Dois e Dois
(crônica para o Guia do Estadão)
Ficar maduro talvez signifique deixar de lado as coisas para as quais a gente não leva jeito e dedicar-se àquelas em que há realmente alguma possibilidade de sucesso. Foi seguindo essa toada que desisti de ser astronauta aos oito, percebi que o futuro não estava no futebol lá pelos doze e perdi as baquetas e a ambição de ser baterista em alguma festa lá pelo terceiro colegial.
Ficar mais maduro talvez signifique retomar essas atividades quando chegamos perto dos trinta -- e nos damos conta de que há muito mais coisas entre o céu e a Terra do que “possibilidade de sucesso”. Foi seguindo essa toada que, na última quarta, com as pernas bambas de alegria e um sorriso juvenil no rosto, contei um, dois, três, quatro e, cercado de outros seis ex-futuros músicos, deixei todas as frustrações explodirem nos pratos, nos três primeiros acordes de Don’t let me down, dos Beatles.
A banda havia surgido uma semana antes, numa mesa de bar: uma dessas idéias que nos ocorrem depois da uma da manhã, quando o superego já está cantando a Jardineira, vestido de Pierrô, lá pros lados do Mandaqui e o saci começa a nos assoprar no ouvido desejos imprudentemente ambiciosos, como a morena da mesa ao lado ou a profissão de Ringo Starr. Como ficar mais maduro também significa perceber que a vida é curta e começar a levar a sério a imprudência, alugamos um estúdio, juntamos o punhado de alegres diletantes que há anos trocaram a alegria das cifras pela busca dos cifrões e, por algumas horas, fomos feliz para sempre.
Quinta-feira próxima virá o segundo ensaio. Nesse exato momento, enquanto ouve a entrevista de um deputado, um repórter de política repassa mentalmente os acordes de Like a rolling stone. Um editor deixa de lado um autor russo do século XIX e assovia Amada Amante. Um poeta abandona a busca pelo oxímoro perfeito que defina o Brasil para decorar a letra de Último Romântico. Uma jornalista de economia interrompe a nota sobre a fusão de dois gigantes do etanol e imagina os movimentos de seu violino em Eleonor Rigby. Uma produtora fecha o Excel e ouve, pela sexta vez no dia, Não vou ficar, em seu I-pod. Um escritor em Santa Cecília confunde as teclas do teclado com as do piano e outro, aqui em Perdizes, julga ouvir um prato toda vez que aperta o enter.
Ficar maduro talvez signifique, entre outras coisas, cantar a sério o que anos atrás só encararíamos sob as grosas malhas da ironia. Tocamos mal, mas somos felizes. Tudo certo – como dois e dois são cinco.
Ficar maduro talvez signifique deixar de lado as coisas para as quais a gente não leva jeito e dedicar-se àquelas em que há realmente alguma possibilidade de sucesso. Foi seguindo essa toada que desisti de ser astronauta aos oito, percebi que o futuro não estava no futebol lá pelos doze e perdi as baquetas e a ambição de ser baterista em alguma festa lá pelo terceiro colegial.
Ficar mais maduro talvez signifique retomar essas atividades quando chegamos perto dos trinta -- e nos damos conta de que há muito mais coisas entre o céu e a Terra do que “possibilidade de sucesso”. Foi seguindo essa toada que, na última quarta, com as pernas bambas de alegria e um sorriso juvenil no rosto, contei um, dois, três, quatro e, cercado de outros seis ex-futuros músicos, deixei todas as frustrações explodirem nos pratos, nos três primeiros acordes de Don’t let me down, dos Beatles.
A banda havia surgido uma semana antes, numa mesa de bar: uma dessas idéias que nos ocorrem depois da uma da manhã, quando o superego já está cantando a Jardineira, vestido de Pierrô, lá pros lados do Mandaqui e o saci começa a nos assoprar no ouvido desejos imprudentemente ambiciosos, como a morena da mesa ao lado ou a profissão de Ringo Starr. Como ficar mais maduro também significa perceber que a vida é curta e começar a levar a sério a imprudência, alugamos um estúdio, juntamos o punhado de alegres diletantes que há anos trocaram a alegria das cifras pela busca dos cifrões e, por algumas horas, fomos feliz para sempre.
Quinta-feira próxima virá o segundo ensaio. Nesse exato momento, enquanto ouve a entrevista de um deputado, um repórter de política repassa mentalmente os acordes de Like a rolling stone. Um editor deixa de lado um autor russo do século XIX e assovia Amada Amante. Um poeta abandona a busca pelo oxímoro perfeito que defina o Brasil para decorar a letra de Último Romântico. Uma jornalista de economia interrompe a nota sobre a fusão de dois gigantes do etanol e imagina os movimentos de seu violino em Eleonor Rigby. Uma produtora fecha o Excel e ouve, pela sexta vez no dia, Não vou ficar, em seu I-pod. Um escritor em Santa Cecília confunde as teclas do teclado com as do piano e outro, aqui em Perdizes, julga ouvir um prato toda vez que aperta o enter.
Ficar maduro talvez signifique, entre outras coisas, cantar a sério o que anos atrás só encararíamos sob as grosas malhas da ironia. Tocamos mal, mas somos felizes. Tudo certo – como dois e dois são cinco.
13 Comments:
adorei o texto! é ideal pra relaxar um pouco nós adolescentes que tamos nos mordendo aqui só de pensar que vamos ter de escolher algo pra fazer pro resto da vida.
e olha, adorei a trilha sonora.
A banda já tem backing vocal?
Talvez então eu ainda consiga ser uma artesã de Olinda.
como é bom ser um musico idoso e aproveitar as delicias da musica...
Foi exatamente nesse espírito que criei o meu blog: num consultório em Pinheiros, uma psicóloga deixa de lado o inconsciente e a transferência para escrever sobre reis, ladrões, polícias e capitães. Obrigada por expressar com tanta precisão e leveza algo tão árduo de se conquistar - parabéns à sua banda e a você (e a mim também!) pela recém-adquirida maturidade!
uhm... dá prá ter uma atriz interpretando qq coisa no canto do palco?
com a mesma lógica, comecei aulas de violão mês passado.
é difícil, mas decidi que gosto demais de música pra não tocar instrumento nenhum.
quem sabe a maturidade nos cante que sucesso mesmo é saber escolher ao que se dedicar.
;)
Adorei o texto, perfeito. Uma curiosidade: porque será que só há comentários de mulheres?
Um abraço
Foda!
Tô com 20, isso quer dizer que só faltam uns 8 anos para que eu crie coragem e me dedique ao teatro...(não que eu não curta ciências sociais, aiás, adoro...mas o teatro é um sonho antigo...)
belo parágrafo o que vai de "a banda" a "felizes para sempre".
...como dez e dez são doze.
...como mulheres e elefantes nunca esquecem.
É bom todos lembrarem disso, sempre.
Verdades explícitas encomodam?
esteja mesmo satisfeito que o teu dom pra escrita já está de bom tamanho.
só me faltava essa agora. além de escrever assim, ainda ser bom músico...
demais vai...
bjs
quando passar da faixa dos 30 vou ter um bolg!! o/
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