram que não, eles se vestiam daquele jeito, mesmo estando a kilômetros do mar, e que gostavam de exibir seus carros e os sons potentes. Achei engraçado, para dizer o mínimo.
Bom, abraços.
Antonio, te mandei dois e-maisl hoje já e ia mandar o terceiro, mas ia ficar meio (só meio) "chato". Então escrevo aqui msmo.
A melhor coisa sobre vc é que vc é real. De carne e osso e tão humano quanto eu.
Isso mostra que os humanos (e até eu) podem ser UOW, como vc é.
Beijos
Muito bons seus textos, parabéns! Está linkado em meu favoritos!
Até ;*
Estou te acompanhando desde o blog anterior , além de muito sucesso como escritor , também com as senhoritas...rs
Li um texto seu em que você relatava sobre a classe média e assistindo este vídeo que encontrei no site da Carta Capital , lembrei em você :
http://www.cartacapital.com.br/classe-media-de-max-gonzaga
talvez já tenha assistido ...
Obs( espero sua visita : http://glhama.nafoto.net/)
Gostaria de uma abordagem do jornalismo mercadológico...
Obs( espero sua visita : http://glhama.nafoto.net/)
Calma Prata, somos todos indíos, não sabemos o que fazer com essa porra de estado que nada faz
Leio sempre teus artigos, bons por sinal, a ex. Janela Indiscreta, A Gostosa, etc.
Nunca lia os comentários, fiz isso hoje, me envergonhei...nunca tinha visto um cara tão Narcisista como vc., teu pai sabe disso? Tomara q. ñ, senão iria te puxar a orelha e ainda diria: Moleque safado te ensinei ser inteligente mas ñ "Amostrado"...
Araços...rsrsrsrs
hauhuahauhhaa....
Também espero de Deus uma visão ou uma sugestão, para melhor aproveitar a minha curta juventude... (pelo menos aqui em Béozonti tem praça)
Sou sua fã!
Rafaela
Em Recife tem um bar chamado Garagem ,"acaraiagem" para os íntimos, que durante o dia é uma borracharia. De noite a cerveja é quente, o dj tenta expulsar o público com músicas estridentes, o banheiro sem descarga, mas ninguém larga o pé de lá.
Espero que o Senhor ouça a sua súplica,Antonio, pq até aqui no interior os jovens passam as noites bebendo em posto de gasolina.
Gabi
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