ALGUMA COISA MELHOR PRA FAZER
Eu não vou sair de casa porque tenho que escrever o romance. Eu não vou sair de casa porque tenho que escrever o romance. Eu não vou sair de casa porque tenho que escrever o romance. Eu não ia sair de casa porque tinha que escrever o romance.
Então, da Mercearia nós fomos – seis homens num Ford Ka – para uma festa no Berlim. Seis homens num Ford Ka é das ocorrências mais ridículas sobre a face da Terra. Durante o trajeto falou-se de dois assuntos: o aperto ali dentro e operações de troca de sexo – talvez pelo receio de uma possível gangrena advindo dos condenados ao banco de trás.
Quando chegamos ao Berlim, o papo tinha mudado um pouquinho e Fialho afirmava que tá cheio de mulher que tira uma costela para ficar com a cintura mais fina. Eu jurava que isso era impossível e os outros quatro apenas ouviam e evitavam tomar posição, mesmo porque, naquele sufoco, a única posição possível era aquela em que eles já estavam.
Chegamos. A multidãozinha saiu do carro. O flanelinha nos olhou com um misto de pena e ironia. O segurança foi babaca, como se nós fôssemos esse tipo de gente -- que nós, de fato, éramos --, que se mete, seis, num Ford Ka, e se joga na balada atrás das mina. Uhu.
Primeira verdade absoluta inferida na noite de ontem: estou muito velho para frequentar baladas onde demora mais para comprar uma cerveja do que para bebê-la. Aliás, acho que estou muito velho para chamar programas noturnos de balada. Decididamente, estou muito velho para andar, com cinco homens, num Ford Ka.
Ficamos uns quarenta minutos ali, zanzando, em meio a umas duzentas pessoas que também zanzavam. Tive uma conversa rápida com uma ex-namorada que eu não via faz tempo e gosto muito. Ela disse que capotou o carro. Disse que a vida tinha literalmente dado uma virada e agora ela queria ter filhos. Perguntou se eu acreditava nessas coisas e eu disse que sim, sem nenhuma ironia. E não sei por que cargas d´água resolvi, já que a gente estava falando coisas profundas, dizer que ela tinha se comportado muito mal há uns anos, quando tivemos um revival e ela sumiu sem mandar nem um e-mail. Não era pra ofender, nem pra começar uma discussão, era só uma coisa que eu queria falar. Ela disse que tinha mandado um e-mail, sim. Eu disse que ela não tinha mandado e-mail, não. Então nenhum dos dois soube mais o que dizer, era absolutamente inoportuno puxar um papo sobre troca de sexo ou extração de costelas, ela disse “é, eu sou uma escrotona”, coisa que nós dois sabemos que não é verdade, virou as costas e sumiu.
Tive uma rápida e interessante conversa sobre design com o Barão, que me explicou coisas muito curiosas sobre a cama, os copos e a função das meias, então decidimos, os seis homens, voltar para o Ford Ka e ver o que estava acontecendo do CB, ali do lado. No meio do caminho nos demos conta de que faltavam dois. Caralho, tínhamos esquecido o Zé e o Barão. Peguei uma direita, depois uma esquerda e, quando vi, estava na Avenida Paulista. Liguei para o Zé, expliquei a situação e eles foram andando. Chegamos ao CB na mesma hora.
Custava quinze reais para entrar, a pequena autoridade da porta, ou a porta da pequena autoridade, disse que não importava que fosse três e meia da manhã. Daniel citou a máxima de algum pré-socrático, “vocês têm alguma coisa melhor para fazer?”, e entramos. Dentro do CB era idêntico a dentro do Berlim e nós, os quatro homens do Ford e os dois a pé, ficamos zanzando, tendo conversas picadas com conhecidos e dançando ao lado de desconhecidas. Algumas vezes, os seis em torno da mesma desconhecida que, mui prontamente, saía de fininho. Tomamos Guiness, dançamos, Paulo chegou com sua jaqueta de couro, camiseta do Luis Miguel e lábia maldita e me convenceu, às cinco da manhã, a ir a uma festa. Eu disse que era impossível haver uma festa com gente dentro, quarta, às cinco da manhã. Ele disse que não era. E como, mais uma vez, não tínhamos nada melhor a fazer, fomos.
Foi ali no caminho, quando éramos dois num ford ka, que tive o primeiro lampejo existencial e me dei conta de que estava atravessando uma noite absolutamente vazia e sem sentido ao fim da qual minha vida não haveria mudado nem um milímetro, apenas minhas roupas teriam um terrível cheiro de cigarro. Será que eu estaria atravessando uma vida absolutamente vazia e sem sentido?
A festa de fato existia e havia umas dez pessoas -- que há uns dez anos atrás eu chamaria de “uns dez adultos” -- conversando. A dona era simpaticíssima e quando vi estava na cozinha diante de um prato de peru, arroz amarelo e umas panquequinhas que não consegui descobrir do que eram, mas comi umas quinze.
Quando você se vê numa cozinha desconhecida comendo panquequinhas e peru às cinco e meia, acha que a vida às vezes pode ficar bem estranha. Talvez por isso não se importe em participar, com sete desconhecidos (um deles, um garoto de uns nove anos), da dança das cadeiras, ao som de Rita Lee. O dia amanheceu, o moleque ganhou, eu fui para casa e pensei: afinal, o que eu quero com isso tudo? São sete da noite e, sinceramente, ainda não sei.
Agora com licença que, como eu ia dizendo, tenho que escrever o romance.
Então, da Mercearia nós fomos – seis homens num Ford Ka – para uma festa no Berlim. Seis homens num Ford Ka é das ocorrências mais ridículas sobre a face da Terra. Durante o trajeto falou-se de dois assuntos: o aperto ali dentro e operações de troca de sexo – talvez pelo receio de uma possível gangrena advindo dos condenados ao banco de trás.
Quando chegamos ao Berlim, o papo tinha mudado um pouquinho e Fialho afirmava que tá cheio de mulher que tira uma costela para ficar com a cintura mais fina. Eu jurava que isso era impossível e os outros quatro apenas ouviam e evitavam tomar posição, mesmo porque, naquele sufoco, a única posição possível era aquela em que eles já estavam.
Chegamos. A multidãozinha saiu do carro. O flanelinha nos olhou com um misto de pena e ironia. O segurança foi babaca, como se nós fôssemos esse tipo de gente -- que nós, de fato, éramos --, que se mete, seis, num Ford Ka, e se joga na balada atrás das mina. Uhu.
Primeira verdade absoluta inferida na noite de ontem: estou muito velho para frequentar baladas onde demora mais para comprar uma cerveja do que para bebê-la. Aliás, acho que estou muito velho para chamar programas noturnos de balada. Decididamente, estou muito velho para andar, com cinco homens, num Ford Ka.
Ficamos uns quarenta minutos ali, zanzando, em meio a umas duzentas pessoas que também zanzavam. Tive uma conversa rápida com uma ex-namorada que eu não via faz tempo e gosto muito. Ela disse que capotou o carro. Disse que a vida tinha literalmente dado uma virada e agora ela queria ter filhos. Perguntou se eu acreditava nessas coisas e eu disse que sim, sem nenhuma ironia. E não sei por que cargas d´água resolvi, já que a gente estava falando coisas profundas, dizer que ela tinha se comportado muito mal há uns anos, quando tivemos um revival e ela sumiu sem mandar nem um e-mail. Não era pra ofender, nem pra começar uma discussão, era só uma coisa que eu queria falar. Ela disse que tinha mandado um e-mail, sim. Eu disse que ela não tinha mandado e-mail, não. Então nenhum dos dois soube mais o que dizer, era absolutamente inoportuno puxar um papo sobre troca de sexo ou extração de costelas, ela disse “é, eu sou uma escrotona”, coisa que nós dois sabemos que não é verdade, virou as costas e sumiu.
Tive uma rápida e interessante conversa sobre design com o Barão, que me explicou coisas muito curiosas sobre a cama, os copos e a função das meias, então decidimos, os seis homens, voltar para o Ford Ka e ver o que estava acontecendo do CB, ali do lado. No meio do caminho nos demos conta de que faltavam dois. Caralho, tínhamos esquecido o Zé e o Barão. Peguei uma direita, depois uma esquerda e, quando vi, estava na Avenida Paulista. Liguei para o Zé, expliquei a situação e eles foram andando. Chegamos ao CB na mesma hora.
Custava quinze reais para entrar, a pequena autoridade da porta, ou a porta da pequena autoridade, disse que não importava que fosse três e meia da manhã. Daniel citou a máxima de algum pré-socrático, “vocês têm alguma coisa melhor para fazer?”, e entramos. Dentro do CB era idêntico a dentro do Berlim e nós, os quatro homens do Ford e os dois a pé, ficamos zanzando, tendo conversas picadas com conhecidos e dançando ao lado de desconhecidas. Algumas vezes, os seis em torno da mesma desconhecida que, mui prontamente, saía de fininho. Tomamos Guiness, dançamos, Paulo chegou com sua jaqueta de couro, camiseta do Luis Miguel e lábia maldita e me convenceu, às cinco da manhã, a ir a uma festa. Eu disse que era impossível haver uma festa com gente dentro, quarta, às cinco da manhã. Ele disse que não era. E como, mais uma vez, não tínhamos nada melhor a fazer, fomos.
Foi ali no caminho, quando éramos dois num ford ka, que tive o primeiro lampejo existencial e me dei conta de que estava atravessando uma noite absolutamente vazia e sem sentido ao fim da qual minha vida não haveria mudado nem um milímetro, apenas minhas roupas teriam um terrível cheiro de cigarro. Será que eu estaria atravessando uma vida absolutamente vazia e sem sentido?
A festa de fato existia e havia umas dez pessoas -- que há uns dez anos atrás eu chamaria de “uns dez adultos” -- conversando. A dona era simpaticíssima e quando vi estava na cozinha diante de um prato de peru, arroz amarelo e umas panquequinhas que não consegui descobrir do que eram, mas comi umas quinze.
Quando você se vê numa cozinha desconhecida comendo panquequinhas e peru às cinco e meia, acha que a vida às vezes pode ficar bem estranha. Talvez por isso não se importe em participar, com sete desconhecidos (um deles, um garoto de uns nove anos), da dança das cadeiras, ao som de Rita Lee. O dia amanheceu, o moleque ganhou, eu fui para casa e pensei: afinal, o que eu quero com isso tudo? São sete da noite e, sinceramente, ainda não sei.
Agora com licença que, como eu ia dizendo, tenho que escrever o romance.
30 Comments:
gostei muito do texto!!!
^^
abraço.
nossa... que noite hein?
tinha q ser do sr. antonioo..
hehe!
simplesmente incrível essa narração...
ameii...
parabéns...
seus textos estão cada dia melhores!
Um beijo e um abraço carinhoso, da sua admradora,
Amanda Scherer.
ps. Sorte com seu romance, já estou curiosa!
:*
sensacional!
nao escrevo nunca aqui, mas sempre acompanho. e ainda faço propaganda! hehe
saudade do meu cronópio favorito.
beijos!!
Pô, Antonio, isso é o caos total! E a lama, como anda?
Bjs.
ah, como eu queria ter assistido essa danca da cadeira e visto a felicidade do molequinho de 9 anos ganhando de todo os "adultos"...
pena que eu to naquela outra Berlin, lá longe, e que mesmo se estivesse em Sao Paulo nao teria ido pra festa, porque pra comecar nem te conheco.
Antonio, tou acompanhando teu blog e morro de rir com as suas narrações...kkkk! Nossa, vc é muito cômico! Boa sorte com o romance!
Antonio, tou acompanhando teu blog e morro de rir com as suas narrações...kkkk! Nossa, vc é muito cômico! Boa sorte com o romance!
Cheguei aqui, vi e gostei. Considere-se "linkado" em meu blogue... Abraços!
Eu sei q o meu user tá como =/. Mas eu não sei como mudar. Mas é a Mariana Bocorny. Sei lá se isso ajuda em alguma coisa, xP. Tanto faz, vamos ao comentário.
Uh. Eita quarta-feira agitada, né? O mais tarde que eu fiquei numa festa foi numa rave de 12 horas que eu cansei as 6 da manhã e tava quase dormindo em pé. E quando eu cheguei em casa as 6 da manhã, minha mãe brigou comigo.
Mas então... Toda a experiência é válida, principalmente para um livro. O importante é que você saiu vivo disso... xP
Pela quarta vez, eu acho, boa sorte com o livro. =) Tô louca pra ler! E ainde espero algum comentário mais, hm, detalhado sobre o livro. xP
Mas é isso... =)
Beijocas!!!
=***
Bem-vindo ao meu mundo. Mas, só pra constar em ata, você bebe?
Socialmente, Helder. O problema é que sou extramamente sociável...
dia desses, tava numa balada c uma tentativa de banda no palco, fazendo um som e c os músicos saindo do palco no meio da música. meu amigo vira p mim e diz "as vezes você tem a impressão de q não sabe por que está naquele lugar?"
é por aí, neh?
Acho que 6 caras num Fusca ficaria mais apertado. Sem contar o apelo erotico de 6 caras apertados dentro de um carro XD
Nossa, eu daria tudo pra ter ficado em casa assitindo qualquer filme que tivesse passando no Corujão
se o livro ficar tão bom quanto esse blog eu...vou pedir pra alguém me dar de presente!
abração,
:)
parabéns! seu mundo é ainda mais surreal que o meu.
Quer dizer...subsitutindo o "escrever o romance" por "escrever a tese", diria que ficou quase igual. Assim, pelo Ford Ka, o Ford Ka é diferente.
antonio: é isso. é exatamente isso! abs,
o pior é ter esses questionamentos aos 17...
ah, todo mundo sabe que não dá pra ganhar de garotinhos de 9 anos na dança das cadeiras, duh.
beijos!
este é o mesmo antonio prata das "pernas da tia corália"?
saludos cordiales
andretroiano@gmail.com
Por isso que, quando eu crescer, vou escrever igual ao Antônio!
eternamente fã!
;)
oi pratinha,quando tempo!estive hoje com marcelino na bienal do livro aqui em natal.já soube que vc vem pra mossoró em outubro.bjsssss
OBRIGADA
PELO
COMENTARIO
MEU
QUERIDO!
UM
BEIJO
E
BOA
SORTE
EM
SUA
LOUCA
VIDA
:)
.
Parabéns, Antonio!!
Sou sua fã incondicional!!!! Vc é O cara!
Seu novo blog está ótimo... e boa sorte no seu romance!!
Abraços
Hahaha, eu tô tentando imaginar quatro pessoas no banco de trás de um ka, pq não cabem nem três magros, mto magros... Duvido que não teve pelo menos um no colo de alguém!
É verdade sim! Tem gente que tira costelas cirurgicamente pra emagrecer! (onde é que nós vamos parar?)Se os seus amigos tivessem tirado, cada um, umas duas costelas, com certeza ficariam mais confortáveis no banco traseiro do seu Ford Ka.
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Ah querido...se você trabalhasse melhor essas escápulas...teria sem dúvida ganhado do garoto, já que sua perspicácia é imbatível.
Iniciarei visitas regulares,tá muito bom.
Beijinho
Maíra
um bando de homens, num FordK, ngn merece...
olha-olha.
eu que pegava na escola as Caprichos das minhas amigas só pra ler a última folha encontrei com enorme prazer o seu blog!
adorei o texto!
até.
;)
te adoro.
Hahahahhaahahahahhaha.
beijos
Nina (a Lemos)
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