Monday, September 1, 2008

CENTRAL PARK

(Publicada no Guia do Estado)

Para nossa sorte, o Museu da Língua Portuguesa não aceitava cartão nem cheque e o caixa automático mais perto ficava do outro lado do Parque da Luz. Quando digo sorte, não ponho nem uma gota de ironia.
Pertenço à primeira geração privatizada do Brasil. Na infância, ainda aproveitei aquele antigo espaço público chamado rua. Cresci numa vila, gritando um-dois-três-Antonio-salvo embaixo de goiabeiras e chapéus de sol, desenterrando moedas do vão entre os paralelepípedos, com interesse arqueológico e acreditando que o mundo era um lugar assim, por onde a gente podia correr, gritar e cavucar sem maiores problemas.
Quando cheguei à adolescência, contudo, a violência -- ou o medo da violência, que não deixa de ser, também, uma violência – já havia transformado a rua em mera passagem entre um lugar e outro. Adolesci em casas, escolas, shoppings, restaurantes, cinemas e outras instituições intra-muros, num pedaço da cidade que raramente excedia os limites da Zona Oeste. De modo que, aos 30 anos, vergonhosamente, não conhecia o Parque da Luz.
No portão, uma senhora vendia maçãs do amor, ao lado de dois repentistas cantando uma embolada. Um boliviano de calça camuflada, chapéu de cowboy e barrigão para fora da camisa passou por nós fumando um charuto e cantando um rap em castelhano. Lá dentro, crianças brincavam no tanque de areia e corriam entre enormes esculturas de metal. A dois metros do tanquinho, senhoras de programa exibiam um despudor cheio de pudores – um discreto exagero no batom e nos decotes insinuava que não estavam ali a passeio.
Tímidos, garotos e garotas exalando hormônios e desodorante faziam o footing na alameda central, como antigamente, com uma ingenuidade que combinava com o chafariz e os bancos de madeira, mas não com a cidade em torno das grades de ferro. Por toda parte, imigrantes falavam castelhano e pensei que já era hora de parar de comemorar a chegada dos japoneses e começar a entender a entrada dos bolivianos.
Tiramos dinheiro do outro lado do parque e refizemos o mesmo caminho, reparando nas esculturas, nos chapéus de cowboy, nos decotes e sotaques tão distintos que, reunidos pela curadoria do acaso, faziam daquele quadrilátero verde uma província cosmopolita, avesso de São Paulo e, ao mesmo tempo, a sua cara. Pagamos o museu com uma nota de cinqüenta. Uma pena que o moço tivesse troco.

24 comments:

  1. Não se espante ao saber que mesmo com dezenove, minha infância e adolescência foram iguais às tuas. E infelizmente também cresci vendo as ruas virarem apenas passagem pra um bando de gente com pressa, e com preguiça de se abaixar pra pegar a moeda que estava no vão dos paralelepípedos. E agora que eu li tua crônica, lembrei que fui a São Paulo a duas semanas e perdi a oportunidade de conhecer o Museu da Língua Portuguesa.
    Mas eu volto, e agora sem talão de cheque ou cartão, graças a você. Hahahah!
    Parabéns pelo blog, pelas crônicas e obrigada, é sempre bom ter algo de boa qualidade pra ler.
    Beijos..

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  3. E o museu, gostou?
    O pessei vele a pena?
    Ele esta na minha lista de visitas para a próxima passagem por São Paulo!

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  4. Antônio,
    Quero tanto ver o museu. Ver essa São Paulo, que se vale a pena ver.
    Já fui à Sampa duas vezes, mas não vi nada, não deu tempo, compromissos de congressos estudantis, muita bebida, muito debate, muitas coisas que enfim, poderiam ter sido feitas em qualquer outro lugar do mundo.
    Outra vez, a primeira, tinha 16 fui ao "playcenter" e shoppings, me lembro disso e tenho vergonha, mas, fico feliz por ainda ter oportunidade de corrigir o erro.
    Quero a São Paulo das suas crônicas, e de muitas outras coisas que a arte me fala.
    Tive sorte de crescer podendo fazer tudo que uma criança tem vontade... cresci num interior do RN e sei que tuve uma infância de verdade.

    um abraço

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  5. * uma infância de graça.

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  6. "...reunidos pela curadoria do acaso". Que frase linda!!!

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  7. Antônio, se tu queres entrar em contato com toda essa "fauna" cosmopolita, compra um táxi e vai trabalhar por ai. A grana não será lá essas coisas, mas o material literário...
    Há braços!!

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  8. Olá, Antônio. Hoje eu moro numa vila, que se chama Campos Eliseos, ao lado do parque da luz e das ruinas das indústrias, onde a favela tem uma escola linda e um campinho que é uma delícia. Não ignoro a violência, cuidado que devemos ter em todos os lugares, inclusive do mundo. Mas adoro, descer na minha rua, travessa da Rio BRanco - Centrão - e gritar , "tem alguém que conserta cano de pia?!" Um aponta para o outro, que fala que mora daquele lado, que desdiz e diz que é para o outro lado e a pessoa é encontrada e meu cano arrumado!! O centro é minha vila, tem judeu pobre (onde que se vê isso?), tem porco de estimação andando de colera na calçada (onde se vê isso?), e tem gente que não entende pq fui morar no CENTRÃO.
    Bj Kika

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  9. Que texto lindo!
    Parabéns Antônio...Parece que a cada dia que passa seus textos ficam melhores e mais belos...

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  10. Que bom encontrar cenas assim no meio de uma cidade tão caótica quanto São Paulo!

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  11. Antonio, você escreve muito bem! Espero algum dia chegar a seus pés!
    Amava suas colunas na Capricho!
    Entra no meu blog e deixa comentário por favor? Bem, se der, ta ai o link : www.tdfgirls.blogspot.com
    - Marcella

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  12. Antônio

    Vim ao seu blog pelo "intermédio" do Blog da Ferdi pelo acaso encontrei textos maravilhosos. Mas não será por acaso que voltarei aqui, para ler da sua - gostosa e boa de mais da conta - Literatura.

    Parabéns!

    Já add seu blog na minha lista de favoritos. :)

    Abraço

    Alexandra Periard

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  13. Encontrei seus escritos primeiramente no Blônicas. Após ter tentado digeri-los melhor, aproveitando as palavras com bastante paciência, enviei a um amigo, que por sinal ''ADD'' o senhor Antonio Prata no orkut e está todo feliz por isso.
    O fato é que este mesmo amigo tem usado os textos do senhor Antonio nas aulas que dá, para alunos que fazem cursinho pré-vestibular.
    Nada mais natural vir comentar aqui que descobrimos uma forma maravilhosa de ensinar aos pupilos o que são textos bons e de grande qualidade, podendo fugir com maestria de Iracema e sua turma.

    Parabéns e obrigada, SENHOR ANTONIO!

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  14. Como cresci e sempre vivi em uma cidade pequena, minha infância tb foi na rua (q já era asfaltada), andando de patins, brincando de pique-esconde e pulando elástico, mas nunca catei moeda entre paralelepípedos, até porq nunca tive muita sorte pra achar dinheiro na rua. Aahahah
    Por aqui as mudanças ainda são pouco perceptíveis e as crianças ainda têm a opção de brincar na rua.O difícil é elas largarem o playstation e desligarem a TV.

    Quando estive em SP ano passado, visitei o museu da língua portuguesa e sempre que me perguntam o que não se pode deixar de conhecer lá eu respondo sem 'pestanejar': o museu!!
    Por azar meu, qnd o conheci, estava com dinheiro e n com cartão e talvez por isso me prendi aos detalhes do museu, sem prestar atenção nas pessoas que por lá também estavam.

    Por outro lado e por mais estranho que isso possa parecer, uma vez que sou apaixonada por cidades praianas, SP foi a cidade mais incrível que já conheci. Fiquei maravilhada quando andei na Av. Paulista. A mistura de tudo me deixou apaixonada.

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  15. Oi AntÔnio!

    Que texto lindo! (Não teria como ser diferente!)

    Eu fiz 25 anos e ainda vejo muitas crianças viverem a linda infância que eu vivi... Algumas cicatrizes na perna e lindas lembranças provam isso! Pena que hoje, mesmo no interior da Bahia (onde moro, por exemplo) muitas crianças preferem um joguinho no playstation ou ficar no computador, no orkut, no msn... Tem um colega meu que diz que seus filhos vão fazer os brinquedos deles. Espero que meus futuros filhos também! As ruas deixaram de ser um lugar pra brincar com os vizinhos... Nas grandes cidades as crianças nem conhecem tanto seus vizinhos! A infância realmente está sendo privatizada. Eu vejo na TV tantos produtos pra criança, brinquedos que fazem isso e aquilo... Futuros consumistas!
    O bom é que a gente pode fazer algo pra amenizar isso, pelo menos pra nossos futuros filhos.

    Ah, lembro uma vez que eu entreguei seu texto 'Time is Honey'pra minnha professora de Economia. Ela adorou!
    Até mais Antônio!
    Seus textos me aliviam!
    Se cuida!

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  16. Na infância, uma das minhas brincadeiras prediletas era subir em uma árvore que tinha na frente do prédio e assustar os vizinhos que chegavam. Brincávamos de tudo possível e imaginável na rua, até altas horas da noite. Quando eu queri um picolé, minha mãe me dava o dinheiro e eu ia comprar. Não era longe, o mercadinho, mas também não tão perto. Tinha uma pequena caminhada a percorrer, com ruas e avenidas para atravessar. E a maior preocupação da minha mãe era a de que eu realmente olhasse para os lados ao atravessar a rua. Nem se falava em assalto. Muito menos em coisa pior. Infelizmente as crianças de hoje não têm a mesma sorte. São presas dentro de casa, e acabam tendo que tomar ritalina desde cedo! Uma pena!
    Bjs!

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  17. 1o de setembro????????? Tá na hora de atualizar esse blog, bonitão!

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  18. O PAVA está montando 1 Newsletter só para blogueiros. Por favor, me envie um e-mail para que eu possa colocar seu e-mail na lista.


    vitorferolla@gmail.com


    Obrigado!

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  19. Alguém já te disse que você é foda ? se não disse , devia . se já disse, reconfirmo : antônio , você é foda .

    nao vou negar , senti um ódio ( sim, ódio) intenso de você quando saiu da Capricho . Mas percebi que você fez o que teu coração pediu (ou não).
    me espelho nas suas crônicas, que é só o que conheço de você, para as minhas .

    vida e saúde a você , meu herói

    ;* de uma fã , meio doida ;)

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  20. É Antonio, o mundo mudou. Eu ainda vivi a liberdade de correr pelas ruas, de entrar tarde em casa, imunda, de tanto me esconder embaixo de carros, atrás de árvores e em cantos bem sujos e escuros, onde hoje, aos 19 anos tenho até medo de passar. Hoje, onde nós brincávamos enquanto crianças, não há mais espaço para brincadeiras, tudo foi tomado pelo medo. Tenho um irmão que ontem completou 7 anos. Fico triste de saber que ele nunca vai ter o gostinho de saber o que é um pique-esconde com mais de 20 crianças, se espalhando por todo o quarteirão pra brincar. Ele só conhece os jogos de video game, os de computador. Até mesmo os jogos de tabuleiro, como War, Perfil, Jogo da Vida, Imagem e Ação e Banco Imobiliário que fizeram parte da minha infância e da de muitas outras pessoas, hoje são deixados de lado em favor de jogos virtuais e brinquedos eletrônicos.
    Nada de pular corda, amarelinha, polícia-ladrão, pique alto e todos aqueles piques que vivíamos inventando.
    O resultado disso? Crianças gordas, sedentárias, que mal conhecem as outras crianças do bairro. Fora toda a cultura das brincadeiras de rua que fica no caminho.
    Acho uma pena que isso tudo se perca assim.
    É só a minha opinião.
    Beijos.

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  21. fiquei muito contente e surpresa ao ver um comentário seu no meu blog.
    estarei na fenalba concerteza :)

    e pra variar adorei seu texto
    beijos

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  22. Por que a notícia não está no presidente. mas no hotel dele pegando fogo.

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  23. Este é um testemunho que eu direi a cada um que ouça. Eu tenho casado quatro anos e no quinto ano do meu casamento, outra mulher teve que levar meu amante longe de mim e meu marido me deixou e as crianças e nós sofremos por dois anos até que eu encontrei um post onde este homem Dr.Wealthy ter ajudado alguém e eu decidi dar-lhe uma tentativa de me ajudar a trazer o meu amante de volta para casa e acreditar em mim eu só enviar minha foto para ele e do meu marido e depois de 48 horas como ele me disse, eu vi um carro dirigiu para o casa e eis que era meu marido e ele veio para mim e para as crianças e é por isso que eu estou feliz em fazer com que cada um de vocês pareça conhecer este homem e ter seu amante de volta para o seu eu. Seu email: wealthylovespell@gmail.com .OU VOCÊ TAMBÉM PODE ADICIONAR ELE SOBRE O WHATSAPP USANDO ESTE NÚMERO DE CELULAR 2348164728160.

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