PROMESSA
(publicado na revista Claudia)
“Há alguns dias, Deus – ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus – enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor.”
Quando cheguei ao bar e a vi, rodeada de rostos conhecidos; quando sentei, sorrindo, depois de dar oi a todos e falando alguma dessas bobagens que a gente fala ao chegar, e os outros riem, e nos sentimos acolhidos na turma de cinco amigos em meio a dezoito milhões de desconhecidos; não percebi o que estava para acontecer. Achei-a bonita, ponto. E pensei – no momento em que puxava a cadeira para sentar-me – quem é essa moça bonita que eu não conheço, em meio aos outros que conheço tanto?
A primeira impressão é a que fica -- para trás. Pelo menos no meu caso. A imagem inicial que tenho de pessoas e lugares não tem nada a ver com a que se constrói depois de um tempo. Se naquele momento me perguntassem, portanto, o que eu achava da menina bonita, não iria me derreter em superlativos. Mas quando ela sorriu pela primeira vez, e a curva do sorriso foi abrindo caminho pelas bochechas e apontando para cima, em direção a dois olhões pretos e inteligentes, pensei assim: eu poderia amar essa mulher.
Não, não foi amor à primeira vista. Eu não estava loucamente atraído por ela, nem apaixonado. Não senti vontade de pular em cima e beijá-la imediatamente, nem aquela afobação que a gente já não sabe se é desejo ou consumismo, tipo: preciso dela imediatamente. Eu estava calmo. O amor é calmo.
Eu seria uma besta se dissesse que vi nos olhos dela a mesma perspectiva. Não vi. Aliás, mulher não é assim tão boba de dar bola em cinco minutos de conversa. O que reparei foi que ela me olhava curiosa: quem é esse cara que chegou? O que ele faz? O que ele pensa das coisas? E não houve uma frase que eu tenha dito aquela noite, um gesto que eu tenha feito, que não tenha sido, mesmo que indiretamente, para ela. Tomei cuidado para não deixar transparecer. (Nada menos atrativo, ao errarmos na dose, que o desejo). Mas ela soube -- e vi que gostou daquela atenção, tão exagerada quanto disfarçada.
Desculpe dizer, impaciente leitora, que não aconteceu nada de concreto. Nem beijos, nem champanhe, arranhões ou lençóis. Alguns chopes, algumas risadas arrancadas à fórceps com minhas piadas (e comemoradas como gols do Brasil, internamente) e, tenho certeza – no final eu tive certeza – uma mútua promessa de amor.
Eu poderia contar outras histórias, mais felizes e intensas, mas não valeriam à pena. Nós inflacionamos a felicidade. Ela está por aí, gasta, em propagandas de Campari, em outdoors de pasta de dentes, em livros, filmes, melodias e novelas das seis. Nenhuma felicidade real chega aos pés dessa que criamos. A única felicidade possível, acredito, é a promessa de felicidade. Já não há mais espaço para happy ends. Só para happy beginings. Esse é o meu. Foi ontem que conheci essa mulher. Não tenho a menor idéia do que pode acontecer, mas agradeço à vida por ter me enviado esse “presente ambíguo: uma possibilidade de amor” (...) “Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome.”
Ps. A citação lá no começo e as aspas do final são da crônica Pequenas Epifanias, de Caio Fernando Abreu, que está no livro de mesmo nome, Ed. Agir.
“Há alguns dias, Deus – ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus – enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor.”
Quando cheguei ao bar e a vi, rodeada de rostos conhecidos; quando sentei, sorrindo, depois de dar oi a todos e falando alguma dessas bobagens que a gente fala ao chegar, e os outros riem, e nos sentimos acolhidos na turma de cinco amigos em meio a dezoito milhões de desconhecidos; não percebi o que estava para acontecer. Achei-a bonita, ponto. E pensei – no momento em que puxava a cadeira para sentar-me – quem é essa moça bonita que eu não conheço, em meio aos outros que conheço tanto?
A primeira impressão é a que fica -- para trás. Pelo menos no meu caso. A imagem inicial que tenho de pessoas e lugares não tem nada a ver com a que se constrói depois de um tempo. Se naquele momento me perguntassem, portanto, o que eu achava da menina bonita, não iria me derreter em superlativos. Mas quando ela sorriu pela primeira vez, e a curva do sorriso foi abrindo caminho pelas bochechas e apontando para cima, em direção a dois olhões pretos e inteligentes, pensei assim: eu poderia amar essa mulher.
Não, não foi amor à primeira vista. Eu não estava loucamente atraído por ela, nem apaixonado. Não senti vontade de pular em cima e beijá-la imediatamente, nem aquela afobação que a gente já não sabe se é desejo ou consumismo, tipo: preciso dela imediatamente. Eu estava calmo. O amor é calmo.
Eu seria uma besta se dissesse que vi nos olhos dela a mesma perspectiva. Não vi. Aliás, mulher não é assim tão boba de dar bola em cinco minutos de conversa. O que reparei foi que ela me olhava curiosa: quem é esse cara que chegou? O que ele faz? O que ele pensa das coisas? E não houve uma frase que eu tenha dito aquela noite, um gesto que eu tenha feito, que não tenha sido, mesmo que indiretamente, para ela. Tomei cuidado para não deixar transparecer. (Nada menos atrativo, ao errarmos na dose, que o desejo). Mas ela soube -- e vi que gostou daquela atenção, tão exagerada quanto disfarçada.
Desculpe dizer, impaciente leitora, que não aconteceu nada de concreto. Nem beijos, nem champanhe, arranhões ou lençóis. Alguns chopes, algumas risadas arrancadas à fórceps com minhas piadas (e comemoradas como gols do Brasil, internamente) e, tenho certeza – no final eu tive certeza – uma mútua promessa de amor.
Eu poderia contar outras histórias, mais felizes e intensas, mas não valeriam à pena. Nós inflacionamos a felicidade. Ela está por aí, gasta, em propagandas de Campari, em outdoors de pasta de dentes, em livros, filmes, melodias e novelas das seis. Nenhuma felicidade real chega aos pés dessa que criamos. A única felicidade possível, acredito, é a promessa de felicidade. Já não há mais espaço para happy ends. Só para happy beginings. Esse é o meu. Foi ontem que conheci essa mulher. Não tenho a menor idéia do que pode acontecer, mas agradeço à vida por ter me enviado esse “presente ambíguo: uma possibilidade de amor” (...) “Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome.”
Ps. A citação lá no começo e as aspas do final são da crônica Pequenas Epifanias, de Caio Fernando Abreu, que está no livro de mesmo nome, Ed. Agir.
22 Comments:
iii, prepare-se, as leitoras desse blog vao ficar com ciume!
Mas como sempre, outro texto lindo...
Boa sorte com o seu comeco de amor!
*suspiro* lindo, lindo! e eu estou sensível hj...
eu deveria encontrar felicidade nesses happy beginings, porque raramente algo passa disso. tvz a sabedoria consiste nisso, em aproveitar o começo sem esperar por uma continuação, ou um final, feliz.
"Inflacionamos a felicidade"...nunca em meus 20 anos tinha pensado nessa expressão, que é mais que verdadeira...
A possibilidade de se poder amar é o maior presente que podemos ter...não o amor rápido, mas esse calmo sobre o qual vc fala na crônica...
Linda!
ciúmes mesmo! rs
só não pode ficar apaixonado e perder a inspiração. Adoro tudo q vc escreve.
Bjo e boa sorte!
ciúmes mesmo! rs
só não pode ficar apaixonado e perder a inspiração. Adoro tudo q vc escreve.
Bjo e boa sorte!
Lindo, adorei!
Bonito de doer.
Aliás, o que seu não dói?
...dói principalmente aquele pedaço nosso, por alcunha "diafragma",de dar tanta risada.
E...isso vai soar como parabéns atrasado de aniversário...mas mesmo assim: parabéns por How do you do Dutra. Essa também pediu um analgésico.
Entrei aqui nem sei como, só sei que gostei.
E qual não foi a minha surpresa ao ver o nome do Barão no post abaixo?
As conversas com ele sempre são interessantes.
Percebi que estou precisando de possibilidades.
Abraço.
De novo, Mari Bocorny como =/
Que post profundo. Sei lá... Ficou muito show. Parece que eu te escuto falando ^^. O que é estranho, já que a única vez que eu te vi foi na última Jornadinha e nem prestei atenção no que você falou (eu sei, foi terrível eu ter feito isso. mas estou me redimindo ao adorar as tuas colunas e os seus posts. não estou?). Mas, ainda assim, foi uma coluna linda. Amei. De coração.
Se mais pessoas procurassem por happy beginnings teriamos mais happy endings, não acha?
E, para variar, eu adorei o texto!!! LINDO, LINDO, LINDO, LINDO, LINDO, LINDO! Básico, né?
Beijocaaaas
=***
Se vc quiser escrever um dia uma história de amor, acaso e mil e uma esquisitices, é só me chamar. tenho uma fresquinha acontecendo em vida real. Beijos
que bonitinho...
a realidade, afinal, é sempre mais possibilidade que fato.
eu, se fosse tu, me jogava nesta moça!
Ai, esses seus textos me dão vontade uma vontade de abraçar o computador. Tipo assim: obrigada por fazer essa besta aqui ler uma coisa dessas hoje.
No dia de Santo Antônio, vc foi o Antonio que me aliviou a alma, viu?
Estava sufocada por essa agonia de esperar por um dia que parece nunca chegar.
acho que você fica bem bonitinho de barba. aproveita que o inverno vem ai.
beijoca.
ai, ai.
lindo... e essa parte "Nós inflacionamos a felicidade. Ela está por aí, gasta, em propagandas de Campari, em outdoors de pasta de dentes, em livros, filmes, melodias e novelas das seis. Nenhuma felicidade real chega aos pés dessa que criamos. A única felicidade possível, acredito, é a promessa de felicidade. Já não há mais espaço para happy ends. Só para happy beginings." SEM PALAVRAS! disse tudo, como sempre... adoro as coisas que você escreve (:
Menino!!
Achei...
Como q vc escreve uma coisa dessas na Revista Claudia???
heim??? assim...sem final e coisa e tal???
heim??? e a minha curiosidade??
como fica???
rs...
brincadeira...
é q adoraria saber como foi o desenrolar da historia...
saber se ela realmente superou todas as suas espectativas...
se puder responder...
ou continuar na Claudia...
rs...
Per-fei-to! Tão verdadeiro esse teu texto...
Meus parabéns pela sinceridade. AMEI!!!Acho que JÁ É um happy end!
Prometi enviar para uma irmã minha uma crônica tua. Aquela da receita de como construir um texto... o lance da sopa e tal. Hoje, enquanto cumpria a minha promessa, percebi que a havia deletado. Fiz uma busca no google e caí, felizmente e com certa surpresa, no teu blog. Agora vou ficar uns dias. Licença.
que inveja dessa moça...
perguntinha: de quem a frase no início do post?
ai, ai...que vontade disso tudo, de novo...
Como sempre antonio.. outro texto lindo (:
Estava 'out' do seu blog mas voltei.
Eu sou sua fã
SEus textos são inspiradores
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