amores expresos, blog do ANTÔNIO

Monday, October 22, 2007

100% classe média

(publicado no Guia do estado)

Nós somos ricos?, perguntei à minha mãe, aos cinco anos. Eu achava que sim. Afinal, para mim, os pobres eram aquelas pessoas que eu via com uma prematura angústia, através do vidro de nosso Passat verde musgo, na pequena favela da Juscelino Kubitschek, perto de casa. Minha mãe disse que não éramos ricos nem pobres, éramos de classe média.
Achei o termo meio nebuloso e confesso que só fui entendê-lo realmente, em suas profundas implicações sócio-econômico-culturais, na última terça, durante o banho, quando o vizinho de cima deu a descarga e a minha água pelou. Eu gritei um palavrão, abri mais a torneira e, enquanto as costas voltavam a uma temperatura suportável, pensei: ah, então é isso.
Ser de classe média significa ter uma proximidade compulsória com os outros e, consequentemente, estar em constante negociação com o mundo. Afinal, você não está entre a minoria que faz as regras, nem junto à massa que apenas as seguem. Eu não imagino, por exemplo, o Antonio Ermírio numa reunião de condomínio, secando o rosto com um lenço e dizendo, exaltado: “nem vem, Dona Arminda, a vaga do 701 já tava prometida pra mim faz tempo, a senhora devia era cuidar do Arthur que faz um escarcéu com o patinete no playground bem depois das dez”.
Depois que minhas costas pelaram, comecei a me ver classe média a toda hora. Restaurante por quilo, por exemplo. Tem coisa mais classe média? Tudo bem, posso dizer que sou de uma classe média intelectualizada – o que significa que não ponho feijoada e sushi no mesmo prato --, mas seria ridículo negar minhas origens, na fila, diante de uma cestinha contendo “palha italiana” e ouvindo o mantra diário do capitalismo nosso de cada dia: “crédito ou débito?”
Rico não come em quilo nem morto. Ou você consegue imaginar, digamos, Paulo Skaff botando aquele tempero pronto para salada nuns ovinhos de codorna, enquanto aguarda um bigodudo gordo liberar o réchaud de croquetes?
Se um dia tiver de responder a um filho a pergunta que fiz à minha mãe, darei a explicação que ouvi de um comediante americano na televisão: “se no trabalho seu nome está escrito na roupa, você é pobre. Se o nome está escrito na mesa, você é de classe média. E se estiver escrito no prédio, você é rico”. Mas isso é coisa para me preocupar daqui a muitos anos. Urgente mesmo é, na próxima reunião de condomínio, colocar na pauta a questão da descarga do 204. 100% classe média.

13 Comments:

Blogger Thais said...

Nossa, você mora no 104? Eu também!

October 22, 2007 at 5:23 PM  
Blogger Lu De Francesco said...

i luv u

October 23, 2007 at 7:54 AM  
Blogger Karol Felicio said...

Adorei! Muito divertido! Mais uma fã para seu blog... Não consigo mais não te ler...
(coloquei um link do seu blog no meu, ainda estou engatinhando mas se tiver tempo: http://paguquemepariu.blogspot.com)

October 23, 2007 at 9:28 PM  
Blogger Deise Rocha said...

ki bom saber existe a "classe média intelectualizada"... rsrs


bjOo grande...

October 29, 2007 at 6:50 AM  
Blogger Ana Nogueira Fernandes said...

Minha mãe vive tendo que dizer pra eu não por lasanha e farofa no mesmo prato.
É um esforço pra manter a família na parte civilizada

uahuahauhauahuahuahuahuahauha

November 4, 2007 at 2:20 AM  
Blogger HELENA LEÃO said...

o pior são as divisões internas da classe média - classe média baixa (chevette rebaixado, adesivo "fui"), classe média média (o que???? pálio a prestação - adesivo "bebê a bordo" ou "fulano a bordo) e a tão sonhada classe média alta (algum carro sport, também no carnê - sem adesivos é claro)...o capitalismo é realmente complicado...

November 21, 2007 at 4:09 PM  
Blogger Edson Junior said...

O trecho

'tempero pronto para salada nuns ovinhos de codorna, enquanto aguarda um bigodudo gordo liberar o réchaud de croquetes'

me tocou profundamente, o senhor fique sabendo. Abraço.

December 13, 2007 at 6:40 AM  
Blogger barbara said...

"o mantra diário do capitalismo nosso de cada dia: “crédito ou débito?”"
Antônio Prata, você tem umas frases que são curingas!
Droga, já tou virando tiete, mas, ah, que me importa quantos comentários você tem, importa-me que eu comentei. Viva os blogs!

January 1, 2008 at 2:43 PM  
Anonymous Anonymous said...

adoro todas as suas cronicas!
acho inclusive q vc esta lado a lado com o verissimo,q pra mim era insuperavel!adorei essa cronica da classe media mas amelhor eh a do amos acaba.perfeita!
bjo de uma humilde fã!

March 14, 2008 at 3:07 PM  
Anonymous Anonymous said...

Quem usou o termo Classe média pela primeira vez? Qual era sua intenção?
Separar?
Separar quem de quem?
Por detrás de termos como:
-Classe média
-Terceiro mundo
existem ideologias.
Quais?
Aquelas que tem mantem contente com a tua situação
Aquelas que te fazem permancer grudado com a bunda no sofá vendo televisão.
Afinal você já ouviu alguém dizer:
SOu Classe rica ou sou Classe pobre.
è mais comum ouvir: Sou da classe média.Por que será?
Ninguém se declara rico e ninguém se declara pobre. Aí tem coisa!
Senhores, não basta apenas uma pitadinha de reflexão, é preciso uma tempestade de conhecimento misturado com um forte senso crítico para perceber qual é nossa situação neste mundo.

December 1, 2008 at 11:20 AM  
Blogger Sérgio St. Tavares said...

This comment has been removed by the author.

January 30, 2010 at 8:47 PM  
Anonymous Sérgio said...

Mais inquietante que pertencer à classe média, baixa ou alta, é pertencer à classe de pessoas 'comuns'. Há alguma coisa em certos grupos que os fazem pensar ou sentir que não são 'comuns'. Geralmente quando uma produtora de moda se refere a pessoas que não estão ligadas ao 'mundo da moda', se refere a elas como 'pessoas comuns'. (A mobilidade social me parece, cada vez mais, uma espécie de falácia: só se ajudam as classes semelhantes; um bom cargo vai a você por você QUERER, vontade de potência, mas não por você dizer que PRECISA do cargo. É assim que me parece.)
A questão das pessoas comuns, então, ganha contornos mais desesperadores quando não se sabe, exatamente, como definir as incomuns ou as comuns. Outra sutileza: quem acorda cedo é classe B ou é pessoa comum? Pode uma pessoa não-comum ser classe B e ter o privilégio de não levantar cedo pro trabalho? Alguns colegas de faculdade hoje têm horários mais flexíveis. Acontece em jornalismo, por exemplo. Contudo, teriam eles estes trabalhos porque já eram ricos e perpetuaram seu pool de genes com as mesmas condições de seus pais (ajudados pelos ricos e seu sentimento de grupo)?
Para mim, mais inquietante é saber-se pertencer a uma classe incomum - seria isso apenas mais um rótulo de uma variedade de tribos? Porque acordar cedo sabendo que você não é uma pessoa comum não é tão mal. Não é tão mal como acordar tarde e pensar: sou comum. Para quem estuda economia, ter dinheiro é não ser comum. Para outros, ser casado com uma desperate housewife é que é desesperadoramente comum.

January 30, 2010 at 8:51 PM  
Blogger Unknown said...

olhem esse video q achei na net de ume receia muito boa https://youtu.be/Z1-vP5Cy3bw

January 9, 2016 at 2:45 AM  

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