VOVÓ JÁ SENTIU VOLÚPIA
(Publicado no Guia do Estadão)
Não acredito em Deus, destino, karma ou qualquer outro nome a conduzir “a carroça de tudo pela estrada de nada”, como disse Fernando Pessoa. Penso que o córtex frontal, o placar do futebol e a floração das cerejeiras são resultado de algumas regras básicas da natureza e do bom, velho e desinteressado acaso.
Tal postura não faz de mim um pessimista resmungão, muito pelo contrário: não crer que haja qualquer roteiro por trás dos eventos deixa-me constantemente assombrado diante dos fatos inexplicáveis da vida. Por exemplo: há na rua Padre João Manuel, num muro do Conjunto Nacional, a seguinte pixação: “Vovó já sentiu volúpia”. A primeira vez que a vi, devia ter uns oito anos de idade. De lá pra cá, avenidas foram construídas, o Carandiru foi demolido, bairros inteiros surgiram do nada, a minha casa recebeu umas dez demãos de tinta, a livraria Cultura mudou-se, o Cinearte virou Bombril, mas a frase permanece, misteriosamente intocada.
Há uns vinte anos, reflito: qual o seu significado? Será uma pixação avulsa? Ou parte de uma série de outras questões sobre o sexo e o tempo espalhadas pela cidade, tipo “A menopausa espera pelo bebê”, “Amanhã ainda será ontem” ou “espermatozóides já são calvos”? Mais ainda: como, em São Paulo, num muro tão nobre e a despeito de chuvas ácidas, empreiteiros gananciosos e Vaporetos exterminadores, a vovó pode seguir exibindo sua ex-volúpia, sem ser incomodada?
Outro dia, passando pela Al. Santos, vi que haviam construído no muro uma porta de metal. Corri até lá e me dei conta – consternado como um arqueólogo diante das estátuas destruídas no Afeganistão – de que haviam mutilado um pedaço da volúpia.
No pasarán!, sussurrei para minha esfinge sem nariz, já ciente do iria fazer: entrar com um pedido de tombamento no IPHAN. Afinal, uma pixação de vinte anos está para a história da cidade como um prédio de duzentos. Acho importante a sua manutenção, não só arquitetonicamente, mas por seu conteúdo, digamos assim -- hum, hum --, simbólico. São Paulo é um caos, os sobrados morrem pisoteados pelos horrores neoclássicos, as margens das represas são invadidas, os rios são esgotos, mas a volúpia da vovó permanece, inscrita em vermelho, em área nobre, since (mais ou menos)1987. Não é um consolo?
Não acredito em Deus, destino, karma ou qualquer outro nome a conduzir “a carroça de tudo pela estrada de nada”, como disse Fernando Pessoa. Penso que o córtex frontal, o placar do futebol e a floração das cerejeiras são resultado de algumas regras básicas da natureza e do bom, velho e desinteressado acaso.
Tal postura não faz de mim um pessimista resmungão, muito pelo contrário: não crer que haja qualquer roteiro por trás dos eventos deixa-me constantemente assombrado diante dos fatos inexplicáveis da vida. Por exemplo: há na rua Padre João Manuel, num muro do Conjunto Nacional, a seguinte pixação: “Vovó já sentiu volúpia”. A primeira vez que a vi, devia ter uns oito anos de idade. De lá pra cá, avenidas foram construídas, o Carandiru foi demolido, bairros inteiros surgiram do nada, a minha casa recebeu umas dez demãos de tinta, a livraria Cultura mudou-se, o Cinearte virou Bombril, mas a frase permanece, misteriosamente intocada.
Há uns vinte anos, reflito: qual o seu significado? Será uma pixação avulsa? Ou parte de uma série de outras questões sobre o sexo e o tempo espalhadas pela cidade, tipo “A menopausa espera pelo bebê”, “Amanhã ainda será ontem” ou “espermatozóides já são calvos”? Mais ainda: como, em São Paulo, num muro tão nobre e a despeito de chuvas ácidas, empreiteiros gananciosos e Vaporetos exterminadores, a vovó pode seguir exibindo sua ex-volúpia, sem ser incomodada?
Outro dia, passando pela Al. Santos, vi que haviam construído no muro uma porta de metal. Corri até lá e me dei conta – consternado como um arqueólogo diante das estátuas destruídas no Afeganistão – de que haviam mutilado um pedaço da volúpia.
No pasarán!, sussurrei para minha esfinge sem nariz, já ciente do iria fazer: entrar com um pedido de tombamento no IPHAN. Afinal, uma pixação de vinte anos está para a história da cidade como um prédio de duzentos. Acho importante a sua manutenção, não só arquitetonicamente, mas por seu conteúdo, digamos assim -- hum, hum --, simbólico. São Paulo é um caos, os sobrados morrem pisoteados pelos horrores neoclássicos, as margens das represas são invadidas, os rios são esgotos, mas a volúpia da vovó permanece, inscrita em vermelho, em área nobre, since (mais ou menos)1987. Não é um consolo?
29 Comments:
Realmente um mistério. Será que a vovó já morreu?
Primeiro de tudo: o que é volúpia? O babylon me disse q é "voluptuosidade, busca de prazeres". Não tenho certeza se entendi a frase, mas... Fazer o quê? Adicionar volúpia ao meu vocabulário vai ser uma experiência interessante.
Nossa... Mas uma pixação sobreviveu tanto tempo em SP? É de se admirar, com certeza. Na minha cidade, as pixações saem com a chuva. =(
Eu acho tão interessante quando a gente consegue ler algo nas pixações... Tipo, geralmente são frases que fazem sentido e nos fazem pensar. E também tem, claro, aquelas que são desenhos inintelgíveis que a gente descobre, meses depois, que era um pássaro.
Mas concordo com você. Deviam fazer um ponto histórico na volúpia da vovó. Não só pelo fato de ter sobrevivido por quase 20 anos, mas por obrigar as cabeças de vento (como eu) a pegar um maldito dicionário (nem que seje eletrônico) e procurar o que é volúpia.
Obs.: Ainda é a Mariana...
Bjks
This comment has been removed by the author.
Um consolo no mínimo interessante.
mais uma citação de "tabacaria"?! será q assim como eu, vc até decorou o poema?
ah, eu tenho certa fixação por "tabacaria"...
e sim, é um consolo, do mesmo modo q todo dia qnd chego ao colégio vejo pixado no muro "LNA" a marca de amizade entre eu e duas garotas durante a 8ª série!
algumas coisas nunca mudam, anyway...
perfeito!
Sou fã dessa vovó. Tb quero a volúpia eterna.
Não é a toa que meu apelido é Jujú Volúpia há alguns anos...eu A ADORO (A Volúpia, claro!). E se a vovó pode sentí-la por tanto tempo, por que eu não podeira, oras???
Um brinde à elas!
Beijocas
Ai. To me sentindo excluida. Todos sabem o que é volúpia? Só a anta aqui que recorreu ao babylon!? >.<"
Amei tudo aqui.
Ei Prata... É uma frase histórica mesmo, que merece ser preservada... se alguém fosse pixar algo hoje em dia provavelmente seria "Vovó já sentiu tesão".
no mínimo, a vovó fez um monte de gente feliz...
a Volúpia da Vovó persiste bravamente, só que agora disfarçada por sob as anágoas do recatamento, como um vulcão que adormece e com certeza nunca se esquece, mesmo com a mutilação da pixação!
Nossa! Como pode um lugar mudar tanto e ainda assim permanecer aquele muro com essa frase?
O real motivo pelo qual estou aqui é para perguntar qual o nome dos tais livros da coleção Jornalismo Literário que você mencionou na revista na última edição. Não sou jornalista mas pretendo ser. E, sim, vou fazer faculdade de jornalismo no ano que vem. Não sei por onde começar senão por jornalismo. Nunca faria Letras porque minha mãe fez Letras e enquanto ela estudava eu via que aquilo era um inferno.
Não encontrei os tais livros. Fui até no site da Cia. das Letras mas também não encontrei.
Obrigada desde já.
=1
Nossa! Como pode um lugar mudar tanto e ainda assim permanecer aquele muro com essa frase?
O real motivo pelo qual estou aqui é para perguntar qual o nome dos tais livros da coleção Jornalismo Literário que você mencionou na revista na última edição. Não sou jornalista mas pretendo ser. E, sim, vou fazer faculdade de jornalismo no ano que vem. Não sei por onde começar senão por jornalismo. Nunca faria Letras porque minha mãe fez Letras e enquanto ela estudava eu via que aquilo era um inferno.
Não encontrei os tais livros. Fui até no site da Cia. das Letras mas também não encontrei.
Obrigada desde já.
=1
pichações que resistem ao tempo, à erosão... só o prata pra extrair o melhor desse acontecimento e cronieternizar a volúpia da vovó, de alguma forma, agora, já histórica. =)
Oi, tudo bem? Eu vim aqui no seu blog pra deixar um comentário que não tem nada a ver com seu post, e sim sobre o seu último texto para a Capricho, falando das futuras jornalistas. Não sei se você se lembra (provavelmente não), mas eu já vim aqui pedindo um texto sobre a faculdade de jornalismo, porque eu penso em seguir eesa profissão mas tenho algumas dúvidas. E quando vi hoje seu texto na revista falando disso fiquei muito feliz! Finalmente alguém atendeu meu pedido (e de outras pessoas, claro)! Gostei do que você escreveu, apesar de ter ficado com algumas dúvidas a mais... Porque afinal, eu devo fazer uma faculdade de jornalismo ou não? Tenho que fazer mais cursos? Jornalismo é complicado... Mas deixa isso pra lá, eu vou pensando no que fazer da minha vida. Obrigada pelo texto,
Natália.
Enquanto vovô via a uva da vovó!
Nos seis anos em que morei em Paris todo dia passava por cima de uma mancha de tinta na calçada que eu chamava de "o cachorro".Apoio totalmente o tombamento e pode até ter o patrocínio da cachaça paraibana do mesmo nome.
É... daqui a pouco a Vovó fica famosa igual o Gentileza... hehehe...
__________________________
Atualiiiza... vai!
=)
E viva a volúpia da vovó!
E a do nossos pais e a nossa tbm...
Essa palavra é tão charmosa!hahahaha!
Oi Antonio!! Realmente seus textos me fascinam. Na época que você trabalho na revista da MTV, eu estava prestando vestibular e liguei para a redação na esperança de conhecer um jornalista de perto. Você atendeu o telefone e disse: Não faça isso! Vá fazer outra coisa!
Não escutei o valioso conselho e durante os anos de faculdade cheguei a me arrepender. Porém, sempre que eu leio seus textos tenho certeza de que fiz a escolha certa: quero ser igual a você quando crescer!!! rs
beijos e mais beijos
Você não vai mais escrever? Já estava apegada ao blog...
Bom dia!
Nossa, sou uma super fã sua! Espero toda quinzena a Capricho pra poder ler o que escreveu. Ah, queria saber, aquele negócio de você ter aberto salões de cabelereiros é verdade? Sei lá, foi tão repentino. Mas não vai deixar de escrever né? Adoro seus textos!
Sbe, comecei a escrever uma história. Duas, na verdade e queria que vc desse uma lida. Claro, não posso colocar a história aqui... é muito grande... mas não sei, se quiser ler, me mande um e-mail: gabrielle_winandy@hotmail.com
Esrava pensando em transformar em livro, mas não queria mostrar a ninguém antes de ter certeza que está legal. E como vc é um profissional, achei legal. E além disso, te adoro e penso que poderíamos conversar as vezes, pois assim como vc, também penso muito na vida...
Bom, acho que era só isso mesmo...
Bjus...
Gabrielle Winandy
Bom dia!
Nossa, sou uma super fã sua! Espero toda quinzena a Capricho pra poder ler o que escreveu. Ah, queria saber, aquele negócio de você ter aberto salões de cabelereiros é verdade? Sei lá, foi tão repentino. Mas não vai deixar de escrever né? Adoro seus textos!
Sbe, comecei a escrever uma história. Duas, na verdade e queria que vc desse uma lida. Claro, não posso colocar a história aqui... é muito grande... mas não sei, se quiser ler, me mande um e-mail: gabrielle_winandy@hotmail.com
Esrava pensando em transformar em livro, mas não queria mostrar a ninguém antes de ter certeza que está legal. E como vc é um profissional, achei legal. E além disso, te adoro e penso que poderíamos conversar as vezes, pois assim como vc, também penso muito na vida...
Bom, acho que era só isso mesmo...
Bjus...
Gabrielle Winandy
Ei Antônio,
sou prima da Naiana que estudou com vc no Equipe, se não me engano. Encontrei seu blog por acaso e gostei muito dos seus textos. Olha, sou arquiteta e trabalho em um órgão de preservação. Com conhecimento de causa te digo que o tombamento é um processo extremamente complicado, desgastante e demorado para todas as partes envolvidas (não que não deva ser feito!). Te aconselho a fotografar o muro, porque se bobear ele já terá caido no meio do processo...!
E o pixador quis demonstrar que está acima dos outros quando utilizou a expressão "volúpia", sinal de originalidade. Isso sim é uma raridade. Há braços!
Meu caro, adorei seu livro "As Pernas de Tia Corália", Parabéns!
Antônio Alves
No Passeio Público
Postagens às quartas e domingos
boa ideia a da .cleozinha.
tira uma foto logo da pixacao e posta no blog!
e aproveita e ja posta outro texto depois :)
aff, antonio!
atualiza!!!! >.<
tô entrando em depressão aqui, por falta de textos!
(ainda sou eu, mariana)
bjks
atualiza logo! =***
oww, abandonou o blog?
seus textos estão fazendo falta :(
bjo.
Helllooowww, Antonio!
Tá na hora de publicar alguma coisa, né??
Post a Comment
Subscribe to Post Comments [Atom]
<< Home