amores expresos, blog do ANTÔNIO

Wednesday, October 24, 2007

Time is honey

“No mais, tudo é menor. O socialismo, a astrofísica, a especulação imobiliária, a ioga (...) O homem só tem duas missões importantes: amar e escrever à máquina. Escrever com dois dedos e amar com a vida inteira”
Antonio Maria


Poucas coisas neste mundo são mais tristes do que um bolo industrializado. Ali no supermercado, diante da embalagem plástica histericamente colorida, suspiro e penso: estamos perdidos. Bolo industrializado é como amor de prostituta, feliz natal de caixa automático, bom dia da Blockbuster. É um anti-bolo.
Não discuto aqui o gosto, a textura, a qualidade ou abundância do recheio de baunilha, chocolate ou qualquer outro sabor. (O capitalismo, quando se mete a fazer alguma coisa, faz muito bem feito). O problema não é de paladar, meu caro, é uma questão de princípios. Acredito que o mercado de fato melhore muitas coisas. Podem privatizar a telefonia, as estradas, as siderúrgicas. Mas não toquem no bolo! Ele não precisa de eficiência. Ele é o exemplo, talvez anacrônico, de um tempo que não é dinheiro. Um tempo íntimo, vagaroso, inútil, em que um momento pode ser vivido no presente, pelo que ele tem ali, e não como meio para, com o objetivo de.
Engana-se quem pensa que o bolo é um alimento. Nada disso. Alimento é carboidrato, é proteína, é vitamina, é o que a gente come para continuar em pé, para ir trabalhar e pagar as contas. Bolo não. É uma demonstração de carinho de uma pessoa a outra. É um mimo de avó. Um acontecimento inesperado que irrompe no meio da tarde, alardeando seu cheiro do forno para a casa, da casa para a rua e da rua para o mundo. É o que a gente come só para matar a vontade, para ficar feliz, é um elogio ao supérfluo, à graça, à alegria de estarmos vivos.
A minha geração talvez seja a primeira que pôde crescer e tornar-se adulto sem saber fritar um bife. O mercado (tanto com m maiúsculo como minúsculo) nos oferece saladas lavadas, pratos congelados, comida desidratada, self-services e deliverys. Cortar, refogar, assar e fritar são verbos pretéritos.
Se você acha que é tudo bem, o problema é seu. Eu vou espernear o quanto puder. Se entregarmos até o bolo aos códigos de barras, estaremos abrindo mão de vez da autonomia, da liberdade, do que temos de mais profundamente humano. Porque o próximo passo será privatizar as avós, estatizar a poesia, plastificar o amor, desidratar o mar e diagramar as nuvens. Tô fora.

20 Comments:

Blogger flávia coelho said...

muito bom esse bololô que vc fez, um pouco hipócrita porque aposto que nem bolinho de chuva vc faz, já eu faço o melhor bife da cidade, entre outras coisas

October 25, 2007 at 10:34 AM  
Blogger Simone said...

Antonio Maria. Muito bom!
Alguém tinha que resgatar ele. É um dos melhores.

October 26, 2007 at 8:47 PM  
Blogger silgtavares said...

CONCORDEI E ADOREI!
É angustiante ver tudo que está sendo "encaixotado", mas conforta ver que tem mais gente que tenta manter a vida em ordem ao invés de vender até a dignidade em prol do capitalismo.
Apesar de toda a inquietude diária, no momento, ao ler as tuas palavras, me deixa inquieta a possibilidade de desistires de dividi-las conosco, leitores visitantes do "blog do Antonio Prata".

October 27, 2007 at 8:29 PM  
Blogger Mari Bocorny said...

logo se vê que você nunca fez um bolo...

October 30, 2007 at 5:09 AM  
Blogger Simone Iwasso said...

a citação de um clássico do antonio maria foi bem lembrada, acho que vc tem uma coisa simples e que flui no texto, assim como ele tinha. é bom isso, tá na hora da gente voltar a ter bons cronistas!

October 30, 2007 at 3:19 PM  
Blogger Sala said...

hahaha muito bom!

November 17, 2007 at 9:52 PM  
Blogger Jane Malaquias said...

Desde quando educação de marmanjo no Brasil ensinou a fazer bolo? Não ensinou nem a fazer a própria cama.Seu pai já bateu claras em neve? E o seu avô?

December 7, 2007 at 5:29 PM  
Blogger Isabela Scarioli said...

Gente, você definiu o que é um bolo como ninguém! Adorei!

December 11, 2007 at 9:14 AM  
Blogger barbara said...

Raivinha boba, Antônio. Mote pra glosa, só, eu achei. O texto, como sempre, maravilhoso (cada vez mais descubro como tem tanta gente que te lê), mas, pô, não sacaneia quem não tem vó, quem cuja mãe não sabe fritar um ovo, quem em todas as frustradas tentativas de fazer um bolo quase chegou na fórmula da borracha das Havainas... Não furte a quem não tem a mínima chance de experimentar o sabor agradável da iguaria que é um bolo (pô, convenhamos, os industrializados são gostosinhos) só por um bom texto. Aliás, não, por um bom texto, vale tudo! Você pode! Parabéns.

January 1, 2008 at 2:11 PM  
Blogger Tai Rosa said...

This comment has been removed by the author.

April 18, 2008 at 10:52 AM  
Blogger Tai Rosa said...

Tô fora também Antônio.
Nada como um bom bolo de vó, ou de mãe, ou de nós mesmos, ou de quem quer que seja, menos dos "mercados" claro. Que maravilha quando agente ouve aquela frase "feito em casa". Pode até ficar horrivel, mas o que vale é a intenção, se você fez foi para alguém, e isso não tem preço. Uma pessoa que gasta o seu tempo para fazer um bolo para outra pessoa, seja para agradar, ou presentear, ou mesmo para se aproximar, não deve ser comparada a aquela que passa correndo no mercado e pega o primeiro, ou o mais bonitinho, sem nenhum carinho, sem siquer ter se esforçado.
Concordo contigo Antônio!!

E esse texto ta uma delícia, adorei. Parabéns!

:)

April 18, 2008 at 11:04 AM  
Blogger Bergamo said...

Antonio,
Achei o seu texto Time is honey fantástico. Transcrevi um trecho em uma postagem no meu blog, com a devida citação (e um link para o seu blog).
Espero que não haja problema.
Abraços,
Bergamo

July 17, 2008 at 1:01 PM  
Anonymous gabriel said...

a barbara deu um show de argumentação para mostrar que o texto, por mais filosofico e bem estruturado que seja, nada tem de relação sobre as questões capitalistas! sabor importa sim, bolo é bom de qualquer natureza, e , industrializado, permite que as pessoas se satisfaçam de modo rapido ! quer perder tempo fazendo bolo para namorada/o ? ok, mas não relacione capitalismo com tal assunto ! faça um texto bonito sobre a FOME , ai sim teria um sentido lógico !

April 17, 2011 at 12:34 PM  
Blogger Mariana Arnaud B.Cordeiro said...

Lindo ! Como nutricionista, assino embaixo, com leitora, devoro o bolo !

August 2, 2011 at 2:00 PM  
Blogger  said...

Fico boba com a diversidade de interpretações! E como é fácil criticar quem escreve! Esse texto nada mais é que a colocação de alguém reclamando a desistência das pessoas em colocar a sua própria energia na construção de algo direcionado. Enquanto se meche um bolo, se está pensando no "pra quem" estamos fazendo e isso inclui o "pra nós" tbem. Se é culpa do capitalismo por nos ter jogado no mercado de trabalho e ter nos roubado um tempo preciosso de fazer mos isso, ou se não é... não vem ao caso. O que importa é que esse texto está nos dando um alerta de que ainda há tempo de voltarmos a frequentar a casa dos amigos,de telefonarmos ao invés de passar e-mails, de darmos um abraço "pessoalmente" no dia do aniversário, de compraramos um presente por nós mesmos e não participar de uma vaquinha na qual nem sabemos o presente que será escolhido (eu particularmente prefiro receber um pequeno presente com um abraço ou mesmo só o abraço, e não é hipocrisia, antes que o digam... eu ajo assim)... enfim... vamos dividir calor humano e preservar tantas eventos em extinção, como reunião de primos (as); café na casa dos avós na tarde domingo; carteado em tarde chuvosa comendo "bolinhos de chuva"... Pra quem já viveu isso ou vive... sabe o quanto é humano e sublime ao mesmo tempo ter essas emoções. Parabéns... amei o texto!

August 4, 2011 at 11:01 AM  
Blogger Madalena said...

Seu bolo já está irradiando perfume pelo mundo... Obrigada por traduzir em palavras esse sentimento místico que eu tinha pelo fazer do bolo, preenchendo-o de ainda mais poesia e significado. Abraços!

August 26, 2011 at 7:35 AM  
Anonymous Isabel said...

Também achei uma delícia!
Uma mobilização à CALMA e ao AMOR..
Grata ao Antônio! Também agradeço à Sá, ótimo o comentário dela..

October 11, 2011 at 7:38 AM  
Blogger Raquel de Oliveira said...

Antonio. Conheci teu blog através de outro( Quartinho da Dany) Gostei tento do teu texto que estou aderindo a essa campanha de resgatar valores. Quero o bolo caseiro cheio de carinho!!
Fiz até um post sobre isso. Um abraço e obrigado pela reflexão.
www.coisinhasderaquel.blogspot.com

October 26, 2011 at 8:23 AM  
Blogger eu precisava registrar said...

Na verdade, ele cozinha sim. A avó dele é super conhecida por suas receitas e por um restaurante afetivo e já vi entrevista dela falando que todos os filhos e netos cozinham. E bem!

December 18, 2020 at 6:37 PM  
Blogger eu precisava registrar said...

Sou de uma cidade pequena. As pessoas ainda têm o hábito de fazer a comida das festas que promovem. Ao mudar de Estado, percebi como é comum as pessoas comprarem os famosos "kits festas". Nos meus aniversários sempre faço o bolo e ,por mais que saiam não tão apresentáveis, é o meu tempo e dedicação que busco ofertar.Espero não me acostumar aos kits. Espero continuar no estranhamento da sociedade dita "desenvolvida".

December 18, 2020 at 6:41 PM  

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