amores expresos, blog do ANTÔNIO

Thursday, May 31, 2007

ORDI

Almas caridosas que ainda passam por aqui atrás de fotos de abacaxis, amores de esfregões ou alguma tauromaquia de cartório: eu voltarei. Como disse alguém nalguma parte de Casablanca: “maybe not today, maybe not tomorrow, but someday, and for the rest of our lives”. Como disse Collor, antes de tomar um pé na bunda do país: não me deixem só!
Acontece que agora entrei nessa de escrever o romance e, olha, vou falar pra vocês, é um trem assaz complexo. Tenho páginas e páginas vindas de Xangai, dois cadernos cheios de anotações, algumas horas de vídeo e uns sete milhões de neurônios trabalhando dia e noite no setor de arquivo para arrumar aquelas memórias todas.
Percebi que, ao me jogar nessa empreitada “escrever o romance”, caí de novo no coração selvagem das vielas chinesas. Passo o dia me perguntando: será que ponho as bicicletas antes de chegar no hotel ou junto dos abacaxis? A boate de hip hop vai junto daquela da Polaina ou cada uma num capítulo? Devo escrever no presente ou no passado? Será que fico com a piada ou a apresentação do quarto?
Em meio a todas essas dúvidas, evidentemente que, vez ou outra, pula uma galinha amarela, vêm uns cheiros de fritura, tropeço numas peças de majong e uma ou outra chinesa linda me vira a cara. Oba! De volta ao caos. Em se tratando de um livro sobre Xangai, toda confusão é bem vinda.

Esclarecimento Público

Gostaria de dizer que, ao contrário do que andou-se falando por aí, as mortes de cães por intoxicação, decorrente de ingestão de rações caninas norte-americanas contendo matéria prima adulterada importada da China não têm absolutamente nada a ver com minha passagem por aquele país. Durante todo tempo que por lá estive mantive uma relação de respeito e distância em relação a todo e qualquer ingrediente de ração canina, felina, suína, eqüina, bovina e quem aí já souber de festa junina pode me convidar que faz pra mais de um ano que não tomo um quentão.
Sem mais (nem menos), Antonio

Friday, May 25, 2007

DAQUI PRA FRENTE TUDO SERÁ (MEIO) DIFERENTE

Quanto mais o tempo passa, mais percebo, meio besta, que não entendi nada da China. Só consigo pensar: cara, eles são chineses, muito chineses, o tempo todo chineses e muitos, muitos chineses. Uma coisa que aprendi, com certeza, foi a gostar dessa história de blog. Eu escrevo aqui umas coisas, vocês comentam aí e a gente vai levando. Vou postar aqui um trecho ou outro do livro, ou da experiência de escrever o livro, que retomo segunda-feira. Além disso, vou colocar as crônicas que escrevo para o Guia do Estado e a Capricho. Abaixo, a de hoje, sexta-feira.

CRÔNICA DO GUIA DO ESTADÃO

Firma reconhecida

Uma das páginas mais belas que já li é aquela na qual Winston Smith, protagonista de 1984, vê uma lavadeira pendurando roupas e cantando no quintal. Winston sabe que a música foi feita por máquinas à serviço do Grande Irmão, que tem tanta poesia quanto um chiclete Ploc, nutrientes, mas a mulher a interpreta com tamanho sentimento que transforma o pop cibernético em uma obra de arte.
Apesar dos pesares, acho 1984 um livro otimista. Me diz que, mesmo sob a mais atroz das ditaduras, ainda são possíveis histórias de amor. E que, até embaixo da mais gomarábica das canções, é possível achar uma centelha poética.
Outro dia, num cartório, presenciei o surgimento de uma dessas centelhas. Até então, eu achava que o contrário da poesia era um cartório. Inferno do Grande Irmão, reino de carimbos, senhas, crachás, grampeadores e outras miudezas sobre as quais jamais se escreverá um soneto, uma peça para violoncelo e oboé, um episódio de Friends. Prisão onde as letras, que nasceram todas iguais perante Deus e poderiam ter virado romance, carta de amor ou receita de bolo, acabam emboloradas em gavetas escuras, delimitando áreas de terrenos e cláusulas de divórcios. Acreditava, acima de tudo, que de onde saem milhares de procurações, jamais brotaria uma gota de poesia.
Então o funcionário, que trouxe meu documento, foi colocar nele sua assinatura. Assim que encostou a ponta da esferográfica no papel e, com um movimento de todo o corpo, fez um círculo, eu percebi que estava diante da lavadeira de 1984. Depois desse movimento – amplo, gracioso, como toureiro que, com sua capa, driblasse a bovina burocracia --, ele cravou a BIC no início do círculo e, de uma maneira frenética e calculada, fez uma espécie de rabisco, como aqueles desenhos de sismógrafos, até o final do laço inicial. (Agora não mais toureiro, mas maestro descabelado regendo o fim de uma sinfonia). Quando terminou e ergueu-se, arfante, julguei ouvir bumbo e pratos e um ou outro grito de bravo! do pessoal do almoxarifado.
Meus caros, eu estava diante de um escrivão apaixonado. De um homem que, em meio àquele mingau cinzento de impessoalidade, lutava quixotescamente, com sua BIC, para deixar sua assinatura no mundo. Era Winston Smith e a lavadeira. Tinha apenas um pequeno retângulo de papel para gritar ao universo sua revolta e sua felicidade por estar vivo e vingar-se, bela e inutilmente, da morte. E o fazia.

Tuesday, May 22, 2007

IF IT´S A TRUE TRIP, IT NEVER ENDS

Ao contrário do futebol, que (só) acaba quando termina, uma viagem continua muito além da volta. Nas roupas, papéis, sapatos, folhetos, guardanapos e palitos que, desde sábado, vão saindo da mala como lesminhas indisciplinadas e rastejando por todos os cantos da casa -- tentando criar aqui o caos que deixei para trás? Nos sonhos de toda noite com Xangai (quando estava lá, sonhava com o Brasil, agora inverteu: vai saber a que estranhos pêndulos está sujeito nosso pobre inconsciente). Nas fichas que vão caindo, lentamente, sobre a China, sobre mim, sobre nossa pátria varonil.
Há certos acontecimentos, no entanto, que podem alterar todo o significado da viagem. Breque.
Cheguei aqui no sábado e fui recepcionado por meia dúzia de cronópios endiabrados com pandeiros, flâmulas, línguas de sogra, tamborins, canapés, rapapés, estalinhos guri e um ou outro canguru que fumava cachimbo, se bem me lembro, lá pelas três da manhã. Cantamos, bebemos, comemos e dançamos por horas e horas, até que o Perê -- líder máximo dos cronópios, caso esses seres inordenáveis se dobrassem a qualquer hierarquia – me perguntou: você caiu no golpe das chinesas? E foi então que a música parou, a festa sumiu, e agora José?
Helen e Shirley, aquelas do amor verdadeiro, lembram? Pois é, meus caros, aquele almoço, aquele diálogo, a possibilidade implícita de casamento, era tudo um truque para me levarem para a casa de chá e me fazerem gastar uma pequena fortuna no cartão de crédito. (Uma parte, depois, elas receberiam em comissão). Aconteceu igualzinho com ele, e com um italiano amigo dele, e um irlandês amigo do italiano, mas elas se chamavam Barbara ou Sheila ou Carol ou Jeniffer. Elas abordam o gringo na rua, elas falam docemente, elas levam o cara para passear e, invariavelmente, todo aquele encontro romântico, antropológico e cultural termina numa bucólica casa de chá, diante das duas palavrinhas mágicas: Visa ou Mastercard?
Eu esperava me deparar com Nikes falsificados, Pradas, Guccis e Armanis do porão da esquina, mas não imaginei, nem em meus mais altos delírios, que a conversa sobre o amor verdadeiro pudesse ser inteiramente falsa. Quase chorei. Respirei fundo e então me dei conta: assim é muito mais legal! É sensacional! Obrigado, Helen e Shirley. Ou Bárbara, ou Carol, ou Sheila, ou Jennifer, ou quaisquer que sejam seus verdadeiros nomes falsos. Essa viagem não vai terminar tão cedo...

Friday, May 18, 2007

TAKE A WOK ON THE WILD SIDE (OU: BOTA AS BRAHMAS PRA GELAR QUE EU TÔ VOLTANDO)

Acabou-se o que era doce. Ou o que eu achei que seria doce e depois de morder descobri que era salgado, apimentado, amargo, azedo ou tudo isso junto – a China é cheia de surpresas.
Agradeço à Antártica pelas Brahmas que me enviou, a todos os japonseses da China pela extrema simpatia com que me receberam e principalmente a todas as mulheres que cruzaram meu caminho e não me quiseram, proporcionando-me assim os momentos de solidão e pessimismo imprescindíveis para criar a laminha existencial de onde brotam as flores sem vergonha de meu lirismo.
Vim, vi e venci (mais no sentido de uma comida deixada por muito tempo na geladeira do que de um imperador romano, é verdade). Olho Xangai pela janela e posso ouvir, em meio às buzinas e britadeiras, o baixo de Lou Reed em take a walk on the wild side. (Me permito algum romantismo na hora da partida).
Como o cenário é de Blade Runner e a cidade começa a acender suas luzes contra o céu bege, farei o check out desse blog parafraseando o andróide loirão, segundos antes de partir: “I’ve seen things you people wouldn’t believe. Attack ships on fire off the shoulder of Orion. I watched c-beams glitter in the dark near Tanhauser Gate. All those moments will be lost in time, like tears in rain. Time (…)” to flye.

Thursday, May 17, 2007

EVERYTIME WE SAY GOOD BYE...

Estou indo para a minha despedida, num pub irlandês. Aí está uma instituição internacional que funciona. Esqueçamos a ONU. Vamos achar esse tal de O’Malley’s e dar a chave na mão dele. Dizer assim: bichão, resolve aí.
Acho que, quando os ETs chegarem e saírem da nave, diante da multidão boquiaberta, irão alongar, estalar os dedos e perguntar – em vez do esperado e demodê “leve-me ao seu líder” -- : "onde é que fica o pub?"
Aqui, fica na Taojiang Lu, 42 (pág. 140 do Lonely Planet) e o ET – que sou eu – estará recebendo a partir das 19:00.

Wednesday, May 16, 2007



Nada

nem

mesmo

o ferro

Tuesday, May 15, 2007

SORRY, COMRADES

Pessoal, acho que era só pau do Blogspot, não o politburo censurando meus comentários sobre moquecas de sapo. Eu agora abro o blog e leio comentários. Comentem, por favor, sou uma pessoa carente e preciso o tempo inteiro de atenção. É sério.

CALDEIRÃO DA BRUXA

A viagem vai terminando e estou esgotado. Sinto-me como no fim de uma rave: o dia amanhecendo, o ácido ainda batendo, eu todo sujo, grama no cabelo, aquele olhar bobo de quem teve a grande revelação sobre a verdade do universo mas já esqueceu, querendo agora apenas olhar para o lado sem descobrir mais nenhum mundo paralelo, labirinto semântico. Por favor, Deus, uma parede branca que seja uma parede branca que seja uma parede branca.
Nesse espírito fim de festa, saí me arastando, ontem, lá pela meia-noite, em direção ao abraço amigo de um Big Mac. Como se o McDonald’s fosse a embaixada de um país neutro a me dar asilo antes que começassem os bombardeios de descobertas culturais. Ah, que maravilha, ter uma refeição que não viesse acompanhada de nenhuma idéia para texto! Ah, que ilusão, ter uma refeição que não viesse acompanhada de nenhuma idéia para texto!
Ilusão porque o Saci, esse meu companheiro inseparável, no pior espírito de animador de piscina em Club Med, começou a gritar lá do alto de seu observatório no Pudong: não acabou! Ainda faltam três dias, vamos lá, ânimo! E então construiu, no tempo em que eu percorria dois quarteirões, ao lado do McDonald’s, um restaurante de Hot Pot. (Mais tarde o Saci me confessaria que erguer o restaurante em três minutos foi mais fácil do que convencer os garçons a abri-lo àquela hora. A maioria das cozinhas, aqui, fecha às dez, mesmo aos sábados).
Hot Pot é isso aí, Pote Quente. É mais do que uma comida, é todo um conceito, uma parafernália e uma aventura à qual o viajante, saindo da rave, não deve se atirar. Mas o Saci...
Eu sabia, eu sabia, eu sabia no que estava me metendo. Estava entrando num troço complexo sobre o qual eu não entendia nada, que requeriria várias decisões envolvendo levas e levas dos mais variados ingredientes e que bastava um pequeno deslize para dar perda total na refeição ou, quem sabe, pôr fogo no restaurante.
A primeira coisa que entendi, depois de uns cinco minutos básicos daquele teatro do absurdo de cada dia, com o auxílio de uma garçonete muito prática e simpática (é que o negócio era complexo mesmo), era que tinha que escolher o caldo base da minha panela. Havia, por baixo, umas doze opções.
O cardápio também estava em inglês. Se tivesse tirado o TOEFL, entenderia tudo, mas como larguei a Cultura Inglesa pouco depois do FCE, só compreendia metade das explicações – e metade, em situações como desarmar uma bomba ou pedir comida na China, equivale a zero. Por exemplo: um caldo dizia algo como “Chicken lirgles”. A gente sempre vai de chicken nesses enroscos gastro-culturais, achando que é inofensivo, mas e se o tal do lirgles fosse trompas, por exemplo? Caldo de trompa de frango? (E, pelo tamanho de um ovo, trompa de frango deve ser quase como uma meia calça infantil...) Outra opção era beef blundsteamed steew. Beef é beef, steew é ensopado, ótimo, 76,666% de aproveitamento, mas se o companheiro blundsteamed for, sei lá, uma secreção do pâncreas? Game over, bum!, acabou a refeição. (É sempre bom desconfiar das dízimas periódicas, principalmente as que repetem 666 ao infinito).
Analisei a situação com cuidado e consegui perceber que, ao contrário de muitos cardápios aqui, aquele ia numa ordem crescente de complexidade. (Vejam só, análise de códigos, estratégias militares, isso realmente cansa). Não só os nomes ficavam maiores como apareciam mais coisas desconhecidas como lirgles e blundsteameds conforme ia descendo. Tinha um pork com uns quatro sobrenomes e um sea food bloomlasts norgstimnests que eu não quis nem chegar perto...
Agarrei firme na teoria da complexidade crescente e pedi o primeiro caldo. A garçonete sorriu -- que nem minha analista, quando tínhamos uma boa sessão e queria me dizer, viu só, Antonio, as coisas melhoram, deixa de ser catastrófico. Sorri de volta. Então ela disse algo e deu um suspiro, sorridente e cansado, e eu entendi perfeitamente que ela dizia: “bom, queridão, agora que você escolheu o caldo, faltam só todos os ingredientes que virão dentro. Eu também sorri, suspirei e, quinze minutos depois, enxugávamos nossos suores com as toalhinhas umedecidas que eles têm aqui e conseguimos comemorar o fechamento do pedido: um hot pot com o primeiro caldo, fatias finas de carne, macarrão de arroz e um mix de cogumelos. Quase falei “foi bom pra você?”, mas ela não entenderia e eu ainda não estava pronto para uma segunda rodada.
O pote veio e só aí entendi tanto empenho do Saci. Hot Pot, meus amados e saudosos patrícios, é o caldeirão da bruxa. Um caldo vermelho (sangue de morcego?), apimentado (língua de dragão?), com coisas boiando (vamos chamar assim, coisas, com essa neutralidade, para não espantar a freguesia) e afundadas que, bem, eu nem sabia que existiam na natureza. Como se aquilo que conhecemos como moela fosse apenas um representante – o mais careta --, de toda uma cornucópia de miúdos com os quais até então eu não tinha cruzado. Havia tofu, mas havia coisas que... opa, isso não é tofu. Cubos do tamanho de uma caixa de fósforo, fibrosos. Havia uns pequenos tubos amarrados, espécies de macumbinha de chinchullines. Como no caso das moelas, nenhum dos objetos não identificados vinha sozinho, todos traziam seus primos, primas, tias, tios e até parentes distantes, que a gente ficava na dúvida se pertenciam à família das gosmas marrons ou da turminha dos fibrosos acinzentados. Fiquei brincando de remexer o caldeirão borbulhante por um tempo, até chegarem os meus ingredientes. Belíssimas fatias de carne, bem finas. Uma cesta de cogumelos que parecia capa de revista de culinária, o inofensivo macarrão de arroz. Joguei tudo lá dentro. A garçonete ainda fez a gentileza de se aproximar, apontar a carne e dizer: “no time”, e eu entendi que era só jogar ali e tirar, senão passava do ponto. E, como sempre aqui na China, comi maravilhosamente bem. Deixei uma boa gorjeta para aquela alma caridosa, que me ajudou na exegese do cardápio e fui para casa feliz. Quando dizem assim, “se joga!”, acho que é isso que eles estão querendo dizer, né? Caldeirão da Bruxa. Isso é que é esporte radical, o resto é bobagem

Monday, May 14, 2007



-- Pro seu governo, eu sou um triciclo especial Teletubies. Faço mó sucesso na faixa dos dois aos quatro, tá?

-- Tô nem aí, Tampinha, sai fora. Sou uma Ceci da Barbie, tá cheio de BMX na minha aba. Área!



-- Liga não, logo logo são eles que vão tá aqui e aí eu quero ver se vão achar tão engraçado...

-- ...

-- Olha pelo lado bom, no teu pelo menos deram um lacinho. Tá me entrando um vento pelo pescoço...


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HONZE HOMENS E UM BUMBO


A fiel torcida do Shanghai Top Stars vai onde o time estiver, debaixo de sol, de chuva e contra todas as adversidades.

TÁ EXPLICADO.

La femme n'existe pas.

(J. Lacan)

Rodrigo, recebi um texto da Ledusha com essa frase de epígrafe. Agora tudo faz sentido. Eu estava procurando no lugar errado. Buscava no Pushi, no passado, no Pudong ou no futuro “a mulher” para figurar em minha história de amor. Mas a mulher, Rodrigo, não existe. O que existem são esfregões. E só. Não sou eu quem digo, é o Lacan. Vai discordar?

Sunday, May 13, 2007

SANDRO

Pessoas, tenho postado menos porque, como já disse, comecei a escrever o livro. Fiquei na nóia de que, saindo daqui, eu esqueceria tudo, então só faço escrever e escrever e escrever o que me vem à cabeça e o que não me vem também, por via das dúvidas, para poder ter bastante material bruto para trabalhar em São Paulo. Mando o trecho de um capítulo que tá um pouco mais evoluído. Sandro é um amigo meu, brasileiro, de Barra Mansa, que veio comprar uns MP3 falsificados para a loja do cunhado, mas se meteu nuns rolos e está ficando mais do que o combinado com a mulher, que ainda não tem nome, mas já está puta com ele lá em Duque de Caxias e fica me ligando aqui no hotel. (Ele nasceu em Barra Mansa, “a melhor cidade do mundo para se morar, pode perguntar para qualquer um de lá”, mas mora em Duque de Caxias).
No começo, eu implico com ele. No ponto do livro onde acho que se encaixa esse capítulo, eu ainda não saquei o grande ser humano que ele é. Será fundamental para o livro e as andanças do personagem principal. Obrigado, Sandrão!

SHANGHAI TOP STARS

Onze gatos pingados (agora literalmente pingados, por causa da chuva) e um bumbo. São a incrível torcida de Brancaleone do Shanghai Top Stars. Dessem noventa minutos a Eduardo Coutinho em meio a eles e Edifício Master virava obra de juventude.
Onze pessoas e um bumbo são um acontecimento digno de nota sobre a face da Terra. Se pudéssemos fazer um ranking de todas as possíveis aglutinações entre seres humanos e coisas, tipo: seis pessoas e uma fogueira, dois homens e uma arma, dois casais e uma garrafa, dezessete adolescentes e um violão, um homem e uma caneta, eu poria onze pessoas e um bumbo lá no topo. Sou uma pessoa razoavelmente romântica e otimista (seria pleonasmo?), acredito que onze pessoas e um bumbo, se movidas por amor à causa (seja ela qual for) e algumas cervejas (idem) podem mudar o mundo: derrubar presidentes, terminar casamentos, incendiar um prédio, virar carros, vencer eleições, forjar amor verdadeiro ou, quem sabe, apenas cantar a Jardineira às três e meia da manhã e fazer com que a Dona Elzira do 512 acorde o síndico – o que não deixa de ser uma forma, sutil, mas ainda assim, uma forma, de mudar o mundo.
-- Eles são os caras! Vamos lá, ali que é a torcida roots!
Até que, nesse ponto, eu e o Sandro tínhamos a mesma visão estética.
-- Mas lá tá chovendo, Sandro.
-- Foda-se, torcedor é sofredor, brother! Shangahi Top Stars é garra, é Botafogo! Vamo lá, eles com o bumbo, nós com pandeiro e essa bagaça aqui de gelar cerveja, brother, tem pra ninguém, é nós!
-- Onde é que cê vai achar uma tomada pra ligar isso aí? Vai dizer que cê tem uma extensão na mochila?
Eu só queria ganhar tempo. Eu não queria, definitivamente, ir sentar-me na chuva, por mais que admirasse, esteticamente, a Incrível Torcida de Bracaleone. Eu sabia que, pelos códigos Sandrinos de sociabilidade, era inadmissível que nos sentássemos separados. Na sua moral cavalheiresca, “A gente tá junto nessa, brother!” estava entre as regras mais importantes. Mais ainda, eu sabia que, se ele realmente quisesse sentar-se lá, na chuva, na torcida roots, ia mover mundos e fundos para me convencer e o que parecia ser uma bucólica tarde de futebol no interior seria um exercício de retórica de 90 minutos contra o Sandro e a chuva.
-- Cê acha que os caras não têm uma tomada ali embaixo?
-- No campo, Sandro? Tipo, do lado da bandeira do escanteio, assim?
--Sei lá brother, qualquer coisa a gente faz um gato aí, liga na bateria do desfibrilador e já é. Cê acha que os caras não têm desfibrilador?
Eu amo o Brasil. Isso é absolutamente fantástico. Eu perguntei onde ele ia ligar o negócio de gelar cerveja e ele imediatamente pensou em desmontar um hipotético desfibrilador para conectar em sua geladeirinha elétrica para ficar do lado da torcida roots -- na chuva. Sandro, definitivamente, é um gênio. Leonardo da Vinci. O que faz com que Da Vinci faça o renascimento e o Brasil esteja como está são os objetivos. Não sei muito sobre o gênio italiano, mas imagino que a sua grande preocupação não fosse exatamente como gelar a cerveja para sentar do lado dos supostos botafoguenses orientais. Já a do brasileiro, pelo menos esse chamado Sandro do Nascimento, invariavelmente, é. Se a gente conseguisse desviar esse potencial da arquibancada oposta e colocar, sei lá, na educação, meu caro Sandro, não tinha pra ninguém. Era nós.
Se eu não consigo comunicar à concierge do meu hotel um simples endereço, imagino como seria o Sandro, ao lado do campo, mostrando a espada Jedi de gelar cerveja ao médico, as latas de Skol, apontando o desfibrilador e dizendo “xiê xiê, make a cat, beer, pinda! Ok?”.
Richard Clayderman calou-se nos alto falantes e, depois de um breve ruído, entrou a voz de uma mulher, falando umas coisas monótonas.
-- É a escalação, escritor!
Sandro pôs a boca no cornetão, com a provável intenção de assoprá-la quando ouvíssemos os nomes do Emerson ou do Ricardo. Ficamos eu e ele ali, naquela expectativa, mas nada. Mais uma vez, a migalha da China: eles disseram Emerson, disseram Ricardo e nós, mesmo atentos, sequer desconfiamos que os dois nomes tenham sido pronunciados.

Saturday, May 12, 2007

Big Brother

Pode ser só problema do blogspot, mas podem ser também os tentáculos do Grande Irmão: blogspot não abre mais aqui da China. Pelo menos, não nesse quarto de hotel na China onde moro. Logo, não leio comentários. Se alguém quiser falar alguma coisa, dizer que sou bom ou ruim, favor encaminhar para antonioprata@uol.com.br. Por enquanto...

Friday, May 11, 2007

CARA, ESFREGÃO!

-- Fala Rodrigo, tudo bom?
-- Tudo, Prata, que que cê conta?
-- É o seguinte, cara, cheguei numa história. Não dá filme, mas dá uma puta animação.
-- ...
-- É um romance.
-- Tá.
-- Um romance entre um esfregão e uma vassoura de bambu.
-- Como?
-- É, você tem visto meu blog, as fotos?
-- Tenho, muito legal.
-- Então, esses esfregões... Não sei se é porque eu tô muito sozinho e não entendo nada que esses chineses falam, mas cada dia eu me aproximo mais dos esfregões, sabe?
-- Prata, cê tá bem?
-- Claro que eu tô bem. Por que tá todo mundo me perguntando se eu tô bem? Cê tá achando que eu tô mal, pelo blog?
-- Não. Nada.
-- Mas então, Rodrigo, esse esfregão e essa vassoura, são dois jovens, tá? Eles têm que lutar contra a invasão de uns rolinhos, depois eu posto a foto, uns rolinhos de limpeza que ameaçam a dinastia milenar dos esfregões e das vassouras.
-- Dinastia milenar dos esfregões e das vassouras?
-- Isso, e aí eles se juntam, eles têm que unir todas as vassouras e esfregões da China para expulsar os rolinhos, e têm esfregões e vassouras de todos os jeitos, penteados, cê tem visto no blog?
-- Tenho. Mas não sei não, uma história de amor entre um esfregão e uma vassoura?
-- Musical! Uma animação musical, pensa em bicicletas de Belleville com a vassoura e os baldes do Mikey em Fantasia, uma coisa meio soturna, mas bonita, sabe?
-- Animação é caro.
-- E daí? A gente arruma patrocínio de uma fábrica de esfregão aqui, imagina a grana que eles não têm...
-- Sei lá, Prata, tô achando meio estranha essa história.
-- Não, Rodrigo, cê vai ver, dá uma puta história, eles ainda ficam amigos das bicicletas, tem várias outras coisas, e é bem sobre esse momento de mudança da China, a chegada do capitalismo, as tradições, esfregão é do caralho.
-- Prata, tem uma amiga minha aí, a Rita. Liga pra ela, vai tomar umas cervejas, depois a gente se fala.
-- Beleza. Agora tô saindo que descobri um depósito só de vassouras de bambu, to indo fotografar.
-- Vai lá. Só mais uma coisa: isso é uma animação. E o romance?
-- Pode deixar. Eu falo com a Maria Emília. A gente vai lançar, é uma história ilustrada. Pra Cia. Das Letrinhas. Rodrigo, cê tá aí? Rodrigo? Ué,desligou?

Thursday, May 10, 2007



Cara, eu tinha certeza que era aqui...

Eu falei que eles são meio caipiras... Veja só se tem cabimento, hoje em dia, esse penteado de Madonna em Procura-se Susan desesperadamente...


-- Vomita, vai te fazer bem.

-- Tô sussa, só quero ficar um pouco aqui quietinha.



Na boa, se ele falar comigo assim de novo eu peço demissão.

Negó segui

Aconteceu uma coisa estranha e boa. Os posts foram ficando introspectivos, introspectivos e quando eu vi já não eram posts, eram capítulos do livro, aquele lá, que vim escrever aqui. Esse do taxista é um deles. Precisa mexer ainda, acabei de escrever, mas tô empolgado e resolvi mostrar. A partir de agora, não acredite mais em uma palavra do que eu disser aqui. Faz uns dois dias, a ficção virou o jogo. (Ainda bem, senão, que que eu ia dizer lá em casa???).

O RESTO É JUJUBA

Escurece, o que em Xangai significa que começa a ficar claro. De dia eu me confundo. As vielas, as bicicletas, as churrasqueiras com espetinhos, os fios e uma eterna névoa branca -- que não sei se é maresia ou uma fumaça atômica das fábricas dos arredores -- criam uma espécie de mormaço visual. De noite, pelo contrário, os prédios acendem as luzes, as carcaças de bicicletas, peixes e frangos abandonados pelas calçadas somem, os outdoors de plasma gritam marcas de cueca, de carros, de perfume, onde chineses e chinesas quase imperceptivelmente orientais sorriem, vencedores. A noite é nítida, o dia, obscuro. Mas ainda não escureceu, só começou.
A torre do hotel Meridien nem ligou suas luzinhas, que percorrem todas as quinas, debaixo até o topo, como se fosse uma árvore de natal perdida no meio de maio. A Pearl Tower nem começou com sua histeria colorida e as janelas daquele prédio no Pudong, com seu luminoso escrito Aurora, ainda são apenas janelas: em poucos minutos se transformarão numa televisão gigante, projetando para multidões embasbacadas, do lado de cá do rio Huang Pu, imagens de peixinhos dourados, Monet, uísque, os girassóis de Van Gogh, Buick, a Monalisa, Ford, Matisse, Audi e outras conquistas da civilização. (De noite, Aurora acende-se. Obrigado, paisagem, por ceder imagens assim, na bandeja, a esse esforçado escritor).
Vejo tudo pela janela do táxi, a uns 20 metros de altura, num desses minhocões que cruzam a cidade e fazem o nosso enfadonho Elevado Costa e Silva parecer uma larvinha. O táxi segue em velocidade de cruzeiro. Vou em direção ao M 50, umas fábricas transformadas em estúdios e galerias de arte, ambiente descolex aqui de Xangai.
No rádio toca um pop romântico, espécie de Sandy e Júnior, meloso, grudento -- deve ser tema da dupla romântica da novela que vi ontem, na tv do meu quarto. Presto menos atenção na paisagem e mais na música. Ouço então uma fungada. Logo seguida de outra. Olho no retrovisor e me dou conta de que o taxista está chorando. Chora baixinho, contido, tentando segurar, mas as lágrimas rolam. Não sei bem o que fazer. Volto a olhar para a paisagem, tento focar no horizonte meio branco, meio roxo, de Gothan City, não quero ser indiscreto, mas é difícil, pelo menos para mim, ficar a cinquenta centímetros de uma pessoa chorando e fingir que nada está acontecendo. Mais difícil ainda porque o choro vai aumentado. Ele agora deixa o pranto vir. Será que foi a música?
Se não houvesse uma redoma de plástico que o separa de mim, eu poria a mão no seu ombro, num gesto universal de “estamos aí, amigão, fica assim não, vai passar, cê vai arrumar outra muito mais legal que ela, vai ver só, essa aí não merece seu choro”. Não é um choro desesperado, é um choro triste. Se for por amor, ele parece ter certeza de que perdeu a mulher. Não parece dor de corno. Não há raiva ali. Há dor, e há a consciência de que essa dor é incontornável. Mas como é que eu posso afirmar essas coisas? Posso estar completamente enganado. Ele pode estar puto, pode querer matar alguém, pode ter perdido alguém, descoberto uma doença, demitido do emprego, despejado da casa, sei lá.
Eu evito olhar para o retrovisor, onde vejo sua cara, mas é inevitável, para todo lado que eu olho enxergo aquele retangulozinho de dor. Num desses olhares furtivos ele me pesca e fixa seus olhos nos meus. Não parece ter vergonha. Acho até que era o que queria, pois começa a desabafar. Lao xu tié! Magu xuô xuô dzáááá! Xu-ô dzázázá!
Ele sabe que aquilo não significa absolutamente nada para mim, mas ele não se importa. Ele está na merda e começa a me contar com detalhes, com peso em cada sílaba incompressível, como foi que a Lyin chegou para ele e disse há meia hora que tinha desistido do casamento, e como ele amava a Lyin, e como ele sabia que ela era a mulher da vida dele e como ele até tinha pedido um empréstimo no banco hoje de manhã para dar a ela aquele vestido de casamento branco que um dia eles viram no shopping e ela tinha gostado tanto. Hoje de manhã! E agora ela chega pra ele e Tsa biem diam luuuu, dzi tam tem lun jou juon!!!
Quem sabe ele esteja me falando que a ex-mulher entrou na justiça e o proibiu de ver o filho, porque ele bebe, ele bebe e faz cagada e esse fim de semana ele levou o moleque no Century Park e enquanto o moleque ia na roda-gigante e no carrinho de bate-bate ele tomou todas ali com o cara dos espetinhos, e secou uma garrafa de pei jo e chapou e quando acordou cadê o moleque? O garoto tinha chorado e um policial conseguiu contatar a mãe e agora ele não podia chegar a menos de 500 metros do filho. Quinhentos metros, porra, gringo, você acredita que o filho da puta do juiz fez isso comigo? Como é que eu vou fazer agora? Eu to fodido, esse táxi não é meu, eu não tenho mulher, eu bebo, só tinha meu filho e agora nada, nem isso?!
Nesse ponto ele começou a dar socos no volante, eu tive um sentimento egoísta e temi pela minha segurança. (Egoísmo, aliás, absolutamente justificável, porque me solidarizo com as dores alheias só até o momento em que elas ameaçam jogar-me num carro a oitenta por hora de uma altura de vinte metros contra o sexto andar de um edifício espelhado. Cinematograficamente ia ser bonito, Rodrigo, mas o filme, o meu filme, acabava aí). Felizmente, acho que ele também temeu por nossa segurança, pois parou de dar murros no volante e fez o impensável: parou o carro na pista da esquerda do minhocão, puxou o freio de mão e saiu. Imediatamente formou-se uma fila atrás do nosso carro, todo mundo buzinando, um escarcéu. Então ele encarou os carros e começou a gritar, a esbravejar, a dizer buzinem, seus filhos da puta, passem por cima, eu to pouco me fodendo, sem a Lyin ou sem meu filho essa porra dessa vida de merda não vale a pena! Ele era agora como aquele estudante que enfrentou a coluna de tanques na praça da Paz Celestial, era um homem sozinho contra as máquinas, um coração partido parando a via expressa da maior avenida da maior cidade do maior país do mundo, puta merda, meu taxista é demais, eu pensei, é isso aí, puta coragem, sofrer por amor é isso, o resto é jujuba, meu livro é sobre ele! Eu preciso entrevistar esse cara!
Ouvi então uma sirene de polícia, ele também, porque entrou no carro rapidinho e arrancou. O choro parou. Procurei um lenço de papel na mochila para oferecer a ele, mas não tinha. Eu queria dar alguma coisa para ele, fazer algum gesto de solidariedade, dizer que eu não era apenas um turista gringo ali no carro dele, mas que eu também tinha minhas dores, meus pés na bunda, que eu estava escrevendo sobre isso agora, que minha ex-namorada estava grávida e ia se casar com o cara, um arquiteto bacaninha, que passa pomada no cabelo e faz uns desenhozinhos transadinhos num caderno moleschini -- e pior de todo é que era um cara legal, meu chapa, e os desenhos são bons.
Mas eu não disse nada. Nós chegamos ao nosso destino, fui pegar o dinheiro e foi então que me lembrei: estava com meu último livro na mochila. Era para dar pro Everton, jogador de futebol, mas o Everton ia entender, ele é um cara sensível, quando eu contasse a história ele iria até ficar feliz em saber que o seu livro serviu a esse propósito. Então peguei o livro, abri na orelha, apontei a foto e apontei para mim. Ele entendeu. Sorriu, de leve. Passei o livro por cima da redoma, ele olhou, apontou a foto, disse qualquer coisa e me devolveu. Eu disse “tó, take it, é seu”. Ele fez que não com a cabeça, ainda tentei mais um pouco, mas não teve jeito, parecia um insulto ele ficar com o livro, como se eu tentasse dar a ele algo muito valioso. Peguei o livro e nos olhamos nos olhos, como a cumplicidade de duas pessoas que acabam de passar por uma situação limite juntos, dois sobreviventes de um acidente ou algo assim. Ele sustentou o olhar, não estava nada envergonhado, nem devia. Acho que ele viu em meus olhos também que eu o considerava um herói, que estava ao seu lado. Não tive coragem de pedir a nota.
A galeria era OK, mas os quadros pelas paredes me pareceram absolutamente frios vazios. Brincadeiras de criança. Estavam todos mortos, atropelados pelo meu taxista.

Tuesday, May 8, 2007



Alguns costumes são mesmo bem diferentes. Maconha, por exemplo, parece que é liberado. Um tijolão desses de meio quilo tá saindo 280 yuan, que dá o que, 100 reais?

Disseram que eu tinha que vir num pagode chinês, tava até no Lonely Planet. Cara, fiquei esperando ali embaixo de um coretinho, não vi nem sinal de um tamborim...


Tá vendo eles aí? Um branco e um preto? Quer dizer: e depois ainda tem gente que diz que os ETs não tão entre nós. Sei...


Tá vendo a sombra que começa lá embaixo, do cano? Então, é o pescoço. Aí vai subindo, passa pelo gogó, depois a barbicha, na horizontal, depois os dois lábios e o nariz, juntinhos, então um leve aclive da sobrancelha, um dread de sombra e os outros de esfregão. É ou não é o Bob Marley?


Xiiii. Benhê, deu pobrema!

Que que foi, Maria Alice?

Sei não, lê aqui que tô sem meus óculos...







Caro senhor morador do 342. A República Popular da China gostaria de avisar que, devido às 17 bicicletas abandonadas em sua porta, aos três patos soltos na rua, à pianola de manivela esquecida no tanque comunitário e umas contas de IPTU em aberto dos anos de 1961, 1962 e 1963, o senhor foi condenado a mudar-se amanhã mesmo para Caraguatatuba, SP, Brasil.


Cadeira (com arma escodida na mão direita, embaixo do sobretudo): Pode sair com as mãos para cima, Kid Bengala! E não tente nenhuma gracinha: seus dias de criminoso acabaram!

BANHO DE BARREIRA

-- Então. Ahhhh, como, ahhh, o livro... Vai bem, história?
-- Vai. Quer dizer, história só. Livro não ainda. Começo. Olhando em volta, tomando notas.
-- O que? Tomando botas?
-- Não, notas, tomando notas.
-- Ah, cotage!
-- Não, notas, sabe, anotando?
-- Ah, sim, anotando.
-- Vou pegar cerveja.
-- Ok.

Esse minúsculo diálogo anterior levou uma eternidade. É sempre assim. Uma luta. Conheci Leo nesse mesmo bar. Eu estava perdido, tentando achar a balada Hip Hop e ele e uma amiga me levaram até lá. Muito gentis. Trocamos e-mails e telefones. Hoje ele me ligou – nove da manhã – e combinamos a cerveja. Tenho quase certeza de que ele é gay. Super efeminado, um jeito delicado, parece drag queen quando não está montada, maquiador de top model, sabe? Fiquei na dúvida sobre quais eram suas intenções com a cerveja, mas, pro diabo, se ele quiser alguma coisa, basta eu dizer, como outro dia: not sex, just beer, thank you. (Ei, eu tenho amigos gays, não é essa a questão, se fosse uma garota e estivesse afim de mim e eu não, teria o mesmo problema de sair para uma cerveja, entende?). A melhor das hipóteses, na verdade, seria ele ser gay e me contar várias histórias de amor, gays e chinesas, para o livro. Volto com a cerveja.

-- Então, hoje eu achei uma história pro meu livro, acho que vai dar pé.
-- Deus?
-- O que?
-- Fé? Deus?
-- Não, não, eu disse dar pé, acho que vai funcionar, a história.
-- Bom, bom.
Ele suspira. Eu também.
-- Então, você estuda marketing?
Ele faz uma cara estranha.
-- O que?
-- Marketing, você não disse que estuda marketing?
Ele pega um dicionário eletrônico na mochila, escreve alguma coisa, me mostra. Está escrito marketing. Faço sim com a cabeça.
-- Não! Não! Eu estudo propaganda!
E não é a mesma coisa?
-- Ah... E você quer trabalhar com mar... com propaganda?
-- Bom, não sei, eu, eu já trabalhei com sló.
-- Sló?
-- Sim, sló.
Ele escreve uma coisa lá no dicionário e me mostra. Stocks. Ações, acho.
-- Ah, você gritando, telefone, vende,compra, compra, vende?
Ele diz que sim com a cabeça e começa uma longa sentença da qual só capto algumas palavras:

-- Sló... Camisetas... Meu amigo... Voltei... Muito caro... Vermelho, e tal... Um ano... Bélgica não mesmo, ah, Bélgica não... Muito chato.

E mostra um colar. Será que ele trabalhou no estoque de alguma loja? Uma loja belga? Desencano.

-- Ah.

Silêncio.

-- Então, o que vocês comem no seu país?

É sempre assim. É o sexto chinês (ou chinesa) com quem saio, eles são todos muito gentis e solícitos, mas tem a muralha da China cultural e linguística entre nós e bobeou a gente sempre cai nesse diálogo CCAA. Parecemos dois lobotomizados conversando. O cara do Laranja Mecânica depois da experiência, sabe? Sem humor, sem malícia.

-- Várias coisas. Churrasco... Mas o prato principal é arroz, feijão, salada, carne. E um ovo. Em cima, assim.
-- Carne?
-- Carne.
-- O que é carne?
-- É carne, é... Bife.
-- Ah, bife! Arroz, feijão, salada, bife, ovo. Tudo junto?

Como assim, tudo junto? Ontem pedi macarrão com porco e tinha uns camarões no meio!

-- É, junto.
-- Não, quero dizer, todo dia?
-- Ah, não, não todo dia. A gente come outras coisas, muito peixe.
-- De mar ou de rio?
-- Os dois.
-- E os de rio também são assim, grandes?
-- Grandes, como assim?

Onde ele escutou eu dizer que os peixes eram grandes???

-- Não, a gente come peixes grandes e pequenos.
-- E você gosta de peixes grandes e pequenos?

Caralho, que tipo de pergunta é essa? Será que é um código na China para saber se eu sou bi?

-- Eu gosto de peixe.
-- Hummmm...

Silêncio. A coisa definitivamente não anda, é como ir de São Paulo ao Rio em Primeira. Passando por Belo Horizonte. Usando cachaça como combustível. E abrindo só um olho. Acho que os dois estão com preguiça de puxar papo. Peço mais uma cerveja. Ele toma a iniciativa.

-- Sabe, aquele dia, a Vivian, minha amiga... Bêbada, muito. Primeira vez eu Viviam ver bêbada assim naquele dia.
-- Sério? Mas ela muito bêbada já quando eu aqui?
-- Ponto de ônibus. Muito bêbada. Dois anos eu Vivian sem ver.
-- Mas ela já esta...

Ah, desisti. Peguei o cardápio e pedi uma comida.

-- O seu hotel é perto?
-- É, é perto.
-- Eu sei. Eu gosto andar aí rua pequena vira outra ver tudo quando andar aí hotel seu outro dia.
-- Você foi no meu hotel?

Será que era ele? Quando o cara me ligou de manhã e disse “your friend is waiting in the second floor, breakfast?”.

-- Eu andar rua pequena ver por aí hotel seu.
-- Mas você foi lá???
-- Não, só ver onde é.

Será que ele foi e agora tá com vergonha de dizer?

-- Eu gostar peixe. Aham. Muito.

Ah não! Vamos começar com a aula do Yazigi sobre comida outra vez?! Se Leo me entendesse, eu poderia pegar um palito na mesa e começar a quebrá-lo, dizer, olha, Leo, não é você, somos nós dois, eu acho que essa relação não tá indo pra frente, entende? Sinto que tem uma barreira entre nós e acho que a gente não vai superar essa barreira, sabe? Provavelmente ele iria me olhar com essa mesma cara que me olha e eu o olho e perguntar:

-- Banheira?

Pedimos a conta logo depois. Certas banheiras linguísticas são mais intransponíveis que a Migalha da China.

TEM CHÁ?

Nos primeiros dias eu subia em prédios e olhava a cidade lá do alto. E ia a museus e lia sobre a história do país. Agora ando por ruazinhas e fotografo paredes, torneiras, tampas de garrafa jogadas num canto. Olho a cidade agachado, procurando-a num ladrilho.
Nos primeiros dias eu buscava um argumento para o romance como quem olha a cidade de cima. Queria vê-lo todo, na minha frente, lá embaixo. Agora já sei que não é assim. Sentado aqui, nesse paraíso que encontrei por acaso, a “Sala de leitura da antiga mão da China” (o que quer que isso signifique), com o lap top no colo e uma chaleira infinita de chá à minha frente, descrevo uma coisa de cada vez, a torneira da rua, o bilhete para uma namorada na infância, um possível cenário para casamento visto duas ruas abaixo, um gato que arranha canos num beco e pode entrar na história, de algum jeito.
A cidade está aí, inteira, mas foi feita prédio à prédio, ladrilho por ladrilho e é feita ainda, pelas tampas que caem nos cantos, pelos gatos que imprimem seus grafites vitais pelos canos, modificando a micro topografia de suas superfícies. Pouco a pouco. Uma coisa de cada vez. Nunca entendi direito desses assuntos, voraz e ansioso que sou.
Eu me pareço com essa cidade, querendo escrever um romance com a mesma velocidade com que eles ergueram o Pudong. Devagar, eu digo a mim mesmo. E tomo chá, pela primeira vez na vida. A pronúncia de “espera um pouco”, em chinês, é “tem chá”, acreditam?

CARPAS, BADMINTON

Encontrei essa rua por acaso, me perdendo pelas elegantes alamedas da concessão francesa. Por acaso, entrei num lindo jardim onde celebravam um casamento. Vi uma criança emocionada, apontando os peixes num laguinho, enquanto a mãe dizia alguma coisa. Carpas? Pode ser. Carpas, disse a mãe, e pela primeira vez a garotinha soube que aquela coisa maravilhosa, aqueles gomos de mexerica gigantes que se moviam para todos os lados chamavam-se carpas.
Depois entrei numa ruazinha e um casal de uns dezessete anos jogava badminton. Jogavam mal, não conseguiam concatenar três raquetadas, desengonçados e apressados -- como talvez seja seu sexo --, mas riam, se divertiam, era feriado, eles se amavam, e daí? No fundo dessa viela vi o tal gato, o tal cano e tive uma súbita noção dos outros. Outros, seis bilhões de outros – sem contar os gatos --, casando-se, aprendendo que o nome disso é carpa, ensinando à filhinha que o nome disso é carpa, jogando badminton na rua porque hoje é feriado, eles estão vivos e se amam e que importa?
Na média, acho que o mundo é um lugar legal. Tem gente matando, gente morrendo, gente explorando e gente invejosa fazendo suas maldadezinhas gosmentas, mas as carpas, o badminton, no fim das contas... Não?

Monday, May 7, 2007

HOMEM ARANHA x COWBOY

Hoje eu saí andando por aí. Chega de programas, de roteiros, abaixo o Lonely Planet. Só tenho mais dez dias aqui e chegou a hora de parar de tentar me encontrar e começar a me perder. Só quero saber do turismo que seja libertação! Foi Walter Benjamin quem disse que o único jeito de conhecer uma cidade era perdendo-se nela? Mundo mundo lonely mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não uma solução. Mundo mundo lonely mundo, mais lonely é meu coração.
Uma rima pode não ser uma solução, mas já é alguma coisa. Se a poesia é o supra sumo do espanto, a essência do nosso puta-que-o-pariu-nascemos-e-logo-morreremos-e-essa-coisa-toda-não-faz-o-menor-sentido -- o mantra que cantam os que não crêem --, a rima é uma espécie de prêmio de consolação. A gente lê: ficar, lar, potiguar, amar, bar, raiar, so far e logo acredita que essa semelhança, essa melodia, que é a rima, também é semelhança e melodia na vida, que as coisas rimam, se irmanam, há algum sentido, enfim. Mas aqui eu não me chamo Raimundo e Raimundo tampouco rima com o mundo. Nada rima por aqui.
Saí entrando em vielas e em vielas que saíam das vielas e davam em outras vielas. Vi jardins lindíssimos e esgotos a céu aberto, cozinhas sujas onde cinco homens sujos cortavam legumes e uma moto desmontada abandonada entre cadeiras de bambu, entrei numa biblioteca no meio da quebrada, olhei pra cima e vi linguiças sendo curtidas penduradas num ar-condicionado. Há um BMW parado na frente de um cortiço e um cortiço estacionado ao lado de uma loja chique. Há panelas e bicicletas espalhadas pela cidade. Pra que tanta, panela, meu Deus?, pergunta meu coração. A falta de ordem me perturba. Não há hierarquia possível, não há ordem, nem rima, só coisas e mais coisas umas depois das outras. Talvez o inferno seja assim, coisas e mais coisas umas depois das outras, sem a possibilidade de uma compilação. Os condenados ficariam então, como Sísifos de uma repartição infinita, perguntando a si próprios “guidão de bicicleta vai na sessão de bicicletas ou com as direções de automóveis?”, “cinco mil cabides vai na sessão de vestuário ou no guichê de objetos à granel?”, “Ô Anderson, tem aqui uma chupeta, uma exemplar de O Capital e uma samambaia morta, em cima de uma geladeira quebrada, é lixo ou instalação?”. (Sei que estou me repetindo, mas preciso, estou tentando fazer justamente essa compilação. Inferno!).
Há entre nós e o mundo uma teia chamada cultura. A gente olha para as coisas e dá sentido a elas. É como se a gente atirasse fios de significado, como o Homem Aranha faz, e dissesse panela, zupt!, mãe, zupt!, porteiro, zupt!, nosso carro, zupt!, esquina, zupt!, pão preto, zupt!, Fernando Sabino, zupt! e aos poucos temos a teia de significados sob nossos pés e por elas nos movemos. (Não, a gente sequer toca o mundo, a gente só pisa na teia).
Eu significo tudo, logo tudo me significa. Sei o que sou e sou o que sou pelos pontos onde minha teia está grudada. Ser estrangeiro, estar num país tão diferente, mesmo que por pouco tempo, é como andar sem a teia. Da minha pele para dentro há um mundo com canções e cheiros e sabores e abraços e sistemas, da minha pele para fora há outro mundo com outras canções e cheiros, sistemas incompreensíveis e abraços inalcançáveis.
Nós, aranhas, queremos a teia. Queremos significado. Em poucos dias já estou grudado ao quarto, à lojinha da esquina, aos recém conhecidos. Há pontes de significado e afeto entre mim e o mundo. Poucas, frágeis, mas há. Se não estabelecemos essas conexões enlouquecemos, a não ser que sejamos cowboys.
Daí o fascínio pelos cowboys. Não é porque eles sacam a arma mais rápido e matam os inimigos, é porque eles não precisam de ninguém. Carregam o mundo no bolso. Aranhas desgarradas, vão andando, indo, indo, em silêncio. É um herói ou um amaldiçoado?
Percebi ontem, enquanto comia uma sopa de macarrão e carne, que no fundo todos esses laços, mesmo aqueles nos quais mais cremos, são frágeis e artificiais. Tá, é obvio, todo mundo sabe, mas ontem eu soube mais, eu soube de verdade. Nos agarramos desesperadamente às coisas, às pessoas, aos amores (esse fio tão forte, o mais forte, talvez?), mas no fim estamos sós, aqui, aí, em qualquer lugar.
Não, não é que não tenhamos mais ninguém além de nós mesmos: é pior, não temos nada. Tá vendo esse abajur aí no canto? Há um abismo entre ele e você. Tentar transpor esse abismo é o que a gente tem feito, desde que o mundo é mundo, vasto mundo. Mas se eu me chamasse Raimundo, seria apenas uma rima, não uma solução: o abismo é intransponível.

MODELOS

Eles fazem parte do mundo, pensei, eu não. As modelos e os jogadores mostraram a pequenez da Vila Madalena, das discussões pueris sobre a Lei Rouanet, o Espaço Unibanco de cinema, esse mundo à parte que a gente acha que é todo o mundo e se não se deslocar e olhar de fora acaba acreditando que é mesmo e pode acabar um idiota completo.
Não, eles são o mundo, eu não. Eu nunca chorei sozinho nas Filipinas, aos quinze anos, tendo deixado Rio do Norte, SC, para trás, ao ouvir a produtora local dizendo que eu era shit! Shit! Shit! Eu não tenho que pagar multa se chego depois das dez na concentração, nem estou morando num país sem falar a língua e sendo enganado pelo meu empresário enquanto tento juntar dinheiro para ajudar minha mulher e minha filha de sete meses no Brasil.
Então pareceu que era eu quem vinha do mundo do glamour e dos holofotes, enquanto as modelos e os jogadores carregavam o piano nas costas: bravas formigas operárias do moinho midiático.
Se eu fizesse parte do mundo -- essa coisa do meu umbigo para lá -- não me esforçava tanto para ler o caderno Mais! ou Aliás ou um livro cabeludo onde um antropólogo ou sociólogo tenta me dizer, com suas intrincadas teses e complexos sistemas: veja o mundo, Antonio, ele é assim. Quem faz parte dele não quer entendê-lo.
As modelos e os jogadores brasileiros me contavam as suas histórias gentilmente, me mostrando como era o mundo, enquanto tomavam refrigerante no quadragésimo andar de um dos seis prédios de um condomínio mastodôntico a leste de Xangai. E me salvaram, pelo menos por ora, do perigo de tornar-me uma besta auto-centrada.
“Gente, a casa toda desarrumada! Carol, tira essas meias da janela que tem uma celebridade aqui!”, disse a Fernanda, de Santa Catarina, que me conhecia pelos textos da Capricho. Eu queria pedir desculpas, dizer parabéns, vocês são heroínas, tão novas, tão fortes, enfrentando essa enrascada com sorriso no rosto e pele de criança, eu não, eu não faço nada, eu só anoto aqui nesse bloquinho. E elas iam me falando...
“Se você não tem um book legal até uma certa altura da sua vida, você vem pra Ásia. Faz catálogo de pijama, umas fotos bregas, mas ganha dinheiro. Não adianta ficar no Brasil, no meio daquela concorrência, ouvindo não em casting. Hoje eu sei até onde eu posso chegar, onde não posso. Já me ferrei muito, já ouvi produtor dizendo que ou eu fazia plástica no nariz ou podia desistir de ser modelo, já tive agência que me proibia de sair de casa a noite. Na Alemanha eu morei com uma mulher tão louca, mas tão louca, que um dia eu abri o congelador e tinha um gato morto. Saí dali na hora, liguei chorando pra minha mãe no Brasil, dizendo que queria voltar, ela disse calma, filha, vai dar tudo certo. Hoje eu sei como as coisas funcionam, sou madura”. Quantos anos você tem? “Dezessete”.
“Eu tenho 24 anos, não tenho filho nem mulher. Se eu fizer um bom campeonato aqui, posso ser chamado pra um time da primeira divisão, posso ir para um outro país. Eu faço o que eu gosto, cara, eu jogo bola, quanta gente pode dizer isso? Que faz o que gosta? É difícil pra caralho. A gente veio aqui com promessa de que ia ter um apartamento para cada um. Faz dois meses, cadê? A gente come na cantina da faculdade. Tem dia que só dá pra comer o arroz. Outro dia eu liguei pra minha mãe e disse, mãe, tá no viva voz? O pai tá aí? É o seguinte, eu amo muito vocês, muito. E comecei a chorar. Fiquei meia hora chorando no telefone, é foda, mas fazer o que? Estamos aí. Pros outros dois jogadores brasileiros é mais difícil. O Fernando quer trazer a mulher dele, mas para morar com a gente no quarto do hotel? Agora a mulher dele tá brava, acha que ele não quer que ela venha, tá ligado? O Robson teve que voltar, tá com a filhinha de sete meses no Brasil, a mulher ligou falando que ela tá com problema de saúde, ele foi na hora, deixou até dinheiro para trás.”
“Eu saí de Araçatuba com 15 anos. Já morei na Tailândia, nas Filipinas, Singapura, na Grécia, agora aqui. Minha mãe é que queria que eu fosse modelo, eu queria sair de casa, então topei. A gente se acostuma. Hoje eu gosto. É uma vida dura, mas eu gosto. Quero juntar dinheiro para pagar minha faculdade, quero comprar um apartamento. Que outra profissão, na minha idade, dá pra pensar nisso? Se a gente dá sorte pega uma campanha de xampu, acorda de manhã, vai lá, faz assim com a cabeça, ó, e pode ganhar 30 mil dólares. Não é fácil, mas pode aparecer uma coisa assim”.
Diante da grandeza existencial dessas meninas, desses caras que saem de mala nas costas pelo mundo e vêm parar na China, tentando fazer o melhor trabalho possível e lidando com feitores escrotos, cafetões e cafetinas de outros séculos que tocam no chicote o que no fim das contas resulta em catálogos de lojas cheirosas e espetáculos esportivos bacanas, vejo de novo os andaimes de bambu. Andaimes de bambu, em torno dos lindos prédios de cem andares. Andaimes de bambu, moinho de moer gente, capitalismo global, cazzo, o mundo é cruel pra caralho.

POETICA (Manual, Bandeira)

Estou farto do lirismo comedido
do lirismo comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho
vernáculo de um vocábulo

Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifílitico
De todo o lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar
com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às
mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

Manuel Bandeira: Manual, Bandeira!

BALADA DO MANGUE (DE ALGUNS DIAS ATRÁS)

Acordei triste, com a boca seca pela ressaca e a consciência madrasta de estar a 18554 quilômetros de qualquer possibilidade de cafuné. Essas chinesas só me dão as costas. Não faço o menor sucesso aqui na Ásia. Será que é a barba?
Enquanto rolava na cama tentando adivinhar a cor do céu do lado de lá da cortina doirada, sem saber se eram oito da manhã ou seis da tarde -- era uma e meia -- entendi finalmente esse papo de que tempo e espaço são a mesma coisa. Estar a vinte mil quilômetros de um cafuné ou um ombro amigo equivale a estar há dois anos sem cafuné ou um ombro amigo. (Aliás, nunca entendi porque “a cem metros” não é “há cem metros”, uma vez que esses cem metros existem e deveriam ser precedidos pelo verbo haver).
Acordei, tomei um banho longo, escrevi que nem um louco, desci para a academia do hotel e corri (Scarlett Johansson teima em não aparecer), li umas coisas sobre a China, tomei o poderoso Kagome poli-vegetálico, fiz essas coisas todas que sei que me acalmam e me fazem bem, mas continuava triste. Resolvi sair para jantar. Afinal, era sábado à noite. Vi no Lonely Planet um lugar 24 horas de macarrão aqui perto, achei que era uma boa e fui.
Levei comigo o livro que o Vinícius escreveu pro Neruda, ganho de uma menina linda e desconhecida que apareceu do nada na minha vida, um belo dia, com esse livro na mão e um sorriso no rosto, dizendo, “oi, vim te conhecer”.
Cheguei numa espécie de Sujinho dos noodles, pedi uma Suntory (pinda! Pinda! Pinda! – gelada! Gelada! Gelada!) e, assim que ia abrir o livro, começou a tocar Simon and Garfunkel. Meus caros, quando você tá há vinte dias ouvindo só pop chinês, acordou meio triste a sente-se só, sob a luz fria de um boteco no meio da Ásia, Sound of silence é quase cafuné -- é, definitivamente, ombro amigo.
Chegou uma tijelona de macarrão de arroz com carne e legumes, quase uma canja de mãe numa gripe da infância, Vinícius começou a falar

Boa noite, Pablo Neruda. Neste instante
Ouvi cantar o primeiro pássaro da primavera
E pensei em ti. O primeiro pássaro da primavera
Cantou, parece incrível. Mas ainda existem pássaros
Que cantam em noites de primavera.

e então meu outono acabou, os pássaros cantaram e primavera se fez. E já que era primavera, que cantem todos os pássaros: ali no meu boteco, já com Vinícius, Neruda, Simon and Garfunkel e a canja primordial na mesa, começou a tocar Blackbird, dos Beatles. Quase chorei. (Ah, esses noodles, essa cerveja quente, botam a gente comovido como o diabo).
Ali, sozinho no bar, sozinho na Ásia, cazzo, pensei em Drummond.

Nesta cidade do Rio,
de dois milhões de habitantes,
estou sozinho no quarto,
estou sozinho na América.
(...)
De dois milhões de habitantes!
E nem precisava tanto...
Precisava de um amigo,
desses calados, distantes,
que lêem verso de Horácio
mas secretamente influemna vida,
no amor, na carne.
Estou só, não tenho amigo,
e a essa hora tardia
como procurar amigo?

Ontem, fui dormir às seis e meia. Às dez da manhã tocou o telefone. Isso é um acontecimento, por aqui. Desde que cheguei, devo ter recebido uns seis telefonemas, no máximo. Nenhum deles quando estava dormindo. Acordei, atendi, aturdido, naquele lusco-fusco de inicialização do windows cerebral – Antonio, Xangai, sede, história de amor, táxi, hello, hello? -- e, do outro lado da linha, o cara da portaria me falou, com seu inglês péssimo; “your friend is waiting for you”. What? “Your friend is waiting for you in the second floor, in the breakfast”. Eu juntei todos os meus neurônios e dissemos: I don’t have any friend.
Caro leitor, veja só, eu não estava sendo melancólico, estava sendo pragmático, aquilo não era possível, não existia ninguém em Xangai que pudesse estar me esperando às dez da manhã de sábado “in the second floor, in the breakfast”. O cara da portaria fez como sempre fazem por aqui, quando empaca a comunicação, repetiu a oração: “your friend is waiting for you”. Eu pensava na noite de ontem, pensava em beber água, pensava que não queria, por Diós, estar tendo aquela conversa, eu sabia que aquilo era um engano, então um neurônio mais esperto me assobiou a frase: ok, tell my friend to call me and I’ll talk to him. Ele disse que sim, ia falar e pronto, nunca mais meu telefone tocou. Mas como eu ia dizendo – ou melhor, Drummond ia dizendo:
E nem precisava tanto.
Precisava de mulherque entrasse neste minuto,
recebesse este carinho,
salvasse do aniquilamento
um minuto e um carinho loucos
que tenho para oferecer.
Em dois milhões de habitantes,
quantas mulheres prováveis
interrogam-se no espelho
medindo o tempo perdido
até que venha a manhã
trazer leite, jornal e clama.
Porém a essa hora vazia
como descobrir mulher?

Pois é, como? Saí do meu Sujinho dos Noodles, levemente bêbado com uma garrafa de Suntory quente, mas num porre de lirismo danado (você nunca deve ler um livro inteiro de poesia, ganho de uma menina linda,ouvindo Beatles, se está passando por um momento de carência na China) e fui andando pelo bairro. Segundo o Lonely Planet, eu estava no epicentro da noite da cidade. Há (sic) dois quarteirões estava a Maoming road, cheia de bares. Minha idéia era sentar num deles, o mais calmo, e ler de novo o livro inteiro do Vinícius. Se fosse a três bares, leria três vezes. Se fosse a doze, doze. Que sabe, ao amanhecer, já teria escrito a minha história de amor?
Começou a bater um vento terrível, desses que batem em filme ruim antes da chegada do assassino. Bicicletas apoiadas nas paredes caíam, folhas e lixo voavam pela calçada. É engraçado, desde que cheguei aqui já choveu umas três vezes, mas eu sempre estranho. Na minha cabeça a China é seca, sempre seca.
Cheguei na tal rua e percebi porque o Lonely Planet dizia, já na primeira frase do capítulo “ drinking”, que a noite de Xangai muda tão rápido que não dá para confiar nas dicas de um ano atrás.
Entrei num ber onde uma banda de rock chinês tocava num palquinho. Olhei em volta e percebi a enrascada: três gringos, doze putas, uma banda e um garçom. De cara, uma cafetina me pegou pelo braço e me levou a uma mesa. Me ofereceu uma menina. Lembrei de uma leitora do blog, que se apresenta como Chatagirl, dizendo: “você tem que viver a lama de Xangai”. Eu disse a ela que estava ouvindo um CD com músicas de Xangai “numa pegada latina”. Ela disse que “isso era o caos, e do caos à lama há um longo percurso”. Muito afiada essa Chatagirl.
Pedi uma cerveja. A cafetina puxava papo e tentava iniciar um diálogo entre mim e a garota, que falava um inglês não muito melhor que o meu mandarim. A garota era bonita e pegava na minha mão com suas mãos calejadas. Eu queria dizer para as duas, olha só, eu estava lendo Vinícius falar sobre Neruda, sobre amizade, há mais distancia entre esse lirismo e uma prostituta chinesa do que entre o céu e a Terra ou qualquer outra comparação que possa ser feita por nossa vã filosofia. Mas só falei: thanks, not sex, just a beer.
Nunca vi uma prostituta mais triste. Ela não se vestia como puta, usava calça jeans e camiseta. Aquela fantasia de mini-saia e top e soutien aparecendo amenizam a sordidez da situação (ou talvez as fantasias que aquela fantasia nos suscita embacem um pouco nosso julgamento), mas ali era apenas uma garota pobre, sorrindo, tentando ser agradável, enquanto aquela cafetina malvada como madrasta de conto de fadas a empurrava de todas as maneiras para cima de mim, o gringo cheio de barba e dinheiro. Fiquei com pena da banda, também, coitados, animando xaveco de puta e gringo ali naquele palquinho. Virei a cerveja o mais rápido que pude e saí pra rua. O vento virou uma tempestade, eu saí correndo, putas me puxavam para dentro dos bares como polvos, estiquei a mão e saltei, encharcado – não mais de lirismo, mas de chuva ácida e cerveja quente – para dentro de um táxi.
Fui para casa triste, vendo a chuva molhar as calçadas de Xangai e com Vinícius me assoprando no ouvido os últimos versos da noite

Balada do mangue
Pobres flores gonocócicas
Que à noite despetalais
As vossas pétalas tóxicas!
Pobre de vós, pensas, murchas
Orquídeas do despudor
Não sois Lœlia tenebrosa
Nem sois Vanda tricolor:
Sois frágeis, desmilingüidas
Dálias cortadas ao pé
Corolas descoloridas
Enclausuradas sem fé,
Ah, jovens putas das tardes
O que vos aconteceu
Para assim envenenardes
O pólen que Deus vos deu?

(...)


Cara, na boa, mas tem uns troços bem estranhos pendurados no seu ar-condicionado.



Ai, como cê é careta... Que que tem? Instala a pia lá fora, ué? Só porque a sociedade impôs que pia é pra dentro? Desconstrói isso aí, bitchô.



Banco: sei lá, senti você meio distante. Esfregão: imagina, meu amor, eu tava aqui, por inteiro.
Banco: tá, talvez não seja nada, talvez eu é que esteja cansada.
Esfregão: te amo.
Banco: muito?
Esfregão: mais que tudo.

O nome disso é estlilo, jovem.



Casal de idosos tira foto com famosa dupla de pop romântico.

Hey, excuse me, could you please turn off this mobile phone and love me for ever?
Oh, I understand, no problem. Tsa tiem então. (Não custa tentar, né?)


Do outro lado do mundo fica um país gigante chamado China. Nesse país há uma imensa cidade chamada Xangai. Nessa cidade tem uma rua não tão grande assim de nome Shaoxing Lu. No número 76 da Shaoxing Lu há uma viela. No fundo da viela fica um cano.
Se você pegar um avião e viajar 27 horas até a China, descer do avião em Xangai, entrar num táxi, saltar no número 76 da Shaoxing Lu, andar até o fim da viela e abaixar-se, poderá notar que ali naquele cano, na viela do número 76 da Shaoxing Lu, em Xangai, na China, um gato afiou suas unhas.
Bão esse sol hein, comadre?
Bão, compadre!
Grupo de águas vivas faz turismo pelos muros de Xangai...
Enquanto ovelha, à beira do abismo, considera a possibilidade do suicídio.

Não adianta chorar, meu amor. Nunca iria dar certo mesmo. Você é uma táboa de lavar roupa, de madeira sólida. Sedas e veludos ainda estarão em te caminho. E eu... O que sou eu? Cinco ripas de pinho, apenas, destinadas ao lixo, ao fogo, ao esquecimento.
Guarda-chuvas brincam de esconde esconde...
Com vassourinha de palha.




Saturday, May 5, 2007

Meus salões de cabeleireiro deram tão certo que resolvi expandir. Agora também mexo com modas.

Das paredes de um Nontang direto pra Bienal.

Vai dizer que não é instalação?
Maish teishturash...
Não adianta se fingir de parede, Dragão.

Eu sei quem você é.



E sei que a cada mil anos você mostra a língua.

Quem conseguir agarra-la terá vida eterna
e todas as glórias sobre a Terra.
















Maos de cerâmica acenam para camaradas brasileiros.

COISA, COISA, COISA

Se me perguntassem agora: como é aí na China? -- eu diria: tem coisa pra caralho. Como assim, coisa? Assim, cara, tem coisa pra caralho aqui na China. Não sei se é porque eles estão acumulando há 5, 6 mil anos, mas o fato é que para todo lugar que a gente olha tem coisa, coisa, coisa. E todo tipo de coisa.
Você tá andando na rua e tem uma quantidade infinita de coisas: cartazes, portas, fios, vitrines, engradados, sacos, roupas penduradas, lanternas, logos, bicicletas, motos, frutas, cds, dvds, enormes woks fritando bolinhos, panelas gigantes de bambu com bolinhos sendo feitos no vapor, pessoas indo para todos os lados ao mesmo tempo e por todas as superfícies (uma moto passa pela calçada com um carregamento de cinco mil cabides coloridos, carros vão na contramão, um riquixá cruza tudo aparentemente ignorando qualquer noção de caminho e levando um armário em cima de um piano coberto por um poster da Pepsi). Aí você entra numa portinha discreta, nessa rua, e ela dá para um corredor entre várias casas, onde há várias portas e mais corredores para outras casas e corredores, e você tem a certeza – não a impressão, mas a certeza – de que se continuar a entrar por essas portas vai cair sempre num outro corredor cheio de portas. Ontem e antes de ontem eu e o Tadeu Jungle -- que veio aqui fazer o documentário sobre o projeto -- ficamos entrando por essas portas e filmando e fotografando esses corredores e saímos convencidos de que são labirintos sem começo, nem meio, nem fim, nem tempo.
Veja, não são corredores e portas de pesadelo kafkaniano, limpos, simétricos e fascistas, não é o pesadelo do século XX, mas delírios de outros milênios, sono narcótico de ópio do século XIX, pesadelo do século XXI: são corredores e portas de conto do Borges, de As mil e uma noites, de Blade Runner, de Delicatessen, de Alice no país das maravilhas, é uma bagunça tão caótica que fica esotérica. Dá a impressão de que se acharmos a porta certa encontraremos Deus, ou cem virgens do Xá da Pérsia, ou mísseis terra-ar russos, ou a gente mesmo, com três anos de idade, cento e quatro ou quinze minutos atrás.
Os corredores são espaços de convivência, ruas-cidade-do-interior-cozinha-banheiro-playground-armário-lixo-depósito-jardim, então pelos cantos há panelas, ao lado de um motor empoeirado de mobilete, um par de sapatos pendurados, uma escova de dentes perdida, duas galinhas, roupas e mais roupas secado, uma espinha de peixe com cabeça e rabo, uma gaiola dourada com um gato preto dentro, vasos de porcelana e um rádio tocando ópera chinesa ou música pop, enquanto quatro velhos meio sujos jogam majong fumam desde 1925, cospem e são simpáticos. Ni hau.
Andando por esses corredores tenho a impressão – não, a certeza -- de que sempre estive na epiderme das cidades e agora ando por seus órgãos internos. Os canos saem das paredes em todo lado e em cada cano há um tipo de plástico ou borracha ou pano enrolado e em torno do plástico ou borracha ou pano enrolado tem um arame ou corda ou fio e sobre tudo isso respingos de tinta de diferentes décadas e poeira das mais diversas espécies, de maneira que eu tenho a impressão – não, tenho a certeza – de que se me debruçar sobre um palmo desses canos também cairei num outro labirinto de coisas, como se as coisas tivesses popups para mais coisas. E se os fosse abrindo até olhar num microscópio eletrônico a última fração possível da matéria acharia ali um portinha, que daria para um corredor e voltaria para meu labirinto.
Mônadas, me disseram que chama isso. É? Não sei, mas é enlouquecedor, é exaustivo. Ao olhar para cima também vejo que nesse curto espaço aéreo, entre meus olhos e o telhado das casas, há um emaranhado de fios, cordas de varais, bambus com roupas penduradas, guarda-chuvas velhos, uma roda de bicicleta e mais muitas outras coisas, coisas, coisas, em diversos estados de degeneração: coisas novas, coisas abandonadas, ciosas sendo feitas, comida crua, comida podre. Mas quem é que vira um prato de macarrão ou abandona uma moto, assim, na frente da casa do visinho? Dá a impressão de que se o governo chinês promovesse uma faxina coletiva, ou simplesmente fizesse a campanha “se essa bicicleta com estalactites de poeira não é de ninguém vamos jogar fora, pessoal?” juntariam tanta coisa, mas tanta coisa, coisa, coisa, que teriam que invadir a Coréia só para usar como aterro sanitário. Ou fundiriam todo o metal e fariam outra muralha da China, agora de norte a sul. Como disse o Tadeu, com os olhos brilhando feito criança e filmando pelos cotovelos, “cada palmo que você mira é um mundo. É tudo cenográfico!”.
Ai você quer desistir de ficar nesse mundo doido e entra num restaurante. Abre o cardápio e, porra, de novo! Quanta coisa! Você não sabe o que escolher, porque as coisas no cardápio, assim como nas ruas, nos corredores e no céu, são uma bagunça. Tem “sopa de água viva com broto de bambu”, seguido por “fatias de carne de cabrito com molho de ostra ao estilo de Sischuan”, “Arroz da águia ao por do sol”, “Limonada” – com uma etiqueta por cima com algo escrito em chinês. Será que acabou o limão? --, “sapo rei apimentado”, “churrasco de lula” e assim vai por páginas e páginas. Algumas coisas vêm com foto e escrito em chinês e inglês. Outras só com foto, mas sem inglês, outras em chinês e sem foto, outras em inglês sem foto. Coisa, coisa, coisa. Você pede três pratos mas vêm sete, porque sempre acompanha mais alguma coisa.
Eu não sei o que é frango, o que é vaca e o que é sapo. Não sei o que é verdadeiro, o que é cópia. Não sei o que eles tão falando e se essa estação é aquela ou aquela outra. Eu não sei qual das sete histórias de amor que criei vou escrever. Eu não sei qual das sete histórias de amor que vivi eu deveria ter continuado vivendo. Ou será que não deveria ter vivido alguma delas? Eu não sei se quero ficar sozinho ou abro o msn. Fico dias em silêncio e agora pulam sete janelas simultâneas, de sete pessoas importantes em diferentes momentos da minha vida, que me perguntam: Antonio, você tá bem aí? Como é a China?
Confusão, confusão, confusão. Coisa, coisa, coisa. Não quero mais entender nada. Não dá pra entender. Pessoal, vamos fazer um esforço, vamos organizar isso aí! Ou então me tragam alguém que explique esse Aleph chinês, que mostra todas as coisas de todos os tempos, mas cujo ponto não é do tamanho de uma bola de gude, mas uma cidade de 18 milhões de habitantes. Ou do tamanho de minha cabeça, esse Aleph com problemas de sintonia. Po, Rodrigo. Caramba, Cuenca. Por que vocês não me mandaram para Huston, Curitiba ou Mogi das Cruzes, hein? Que coisa.

Coisas dentro de coisas e coisas em volta de coisas.


Aceita uma revolución?
Não, obrigado, parei.
Ah, que bom! Como foi?
Um método americano, ótimo!