A Rambla dos Jetsons
Desci a pé a Nanjing Road East, que vai dar no rio Huangpu, no Bund (antiga área francesa). Do outro lado do rio a gente vê o Pu-dong, o bairro das torres futuristas, cartão postal da cidade.
A rua Nanjing é uma espécie de rambla capitalista que desce por vários quarteirões, rasgando um bairro de prédios antigos. Uma artéria que mistura Berrini e Liberdade (depois de três ácidos e dez carreiras) construída no meio de um mar de Lapa, só que mais den-sa, mais misteriosa e mais interessante.
De vez em quando eu saía da Nanjing para uma dessas trans-versais. Pelas estreitas calçadas, em frente a uns quase cortiços, homens jogam baralho, em meio à fumaça das panelas de óleo que fritam bolinhos e das churrasqueiras que fazem espetinhos de lula, polvo, frango, pato e outras formas de vida não identificadas. Do na-da saem uns corredores que dão para umas espécies de vilas cheias de casas, roupas penduradas em varais e becos suspeitos, onde há oitenta anos chineses com olheiras profundas e marinheiros bêbados deviam cair pelos cantos fumando ópio.
Por todo lado, lojas das mais diversas quinquilharias: só de ali-cates, só de correntes, só de trinco de porta, de isopor... Lembra um pouco aquela parte de Pinheiros abaixo do Largo da Batata. Tudo su-jo, misterioso, com cara de crime. Aí você volta pra Nanjing e está novamente no futuro.
Andei mais de uma hora. Por todo o percurso você passa por torres enormes e modernas, umas que se contorcem, refletindo a ci-dade disforme, outras com bolas no meio, outras com espetos, Jet-sons mesmo.
A impressão que dá é que, depois da morte do Mao e da aber-tura econômica, em 1978, com Deng Xiaoping, a China olhou para o mundo capitalista e disse: truco, marreco! Xangai é a manilha, que o país bate na testa do Ocidente enquanto ri, crescendo 12% ao ano.
O Haiti não é aqui
Xangai é a cidade que mais cresce do país que mais cresce no mundo. 40% do cimento mundial vem para a China. Os guindastes têm holofotes para que as obras não parem de noite. (Dizem que é a cidade com mais guindastes da Terra). Se a China se tornar a grande potência do século XXI, como dizem por aí, Xangai será o novo cen-tro mundial. É bom ficar amigo do pessoal. Vai que eu não sei e o Caxambu é Donald Rumsfeld do novo milênio?
Mais Caxambu
Quando perguntei seu nome, Caxambu me disse: English or chinese? É comum o cara se chamar Xiu Lun Chang mas, para os gringos, apresentar-se como Steve, John ou Bob. Facilita as coisas. Caxambu, por exemplo, chama-se Brin.
Meu amigo Rodrigo passou quarenta dias aqui na China. Ne-nhum chinês consegue falar o érre, de modo que ele virou Lodligo. Até que um patrício (da pátria de cá) disse pra ele: cria um nome em chinês. Lodligo pensou um pouco e escolheu algo cuja sonoridade lhe pareceu adequada. Pelo que ouvi dizer, Pin Gu Lin fez o maior sucesso na República Popular da China.
Hello, where are you from?
Descendo a Nanjing você é constantemente abordado por gen-te querendo vender mercadorias contrabandeadas. Uma menina dis-se hello e começou a andar comigo. Tinha uma cara de quem ia me oferecer alguma coisa ilegal. Falava “where are you from? We are walking together! We are walking together!” Eu respondia que sim, sem dúvida nenhuma, ninguém poderia negar, estávamos walking together. Fiquei esperando que tipo de contravenção ela ia me pro-por. Depois de mais de um quarteirão com seu papinho de walking together e we are friends ela me olhou com cara de safada. Pensei em ópio, seda, concubinas, lança mísseis terra-ar. Ela me disse: “buy t-shirt? Buy t-shirt?” Esperava mais do misterioso Oriente...
No quarteirão de baixo um cara cola do meu lado, mesma cara de malandro:
-- T-shirt?
-- No, thank you.
-- Watch?
-- No, thank you.
-- Louis Vuitton? -- disse ele, já abrindo um sorriso.
-- No, thank you.
-- A beer? It`s hot! A beer?
-- No, thank you.
-- Massage? – agora o sorriso ficou mais malicioso, de quem está quase entregando o ouro.
-- No, thank you.
Senti que ele começava a ficar impaciente.
-- Feet massage?
-- No, thank you.
-- Ok, where do you want a massage? – falou, quase piscando, caso o gringo aqui não entendesse a mensagem. Ou a massagem? (O meio é a massagem). (Desculpa, escapou).
-- No, thank you.
O cara perdeu a paciência:
-- Last offer, one woman, one hour, want?
-- No, thank you.
Ele saiu andando rapidinho. Ainda ouvi sua voz, logo atrás, abordan-do uma nova vítima: t-shirt?
Aqui e aí
Às vezes parece tudo igual, às vezes não tem nada a ver. No rádio do supermercado toca música pop chinesa e parece que basta mudar a língua e ficaria igualzinho Sandy e Junior. Quando entra a voz empolgada do locutor e você não entende o que ele fala, dá a impressão que, pelo tom, ele pode soltar a qualquer momento um empolgado “Transamérica loucura total!” ou qualquer outra dessas bobagens. Até que você dá de cara com o aquário de sapos vivos ou o pote de cabeças de pato fritas e se lembra que não está no Mambo de Pinheiros, mas num mercado de Xangai. (Vai precisar de muito amaciante Comfort para catequizar esse pessoal com seis mil anos de história).
Cool
Não se vê pelas ruas chineses tão descolados como os japone-ses. Apesar das torres, do crescimento de dois dígitos e tudo mais, parece que eles ainda não acharam o ponto, esteticamente, do capi-talismo. Talvez sejam como adolescentes que cresceram rápido de-mais e ainda andam um pouco desajeitados. O vj da tv, os adoles-centes de mãos dadas pela calçada e a menina de polainas rosa e óculos escuros que passa de bicicleta ainda lembram um pouco pri-mos do interior que não dominam inteiramente os códigos da cidade grande. Mas estou aqui há menos de 24 horas, são impressões pre-cipitadas. (Bom, mesmo depois de um mês, ainda serão).
A rua Nanjing é uma espécie de rambla capitalista que desce por vários quarteirões, rasgando um bairro de prédios antigos. Uma artéria que mistura Berrini e Liberdade (depois de três ácidos e dez carreiras) construída no meio de um mar de Lapa, só que mais den-sa, mais misteriosa e mais interessante.
De vez em quando eu saía da Nanjing para uma dessas trans-versais. Pelas estreitas calçadas, em frente a uns quase cortiços, homens jogam baralho, em meio à fumaça das panelas de óleo que fritam bolinhos e das churrasqueiras que fazem espetinhos de lula, polvo, frango, pato e outras formas de vida não identificadas. Do na-da saem uns corredores que dão para umas espécies de vilas cheias de casas, roupas penduradas em varais e becos suspeitos, onde há oitenta anos chineses com olheiras profundas e marinheiros bêbados deviam cair pelos cantos fumando ópio.
Por todo lado, lojas das mais diversas quinquilharias: só de ali-cates, só de correntes, só de trinco de porta, de isopor... Lembra um pouco aquela parte de Pinheiros abaixo do Largo da Batata. Tudo su-jo, misterioso, com cara de crime. Aí você volta pra Nanjing e está novamente no futuro.
Andei mais de uma hora. Por todo o percurso você passa por torres enormes e modernas, umas que se contorcem, refletindo a ci-dade disforme, outras com bolas no meio, outras com espetos, Jet-sons mesmo.
A impressão que dá é que, depois da morte do Mao e da aber-tura econômica, em 1978, com Deng Xiaoping, a China olhou para o mundo capitalista e disse: truco, marreco! Xangai é a manilha, que o país bate na testa do Ocidente enquanto ri, crescendo 12% ao ano.
O Haiti não é aqui
Xangai é a cidade que mais cresce do país que mais cresce no mundo. 40% do cimento mundial vem para a China. Os guindastes têm holofotes para que as obras não parem de noite. (Dizem que é a cidade com mais guindastes da Terra). Se a China se tornar a grande potência do século XXI, como dizem por aí, Xangai será o novo cen-tro mundial. É bom ficar amigo do pessoal. Vai que eu não sei e o Caxambu é Donald Rumsfeld do novo milênio?
Mais Caxambu
Quando perguntei seu nome, Caxambu me disse: English or chinese? É comum o cara se chamar Xiu Lun Chang mas, para os gringos, apresentar-se como Steve, John ou Bob. Facilita as coisas. Caxambu, por exemplo, chama-se Brin.
Meu amigo Rodrigo passou quarenta dias aqui na China. Ne-nhum chinês consegue falar o érre, de modo que ele virou Lodligo. Até que um patrício (da pátria de cá) disse pra ele: cria um nome em chinês. Lodligo pensou um pouco e escolheu algo cuja sonoridade lhe pareceu adequada. Pelo que ouvi dizer, Pin Gu Lin fez o maior sucesso na República Popular da China.
Hello, where are you from?
Descendo a Nanjing você é constantemente abordado por gen-te querendo vender mercadorias contrabandeadas. Uma menina dis-se hello e começou a andar comigo. Tinha uma cara de quem ia me oferecer alguma coisa ilegal. Falava “where are you from? We are walking together! We are walking together!” Eu respondia que sim, sem dúvida nenhuma, ninguém poderia negar, estávamos walking together. Fiquei esperando que tipo de contravenção ela ia me pro-por. Depois de mais de um quarteirão com seu papinho de walking together e we are friends ela me olhou com cara de safada. Pensei em ópio, seda, concubinas, lança mísseis terra-ar. Ela me disse: “buy t-shirt? Buy t-shirt?” Esperava mais do misterioso Oriente...
No quarteirão de baixo um cara cola do meu lado, mesma cara de malandro:
-- T-shirt?
-- No, thank you.
-- Watch?
-- No, thank you.
-- Louis Vuitton? -- disse ele, já abrindo um sorriso.
-- No, thank you.
-- A beer? It`s hot! A beer?
-- No, thank you.
-- Massage? – agora o sorriso ficou mais malicioso, de quem está quase entregando o ouro.
-- No, thank you.
Senti que ele começava a ficar impaciente.
-- Feet massage?
-- No, thank you.
-- Ok, where do you want a massage? – falou, quase piscando, caso o gringo aqui não entendesse a mensagem. Ou a massagem? (O meio é a massagem). (Desculpa, escapou).
-- No, thank you.
O cara perdeu a paciência:
-- Last offer, one woman, one hour, want?
-- No, thank you.
Ele saiu andando rapidinho. Ainda ouvi sua voz, logo atrás, abordan-do uma nova vítima: t-shirt?
Aqui e aí
Às vezes parece tudo igual, às vezes não tem nada a ver. No rádio do supermercado toca música pop chinesa e parece que basta mudar a língua e ficaria igualzinho Sandy e Junior. Quando entra a voz empolgada do locutor e você não entende o que ele fala, dá a impressão que, pelo tom, ele pode soltar a qualquer momento um empolgado “Transamérica loucura total!” ou qualquer outra dessas bobagens. Até que você dá de cara com o aquário de sapos vivos ou o pote de cabeças de pato fritas e se lembra que não está no Mambo de Pinheiros, mas num mercado de Xangai. (Vai precisar de muito amaciante Comfort para catequizar esse pessoal com seis mil anos de história).
Cool
Não se vê pelas ruas chineses tão descolados como os japone-ses. Apesar das torres, do crescimento de dois dígitos e tudo mais, parece que eles ainda não acharam o ponto, esteticamente, do capi-talismo. Talvez sejam como adolescentes que cresceram rápido de-mais e ainda andam um pouco desajeitados. O vj da tv, os adoles-centes de mãos dadas pela calçada e a menina de polainas rosa e óculos escuros que passa de bicicleta ainda lembram um pouco pri-mos do interior que não dominam inteiramente os códigos da cidade grande. Mas estou aqui há menos de 24 horas, são impressões pre-cipitadas. (Bom, mesmo depois de um mês, ainda serão).
0 Comments:
Post a Comment
Subscribe to Post Comments [Atom]
<< Home