Mulher pelada
(crônica para a Capricho)
Toda sexta-feira ele chegava, num FIAT bege, para buscar a mim e a minha irmã. Pequenininhos, nos encaixávamos nos programas do pai separado e boêmio. Adorávamos: nos bares em que nos levava, éramos paparicados por mulheres bonitas e cheirosas, que riam alto e usavam roupas engraçadas. (Só muito mais tarde fui descobrir que a esse tipo de mulheres dá-se o nome de “atrizes”). Pedíamos coca, fanta e sprite e misturávamos tudo. Meu pai nos deixava comer pastéis, batatas-fritas, frango à passarinho e todo tipo de besteira, mandando por água abaixo, em minutos, toda a educação nutricional que minha mãe havia imposto durante a semana, com muito esforço, brócolis, sorrisos e papaias.
Nos períodos em que meu pai tinha alguma peça em cartaz, íamos ao teatro todo fim de semana. Lá pelos meus cinco anos, estreou a peça Besame Mucho. Era encenada no teatro Cultura Artística. Fica ali perto da Augusta, em meio a várias casas de strip e outros estabelecimentos cheios de neons e mistério, que eu olhava fascinado. Chegava a sentir uma certa pena do meu pai: o teatro dele me parecia o ponto mais desanimado de toda a rua, ofuscado por fachadas de castelos medievais, onde portas espelhadas davam para corredores esfumaçados e coloridos.
Perguntei o que eram aqueles lugares e meu pai disse que eram bares. Mas por que eram tão diferentes dos outros, em que comíamos frango a passarinho com Guara-cola? Meu pai explicou-me que naqueles bares havia mulheres peladas. Como?! Por que?! Do alto de minha meia década de existência, “mulher pelada” evocava a imagem de minha mãe ou irmã entrando ou saindo do banho, de toca na cabeça e toalha na mão. Não conseguia imaginar muito bem que razão levaria mulheres nuas a comer pastéis. Meu pai seguiu a explicação, deixando-me ainda mais confuso: homens que não tinham namorada pagavam para ver aquelas mulheres peladas. Imaginei uns caras tristes, barba por fazer, a preencher palavras-cruzadas e bebericar um chope, enquanto mães e irmãs nuas iam e vinham de chuveiros inexistentes. A coisa não fazia o menor sentido. Pedi para irmos a um daqueles bares. Meu pai explicou que era proibido para crianças. Pela primeira vez, alguma coisa pareceu-me lógica. Devia ser para evitar que víssemos aqueles homens tristes e sozinhos, perdidos entre neons e tocas de banho.
Só vinte anos depois atravessei um daqueles corredores. As mulheres eram bem diferentes do que havia imaginado no meio de minha infância, mas os homens estavam lá, exatamente como eu os havia pintado.
Toda sexta-feira ele chegava, num FIAT bege, para buscar a mim e a minha irmã. Pequenininhos, nos encaixávamos nos programas do pai separado e boêmio. Adorávamos: nos bares em que nos levava, éramos paparicados por mulheres bonitas e cheirosas, que riam alto e usavam roupas engraçadas. (Só muito mais tarde fui descobrir que a esse tipo de mulheres dá-se o nome de “atrizes”). Pedíamos coca, fanta e sprite e misturávamos tudo. Meu pai nos deixava comer pastéis, batatas-fritas, frango à passarinho e todo tipo de besteira, mandando por água abaixo, em minutos, toda a educação nutricional que minha mãe havia imposto durante a semana, com muito esforço, brócolis, sorrisos e papaias.
Nos períodos em que meu pai tinha alguma peça em cartaz, íamos ao teatro todo fim de semana. Lá pelos meus cinco anos, estreou a peça Besame Mucho. Era encenada no teatro Cultura Artística. Fica ali perto da Augusta, em meio a várias casas de strip e outros estabelecimentos cheios de neons e mistério, que eu olhava fascinado. Chegava a sentir uma certa pena do meu pai: o teatro dele me parecia o ponto mais desanimado de toda a rua, ofuscado por fachadas de castelos medievais, onde portas espelhadas davam para corredores esfumaçados e coloridos.
Perguntei o que eram aqueles lugares e meu pai disse que eram bares. Mas por que eram tão diferentes dos outros, em que comíamos frango a passarinho com Guara-cola? Meu pai explicou-me que naqueles bares havia mulheres peladas. Como?! Por que?! Do alto de minha meia década de existência, “mulher pelada” evocava a imagem de minha mãe ou irmã entrando ou saindo do banho, de toca na cabeça e toalha na mão. Não conseguia imaginar muito bem que razão levaria mulheres nuas a comer pastéis. Meu pai seguiu a explicação, deixando-me ainda mais confuso: homens que não tinham namorada pagavam para ver aquelas mulheres peladas. Imaginei uns caras tristes, barba por fazer, a preencher palavras-cruzadas e bebericar um chope, enquanto mães e irmãs nuas iam e vinham de chuveiros inexistentes. A coisa não fazia o menor sentido. Pedi para irmos a um daqueles bares. Meu pai explicou que era proibido para crianças. Pela primeira vez, alguma coisa pareceu-me lógica. Devia ser para evitar que víssemos aqueles homens tristes e sozinhos, perdidos entre neons e tocas de banho.
Só vinte anos depois atravessei um daqueles corredores. As mulheres eram bem diferentes do que havia imaginado no meio de minha infância, mas os homens estavam lá, exatamente como eu os havia pintado.
22 Comments:
gosto de te ler. e de te escrever. hoje não vou reclamar de nada. prometo. beijo grande.
Achei seu blog há alguns dias mas eu nunca comentei. Por vergonha, não sei, já que um comentário de uma nerd não ia fazer diferença no meio de outros 30 (melhores). xDD
Lindo, lindo. *-* Dude, tu é uma inspiração pra mim. :] E eu juro que se um dia tu resolver parar de escrever vou aí onde quer que tu esteja te dar uns tapas pra voltar ao normal.
Ou onde mais tu acha que eu leria sobre as idéias inocentes que um guri faz sobre um, erm, bem, um bar com moças nuas comendo pastéis?
Tá, tá, falei demais. Mas é que eu sou tua fan dhushd x]~
gênio! hahahahaha
y las maracas?
y lo café?
bah antonio, tu és um tratante.
muito muito bom meeesmo!!!
amo te ler!!
hum...
mentes de crianças...
qm dera o mundo ser assim...
ah, nova fã...
viu...
bjo e até...
É muito bom quando entro aqui e encontro novos textos. Atualize mais. Beijos
oie!até engraçado eu estar escrevendo,porque faz uns anos que li algo que vc escreveu(não sei como definir o que é...)e agora fui procurar mais "coisas" para ler...
o que mais me chama atenção é que é uma loucura verdadeira "Duendes,pipocas e gafanhotos"mais a verdade e totalmente verdadeira!rs
foi para a revista capricho..e na época fiquei pensando quem escreve coisas tão verdadeiras,e fica com total sentido?!
estou começandoa querer rimar,e nossaaaa,eu realmente não sei..só sei que amei todos os que estou lendo...faz mais ou menos uma hora que estou aqui lendo...alias?!não tem coisa melhor!!!
Beijos da sua admiradora!
PS:"Mulher Pelada,realmente é interessante...mais será que ali só vão realmente homens "tristes"?
acho que não...
talvez,vc não olhou o real sentido da presença deles ali..
bjão
Quando ainda era uma leitora de Capricho, sua coluna era minha preferida. Cresci, mudei de lado e hoje sou jornalista (inclusive do mesmo prédio). Estou do mesmo lado agora e seus escritos ainda me parecem bem bacanas. Engraçado como certas coisas boas a gente carrega pra sempre junto.
Quando vem o próximo livro?
eu moro ali pertinho e vejo isso todos os dias.
A visita ao outro bar merece um post.
Oie! :)
Sou maior viciada no teu blog.... como to no exterior nem da pra eu dar uma bisolhada nas Caprichos alheias e te ler, uma pena..
Beijao pra ti!!!!!!!!!
Adoro ler teus textos...
Como sempre, ótemo!
eu tbm tinha várias viagens quando era criança...acho que teria sido melhor continuar com elas...
beijo!
Não bastasse essa infância de arrancar lágrimas você ainda precisa escutar das meninas: adoro o Mário! Que Mário? Seu pai, ora essa, quem mais poderia ser!?
Cara, eu, se fosse você, me internava na terapia.
Finally! *.*
Texto perfeito!
Você cruzou um daqueles corredores?
ahsuhauhsa... Vc não precisa dessas coisaaas!
Muito bom :**
Oi Antônio, não sei se vai ler meu comentário... mas mesmo assim vou escrever. Me chamo Jaqueline e sou estudante de psicologia, comecei a ler seus textos pela revista capricho depois achei o seu blog, há uns tempos atrás, mas nunca comentei. Eu estou aqui escrevendo para parabenizá-lo,admiro muito a forma como escreve e tenho lido todos os seus textos e gosto muito!! Olha, saiba que tem uma fã... que sonha em um dia saber escrever e se expressar em palavras tão bem quanto você! PARABÉNS!!!! (se for possível, assim... me responda...)
Um beijo de sua fã n°1.
desconhecia a existência do seu blog oh, e que bom que o encontrei.
cheguei aos meus 14 anos e tardiamente descobri que comprava capricho com essa idade só pra ler sua coluna. agora realmente não me fará mais falta.
tá de parabéns pela crônica, como sempre
:*
Não tenho um comentário inteligente para fazer.
Mas tenho uma tímida declaração,
você parou a minha respiração, em alguns trechos.
Te linkei no meu blog pessoal.
Beijos da escritora Li.
Meu livro online
www.noquartoaolado.blogspot.com
Massagear o ego às vezes faz bem: Adoro sua escrita.
Enfim, acompanho seu blog e sempre surge aquela coceira de deixar um comentário. Coceira que logo passa quando a vergonha coça. Coisa de quem também arrisca escrever e fica avexado quando admira um escritor de verdade.
Mas hoje tive um surto de identificação quando li "Mulher pelada" e resolvi me abrir, tipo mulher neurótica que guarda tudo, e na primeira vez em consulta com o analista conta a vida inteira. Não te conheço pessoalmente, mas imagino agora uma expressão assustada ao imaginar uma leitora que quer feed back pessoal. Calma! Não é bem assim...
O post me fez lembrar uma excursão em 1996, a primeira vez que assisti a uma peça em São Paulo: "O Burguês Ridículo" com Marco Nanini. Aquele ônibus vindo de Piracicaba - cheio de crianças eufóricas, o "Pão na casa do João" ,uma professora bem intencionada e os néons ao redor do Cultura Artística. Embora eu não tivesse absorvido muito bem comédia de Molière toda a magia efêmera do teatro me conquistou. Mas eu fiquei a imaginar por que os homens tristes e as mulheres quase despidas frequentavam o teatro. Anos mais tarde eu vim morar em São Paulo e percebi que os barbudos e as moças continuam por ali, mas com razões diferentes das que eu imaginava quando criança. Hoje compreendo que eles procuram alguma arte que inspire seus olhares, alguém que satisfaça suas vontades. Mas o que eu gostaria mesmo é que eles frequentassem o teatro.
Minha cachorra comeu um dos meus Marcianos, o seu ainda está disponível para negociação? Rs...
Sem comentários.
Crônica M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-A.
Parabéns! (;
Great, além de gato, muito inteligente. E cuidado para não setornar um desteshomens. bjs
It's a naked fun!
http://nakedfriends.blogspot.com/
http://seyxbeiby.blogspot.com/
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